Está
evidente o divórcio entre setores de peso das elites econômicas e o presidente
“Essa barca já foi”, diz empresário de peso,
engajado em política, sobre o apoio de colegas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma parte relevante da
elite industrial, do setor financeiro, serviços e até varejo considera inútil
esperar mudanças de conduta de Bolsonaro em relação ao combate à pandemia e à
economia. Essa postura ficou escancarada com a adesão desses setores, com
destaque para o financeiro, a um manifesto político batizado de “carta dos
economistas”.
Para onde vão com a barca, que é conduzida por grupos informais de WhatsApp, ainda é uma incógnita. Neste momento, quem se disporiam a apoiar é um porto desconhecido para os próprios empresários, integrantes de uma elite que abraçou entusiasmada a derrocada do PT e a eleição de Bolsonaro em 2018 e hoje se considera profundamente decepcionada. Esse estado de espírito está se propagando e já chegou a setores do agronegócio – lembrando que a candidatura de Bolsonaro cresceu no arco próspero produtor de grãos e proteínas antes de se transformar em fenômeno em grandes centros urbanos.
“Demos a ele 75% dos votos aqui em Santa
Catarina”, afirma dirigente de entidade representativa de produtores rurais
naquele Estado. “Hoje a gente se pergunta para que fizemos isso.” A despedida
em relação ao governo Bolsonaro de relevantes segmentos da economia, incluindo
os famosos “Faria Limers”, vem um pouco depois do desembarque das elites
acadêmicas e das profissões liberais não necessariamente identificadas com o
que se possa chamar de “esquerdas”. Antes mesmo da vitória de Bolsonaro,
alertavam para o componente corporativista, populista, extremista e
ideologizado que – e o diagnóstico revelou-se certeiro – se imporia sobre
qualquer projeto de agenda “liberal” na economia.
Há
um componente na “visão de mundo” populista de Bolsonaro perfeitamente em linha
com fenômenos comparáveis na Europa, Ásia e EUA. É o desprezo pelas elites em
sua acepção mais ampla, incluindo cientistas, especialistas e experts.
Bolsonaro se julga detentor de um tipo de “sabedoria popular” que não é outra
coisa senão a celebração da ignorância, do preconceito e de propostas
aparentemente “simples e geniais” que só contribuem para agravar os problemas,
como ficou patente no caso da resistência às medidas restritivas para combater
a pandemia e a promoção de medicamentos ineficazes ou até perigosos.
Um
fator recente que contribuiu para o divórcio de segmentos relevantes do
empresariado em relação ao presidente é a convicção de que Bolsonaro, além de
incorrigível corporativista e intervencionista, é um péssimo operador político.
Consolida-se na análise que empresários fazem do governo a noção de que a
vulnerabilidade política do chefe do Executivo aumenta a cada passo em falso –
o empresariado e o Centrão não gostam de se alinhar a perdedores. O mais
recente foi a ação, assinada pelo próprio presidente, para obter no Supremo a
proibição de medidas restritivas adotadas pelos governadores do DF, Bahia e Rio
Grande do Sul, descrita pelo ministro-relator da matéria no STF como “erro
grosseiro”.
Esses
mesmos setores da economia se convenceram, ainda que tardiamente, da
inexistência de jogadas brilhantes na gaveta à espera da “janela de
oportunidade” da qual tanto fala Paulo Guedes, em quem penduraram suas esperanças
e agora ouvem com mal disfarçada incredulidade (a voz mais respeitada hoje é a
do presidente do Banco Central, para desgosto de Bolsonaro). Preferem tratar
direto com os presidentes do Judiciário, do Senado e da Câmara, como acabou de
acontecer para tratar do combate à pandemia e recuperação da economia.
Dois
foram os resultados imediatos desse desembarque, golpe que Bolsonaro acusou e
chamou de “movimento” contra seu governo. Correndo atrás dos fatos, anunciou a
criação de um comitê com Judiciário, Legislativo e alguns governadores que é
evidente demonstração da sua perda de capacidade de coordenação e da diluição
de seus poderes. Acuado pelo número crescente de mortos, fez um raro
pronunciamento concentrado apenas na questão da vacina, o grande foco de todas
as atenções e esperanças.
Quanto
às elites econômicas revoltadas diante de um desastre que ajudaram a criar,
aparentemente não lhes falta autocrítica. Um dos autores da “carta dos
economistas” resumiu: “A gente tem tradição em apoiar governos amalucados”.
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