E segue o baile
É
tal o desejo de aliados e adversários do presidente Jair Bolsonaro de que ele
arregace as mangas e de fato comece a combater a pandemia da Covid que qualquer
gesto seu nesse sentido é lido como um sinal de mudança de comportamento. Doce
ilusão…
Impossível
que ele não tenha se dado conta do que ocorreu. Nos últimos 75 dias, o número
de mortos saltou de 200 mil para pouco mais de 300 mil. A cifra é maior do que
a população de 98,3% dos 5. 568 municípios brasileiros. O vírus só faz
acelerar.
No
dia que Bolsonaro anunciou, com atraso de um ano, a formação de um gabinete de
crise, o que se viu? Ele só convidou para a reunião seis dos 27 governadores de
Estados, cinco deles bolsonaristas assumidos, um independente de mentirinha.
Cadê os prefeitos? Não convidou nenhum. E representantes do Conselho Nacional de Secretários da Saúde? Nenhum. E autoridades médicas? Nenhuma. Empresários de renome? Nenhum. Mas a ideia não era a de um pacto nacional?
Usando
máscara, o que foge ao seu estilo, Bolsonaro parecia mais interessado em posar
para fotos ao lado dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do
Senado. Repetiu as louvaminhas de sempre ao tratamento precoce contra o vírus.
Não
falou sobre a necessidade de medidas mais duras de isolamento porque é
contrário a elas. Seu novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, apressou-se a
descartar o lockdown como meio de fechar o país durante algum tempo à ação
deletéria do vírus.
“Ninguém
adere ao lockdown”, disse ele, ao prometer que o Brasil, em breve, estará
vacinando cerca de 1 milhão de pessoas por dia. Segundo a plataforma “Our World
in Data”, ligada à Universidade de Oxford, a promessa do ministro irá pelo
ralo.
Proporcionalmente
à população, o Brasil só aplicou 7,16 doses a cada 100 habitantes. Os Estados
Unidos aplicaram 38,34 doses; Israel, 113,22; Chile, 46,92; e Peru, 16,11.
Opinião cada um pode ter a sua, e mais de uma. Fatos são fatos.
Caberá
a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, reunir-se na próxima semana
com os governadores. E a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, seguir
tentando convencer empresários de que a coisa, agora, vai. Pra frente, Brasil!
Mas
Lira receia de que a coisa não irá, a julgar pelo discurso que fez ontem mesmo
durante mais uma sessão da Câmara. Intérpretes de Lira dizem que foi um duro
recado mandado a Bolsonaro, ameaçando-o com um processo de impeachment.
Não
foi. Foi o que no mercado financeiro é chamado de hedge – “uma estratégia de
proteção para os riscos de um investimento, que neutraliza a posição comprada
ou vendida para que seu preço não varie. O objetivo é eliminar a possibilidade
de perdas futuras.”
Lira
não abrirá nenhum processo de impeachment. Se abrisse, Bolsonaro teria maioria
na comissão a ser formada para examiná-lo. E maioria no plenário para
arquivá-lo depois. Sequer a oposição ao governo votaria em peso para aprovar o
pedido.
Para
a oposição, é mais confortável que Bolsonaro chegue à eleição do ano que vem
sangrando. É a mesma receita que a oposição no primeiro governo de Lula adotou
quando o escândalo do mensalão do PT quase o arruinou. Lula recuperou-se e se
reelegeu.
O discurso tão celebrado de Lira é só mais uma peça na negociação com o governo por cargos, dinheiro para obras eleitorais e outras sinecuras. De resto, se Bolsonaro chegar a 2022 pelas tabelas, o Centrão de Lira dirá: “Eu não avisei?” E o largará de mão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário