O Globo
O autoritário, intolerante, reacionário,
equivocado e hipócrita governo Bolsonaro terá de explicar agora o cheiro de
podridão que exala do Palácio do Planalto
Se ainda havia alguma dúvida, ela
desapareceu ontem. O autoritário, intolerante, reacionário, equivocado e
hipócrita governo Bolsonaro terá de explicar agora o cheiro de podridão que
exala do Palácio do Planalto. O presidente sabia que havia um esquema de desvio
de verbas montado no Ministério da Saúde. A denúncia feita à CPI da Covid
talvez seja a mais grave, pelo menos dentre os episódios que já se conhece,
porque envolve vidas humanas. Segundo o deputado Luis Farias, Bolsonaro sabia
que o deputado Ricardo Barros, seu líder no Congresso, estava envolvido na
falcatrua da importação da vacina Covaxin.
O presidente está diretamente envolvido, no mínimo por prevaricação. Segundo a acusação do deputado Luis Miranda e de seu irmão Luis Ricardo, funcionário do Ministério da Saúde, os dois foram a Bolsonaro em 20 de março, um sábado, relatar que autoridades do ministério faziam pressão para o servidor aprovar uma importação de vacina com irregularidades evidentes. O presidente disse que tomaria providência, e citou o nome de Barros. Ele não tomou providências e só agora apareceu com a desculpa esfarrapada de que apresentou o caso ao ministro Pazuello (querem deixar a bomba no seu colo, general, abre o olho) e que este voltou depois dizendo que não havia nada.
Como mandar uma investigação ser feita
pelo órgão sobre o qual repousa a suspeita? Era caso de polícia, que não foi
acionada. Pior, Pazuello estava de saída e seu substituto já despachava no
Ministério da Saúde, embora o general tenha ficado participando de um processo
de transição até o dia 22 de março. Houve, portanto, apenas um dia útil para o
general investigar a denúncia e “constatar” que nada houve. Ao sair, contudo,
Pazuello disse aos funcionários que havia gente querendo levar um “pixuleco” do
Ministério.
Segundo o recibo apresentado pelos
Miranda, deveriam ser transferidos US$ 45 milhões dos cofres públicos (R$ 225
milhões, ou duas Mega-Senas de Natal), para a conta de uma empresa em
Cingapura, que não constava do contrato. Fora isso, o preço da vacina poderia
estar superfaturado. A alegação do governo é que o contrato não foi finalizado.
Claro, não foi concluído porque vazou. Detalhes: 1) A empresa Precisa já havia
dado outros golpes na Saúde; 2) Bolsonaro intercedeu junto ao governo indiano
em favor da Precisa.
O escândalo, que envolve políticos e
militares, foi mal conduzido pelo governo. O ministro Onyx Lorenzoni ameaçou as
testemunhas e mandou a Polícia Federal investigar um deputado no exercício do
seu mandato sem autorização do Supremo. A mesma PF que não foi mobilizada
quando a denúncia surgiu. Onyx disse ainda que o recibo apresentado era
forjado. Não era. A arrogância do ministro é a cara do governo Bolsonaro. A
estupidez do presidente parece transbordar em cascata para os escalões
inferiores.
Dois zerinhos também mostraram a cara
ontem. O deputado Eduardo Bolsonaro teria sido avisado por Luis Miranda e, como
o pai, nada fez. O senador Flávio Bolsonaro, teria levado Francisco Maximiano,
presidente da Precisa, empresa que intermediou o contrato da Covaxin com o
Ministério da Saúde, a uma audiência com o presidente do BNDES, Gustavo
Montezano, em outubro do ano passado. Essa intimidade com Maximiano, revelada
ontem pela revista “Veja”, deve empestear ainda mais o ambiente no Palácio do
Planalto.
Além dos escândalos que se avolumam e
desmascaram Bolsonaro, não dá para esquecer as falcatruas domésticas, como as
rachadinhas dos gabinetes da família do presidente e o depósito de R$ 89 mil
feito pelo miliciano Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, dona Michelle.
Também precisa ser explicado onde o zerinho senador arrumou dinheiro para
comprar uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Ele recebe R$ 32 mil brutos, ou
pouco mais de R$ 24 mil líquidos por mês. Se desse todo o salário para
financiar o imóvel, teria de trabalhar sem receber nada por 20 anos e oito
meses. E ser eleito mais duas vezes, o que a esta altura já não se pode
garantir.
TORNIQUETE
Com a maior cara de pau, Jair Bolsonaro
disse a uma plateia no Rio Grande do Norte que em dois anos e meio o seu
governo não foi objeto de nenhuma acusação de corrupção. A declaração foi feita
na última quinta-feira, dia seguinte à demissão de Ricardo Salles do Meio
Ambiente, denunciado no STF por enriquecimento ilícito, e à denúncia
do deputado Luis Miranda sobre a Covaxin. Talvez ele tenha tentado dizer que
ignorou as denúncias e se expressou mal. Ou foi um lapso psicológico. O
torniquete vai sendo apertado no pescoço do presidente e de seu governo.
RESOLVER O QUÊ?
O presidente da Câmara, deputado Arthur
Lira, perguntou aos repórteres Evandro Éboli e Thiago Bronzatto que o
entrevistavam: “O impeachment vai resolver o quê?”. Os repórteres não puderam
responder, até porque eles entrevistavam, não concediam entrevista. Se
quisessem, poderiam listar pelo menos uma dúzia de problemas graves e
gravíssimos que seriam resolvidos com o afastamento de Bolsonaro. Mas não
adiantaria. Talvez Lira se convença agora, quando pesquisa do Ipec (ex-Ibope)
mostra claramente que com o nome de Bolsonaro na cédula eleitoral de 2022
ninguém tira a vitória de Lula.
HEDIONDO
O delinquente mandou uma menina tirar a
máscara no palanque em que estava no Rio Grande do Norte. Depois, de maneira ainda
mais asquerosa, retirou a máscara de um bebê que pegou no colo ao se
aglomerar com seus alucinados seguidores. Como tipificar este crime, deputado
Arthur Lira? Hein, procurador Augusto Aras?
REPRESSÃO SEXUAL
O professor de filosofia Fernando Muniz, da
Universidade Federal Fluminense, autor de “Prazeres Ilimitados”, livro
publicado em 2015 pela Nova Fronteira, afirma que a repressão sexual pode
levar ao fim do planeta. Ele diz que pessoas que detêm o poder e não
conseguem se libertar sexualmente podem produzir danos dramáticos para a
humanidade. Quanto mais poderoso, maior o risco que o mundo corre. No caso do
Brasil, seria uma repressão dessa natureza a responsável pelo estado de
permanente beligerância do presidente, as ameaças que faz à democracia, os
repetidos gestos negacionistas que matam brasileiros em escala industrial nesta
pandemia?
VALENTÃO
Mais uma vez o valentão do Palácio do
Planalto levantou a voz contra mulheres. Agora com duas repórteres. A uma
delas, Laurene Santos, mandou calar a boca. Com homem ele só fala
alto se o sujeito estiver fardado e tiver estrelas sobre os ombros. Estes batem
continência e ficam quietos.
FERNANDA MONTENEGRO
“Eu sou mais forte do que eu, dizia Clarice
Lispector. A nossa geração aprendeu a ser o máximo possível de nós mesmos. E
saímos vitoriosos. Foram anos de luta, de batalha. Muitos ficaram no caminho,
mas seguimos… Seguimos”. Este texto foi escrito por Fernanda Montenegro
especialmente para o ato em celebração dos 53 anos da Passeata dos Cem
Mil, realizada em 26 de junho de 1968, e do Dia Internacional da Apoio às
Vítimas da Tortura, data instituída pela ONU em 1987. O vereador Chico Alencar
fará a leitura na Candelária, às 10h de hoje. Manifestações contra a tortura
serão realizadas também em São Paulo, Belo Horiozonte, Fortaleza, Goiânia e
Porto Alegre.
VERGONHA
Nise Yamagushi quer ser indenizada em R$
320 mil por ter se sentido ofendida pelos senadores antinegacionistas da CPI.
Uma vergonha para todas as mulheres. Aceitar isso é o mesmo que concordar que o gênero
elimina a culpa e a responsabilidade. Nise não foi agredida e insultada,
foi contestada pela sua ignorância e má-fé.
OSMAR T. PLANA
Numa semana cheia de novidades como essa, o
depoimento contorcionista do chefe do gabinete paralelo de Bolsonaro poderia
até passar sem qualquer menção neste sábado. Mas, apesar de todo o barulho que
se ouviu, não dá para deixar de lembrar a montoeira de tolices ditas
pelo deputado Osmar Terra. A maior delas foi expelida assim: “Este país tem um
presidente que pensa”. Desnecessário citar todas as demais, basta não
esquecê-las.
VIRA-LATA
O consulado brasileiro de Miami envergonha
os nacionais que precisam buscar lá qualquer serviço ou apoio. Na portaria e no
sistema de encaminhamento na entrada da representação, ninguém fala
português. A segurança só habla español e, mesmo quando questionado
em português, responde no idioma de Cervantes. O sistema de som que encaminha
as pessoas aos guichês opera em inglês, mas com o conhecido sotaque do espanhol
cubano. Português? Só no último estágio, mesmo assim, apenas se o cliente assim
exigir.
MADEIREIRO FUJÃO
Foi tarde o ministro madeireiro Ricardo Salles. Entrou para o lixão da História, onde já o esperavam Ernesto Araújo, Abraham Weintraub e Fabio Wajngarten. Ainda há outros na fila, mas a linha de frente foi abatida pelos seus próprios atos. O problema é que o madeireiro fugiu para não ser processado pelo Supremo (esta turma se pela de medo de Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia). Já houve antecedentes, se o STF quiser, pode manter o caso.
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