Jair Bolsonaro agora quer convencer os brasileiros de que é presidente da República, e não o irresponsável que todos conhecem. Esse novo personagem se apresentou ao País em cadeia nacional de TV, na terça-feira à noite, e numa reunião com governadores e dirigentes do Congresso e do Judiciário para tratar da pandemia de covid-19, no dia seguinte.
Bolsonaro
vestiu um mal-ajambrado figurino de estadista nas últimas horas não porque,
subitamente, passou a se preocupar com o padecimento de seus concidadãos, e sim
porque a queda acentuada de sua popularidade, em razão de sua desastrosa
administração da crise, ameaça sua reeleição.
Cobrado
pelos líderes políticos que ainda o apoiam, mas que já começam a mostrar
impaciência com seu talento para criar tumulto em vez de governar, Bolsonaro
viu-se na contingência de se mostrar mais comedido e até disposto a defender a
vacinação e a colaboração para o combate à pandemia.
Os panelaços que acompanharam o pronunciamento de Bolsonaro na TV mostram que os espectadores não se deixaram convencer por esse presidente improvisado. Pudera.
Depois
de passar seus mais de dois anos de mandato mobilizando as atenções por ameaçar
a ordem democrática, desrespeitar a Presidência e ofender a inteligência e a
moral dos brasileiros, Bolsonaro jamais será visto como o líder que nunca foi.
E jamais será porque, entre outras muitas razões, Bolsonaro trata seus
governados como tolos, ao mentir descaradamente e esperar que alguém, além dos
celerados que o idolatram, acredite.
No
pronunciamento, Bolsonaro disse que “em nenhum momento o governo deixou de
tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus quanto para
combater o caos na economia”. Ora, todos sabem que o presidente foi o líder dos
negacionistas da pandemia.
Além
disso, o presidente teve a audácia de dizer que “temos mais de 14 milhões de
vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os
Estados da Federação graças às ações que tomamos logo no início da pandemia”.
Da
boca de um presidente que passou a pandemia inteira a desdenhar das vacinas – a
certa altura, mandou comprá-las “na casa da tua mãe” – e a prejudicar a
organização da imunização ao trocar três vezes de ministro da Saúde, trata-se
de inaceitável escárnio. Bolsonaro espera que todos esqueçam que a maior parte
das vacinas citadas em sua fala mendaz foi produzida pelo Instituto Butantan em
parceria com os chineses, sem qualquer participação do governo federal. Ao
contrário, Bolsonaro desprezou desde sempre a “vacina chinesa” de São Paulo e
agora, como um parasita, reivindica os louros de sua produção.
Essa
desfaçatez se estendeu por quatro minutos espantosos, coroados pela promessa de
que toda a população será vacinada até o fim do ano – no mesmo momento em que o
Ministério da Saúde revisou para baixo, mais uma vez, seu cronograma de entrega
dos imunizantes. O presidente terminou manifestando solidariedade “a todos
aqueles que tiveram perdas em sua família”, depois de passar meses a dizer que
não era “coveiro”, que “todos vão morrer um dia”, que era preciso enfrentar a
pandemia “como homem” e de ter menosprezado a dor dos brasileiros,
qualificando-a de “frescura” e de “mimimi”.
No
dia seguinte, Bolsonaro, depois de se reunir com governadores e dirigentes de
outros Poderes, anunciou a criação de um comitê para tomar decisões sobre a
pandemia – algo que deveria ter sido feito há um ano. A sensação, no entanto, é
que o tal comitê é só parte da encenação mambembe de Bolsonaro.
O presidente que hoje acena com diálogo e cooperação é o mesmo que dias antes chamou de “tiranetes” os governadores que adotaram toque de recolher contra a pandemia e entrou no Supremo Tribunal Federal contra eles. Ao rejeitar a ação, o ministro Marco Aurélio Mello, além de salientar o “erro grosseiro” do presidente ao assinar ele próprio a petição, e não a Advocacia-Geral da União, disse que “ao presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação dos esforços visando o bem-estar dos brasileiros”. Mas Bolsonaro definitivamente não nasceu para esse papel.
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