Guedes
deixou o Congresso votar um orçamento fictício
A
equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que as despesas da proposta
orçamentária para 2021, que o governo enviou ao Congresso em agosto do ano
passado, estão completamente desatualizadas. E que, para o Orçamento ficar
dentro do teto de gastos, será necessário realizar um corte de R$ 17,57 bilhões
na proposta que deverá ser votada hoje pelos parlamentares. Os dados estão no
relatório de avaliação de despesas e receitas do primeiro bimestre deste ano,
divulgado segunda-feira.
O
que surpreendeu a todos foi que Guedes não avisou, formalmente, ao relator da
proposta orçamentária, senador Marcio Bittar (MDB-AC), sobre a nova realidade
dos números, antes que o parlamentar apresentasse o seu parecer final para ser
votado, o que aconteceu também na segunda-feira. Assim, o país foi informado,
por meio do relatório bimestral, que o parecer de Bittar é uma peça de ficção,
pois projeta receitas e despesas para este ano completamente irreais.
A questão que está colocada é saber por que Guedes não pediu ao presidente que enviasse ao Congresso uma mensagem modificativa do projeto de lei orçamentária deste ano, pois todos os parâmetros macroeconômicos que deram origem a ele foram substancialmente alterados. Tempo ele tinha para fazer isso, pois a Constituição estabelece que o presidente pode solicitar mudanças no projeto enquanto não iniciada a votação, na Comissão Mista de Orçamento (CMO), da parte cuja alteração é proposta. Somente em fevereiro, a CMO foi instalada e, no dia 3 de março, Bittar apresentou o seu relatório preliminar.
Só
para constar, no dia 25 de novembro de 2019, Guedes solicitou ao presidente
Jair Bolsonaro que enviasse uma mensagem modificativa da proposta orçamentária
válida para 2020. Naquela altura, o relatório preliminar do então relator
Domingos Neto (PSD-CE) já tinha sido apresentado.
Neste
ano, razão de sobra o ministro tinha para fazer o mesmo, pois a proposta
original foi elaborada por sua equipe com a previsão de um salário mínimo de R$
1.067 para 2021. E de uma inflação em 2020, medida pelo INPC, de apenas 2,09%.
O salário mínimo é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais e está
fixado em R$ 1.100. O INPC, que corrige todos os benefícios, atingiu 5,45%.
É
interessante observar que, no relatório de avaliação do primeiro bimestre, a
equipe de Guedes justificou a elevação de R$ 8,5 bilhões da despesa com
benefícios previdenciários neste ano, em comparação com o que está projetado na
proposta orçamentária original, com a explicação de que o acréscimo é “devido à
incorporação dos dados referentes ao fechamento do exercício de 2020 e ao
ajuste do salário mínimo de 2021, estabelecido em R$ 1.100, frente à estimativa
de R$ 1.067, à época da elaboração do PLOA, em virtude da atualização do INPC”.
Por que isso não foi dito, formalmente, ao relator? Que, em seu parecer,
repetiu os números da proposta de agosto? Por que os deputados e senadores
estão votando um Orçamento de ficção?
Também
por causa do salário mínimo e do INPC, os benefícios assistenciais (LOAS e RMV)
vão aumentar R$ 975,9 milhões, em relação à proposta de agosto, e os gastos com
o seguro-desemprego e o abono salarial terão alta de R$ 2,1 bilhões. O governo
alertou, no relatório, para o custo adicional de R$ 4,8 bilhões devido à
prorrogação da desoneração da folha de salário, que o relator ignorou no
parecer, pois a despesa não estava na proposta original.
A
equipe de Guedes informou, no relatório do primeiro bimestre, que a despesa
obrigatória sujeita ao teto de gasto ficou R$ 17,5 bilhões acima do que está na
proposta orçamentária enviada em agosto. Isto deveria ter sido dito,
formalmente, ao relator.
Como
as despesas na proposta orçamentária original estavam no limite do teto, o
acréscimo registrado terá que ser compensado pelo corte das chamadas despesas
discricionárias (investimentos e custeio da máquina administrativa). O
relatório do primeiro bimestre não altera o montante de R$ 96,05 bilhões para
as despesas discricionárias, que está na proposta orçamentária de agosto. A
este valor devem ser acrescidos os R$ 16,3 bilhões reservados para as emendas
parlamentares, totalizando R$ 112,35 bilhões. Em seu parecer, o relator elevou
para R$ 113,1 bilhões, o total das despesas discricionárias.
Como
Guedes não pediu o envio de uma mensagem modificativa da proposta orçamentária,
deputados e senadores estão votando um Orçamento que está com despesas
obrigatórias subestimadas, segundo informou a própria equipe do ministro. Com
isso, na prática, está sendo aberto um espaço para a aprovação das emendas
parlamentares e para a manutenção das despesas discricionárias em nível próximo
ao fixado em agosto.
Se
tivesse que trabalhar com as projeções que constam do relatório do primeiro
bimestre, Bittar teria que enfrentar a dura realidade do teto de gastos. Teria
que cortar R$ 17,5 bilhões das despesas discricionárias. Como os R$ 16,3
bilhões das emendas parlamentares seriam, provavelmente, mantidos, ele teria
que passar a tesoura nas despesas discricionárias do Poder Executivo.
Dos
R$ 96,05 bilhões do Executivo, R$ 4 bilhões são destinados à capitalização de
empresas estatais, que não está submetida ao teto de gastos. O corte teria que
ser feito, portanto, nos R$ 92,05 bilhões restantes. Depois que Bittar usasse a
tesoura, as despesas discricionárias do Executivo seriam reduzidas para apenas
R$ 74,5 bilhões. O relator chegaria à conclusão de que o Orçamento que está
relatando coloca a administração federal em “shutdown”, ou seja, em situação de
paralisação de serviços públicos prestados à população.
É
difícil acreditar que Guedes não pediu o envio de uma mensagem modificativa do
Orçamento para não explicitar a realidade atual do teto de gastos e, com isso,
evitar os conflitos inerentes ao corte das despesas com investimento e custeio,
que já são as menores da série histórica. Assim, fica fácil cumprir o teto, ministro!
Se subestimar despesas obrigatórias para fechar o Orçamento virou moda, o mesmo pode ocorrer quando as despesas obrigatórias estiverem próximas dos 95% da despesa total, ambas submetidas ao teto de gastos. Para evitar que o gatilho dispare, bastará não atualizar a proposta orçamentária feita em agosto.
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