sábado, 26 de junho de 2021

Ascânio Seleme - Não dá mais para disfarçar o cheiro de podre

O Globo

O autoritário, intolerante, reacionário, equivocado e hipócrita governo Bolsonaro terá de explicar agora o cheiro de podridão que exala do Palácio do Planalto

Se ainda havia alguma dúvida, ela desapareceu ontem. O autoritário, intolerante, reacionário, equivocado e hipócrita governo Bolsonaro terá de explicar agora o cheiro de podridão que exala do Palácio do Planalto. O presidente sabia que havia um esquema de desvio de verbas montado no Ministério da Saúde. A denúncia feita à CPI da Covid talvez seja a mais grave, pelo menos dentre os episódios que já se conhece, porque envolve vidas humanas. Segundo o deputado Luis Farias, Bolsonaro sabia que o deputado Ricardo Barros, seu líder no Congresso, estava envolvido na falcatrua da importação da vacina Covaxin.

O presidente está diretamente envolvido, no mínimo por prevaricação. Segundo a acusação do deputado Luis Miranda e de seu irmão Luis Ricardo, funcionário do Ministério da Saúde, os dois foram a Bolsonaro em 20 de março, um sábado, relatar que autoridades do ministério faziam pressão para o servidor aprovar uma importação de vacina com irregularidades evidentes. O presidente disse que tomaria providência, e citou o nome de Barros. Ele não tomou providências e só agora apareceu com a desculpa esfarrapada de que apresentou o caso ao ministro Pazuello (querem deixar a bomba no seu colo, general, abre o olho) e que este voltou depois dizendo que não havia nada.

Como mandar uma investigação ser feita pelo órgão sobre o qual repousa a suspeita? Era caso de polícia, que não foi acionada. Pior, Pazuello estava de saída e seu substituto já despachava no Ministério da Saúde, embora o general tenha ficado participando de um processo de transição até o dia 22 de março. Houve, portanto, apenas um dia útil para o general investigar a denúncia e “constatar” que nada houve. Ao sair, contudo, Pazuello disse aos funcionários que havia gente querendo levar um “pixuleco” do Ministério.

Segundo o recibo apresentado pelos Miranda, deveriam ser transferidos US$ 45 milhões dos cofres públicos (R$ 225 milhões, ou duas Mega-Senas de Natal), para a conta de uma empresa em Cingapura, que não constava do contrato. Fora isso, o preço da vacina poderia estar superfaturado. A alegação do governo é que o contrato não foi finalizado. Claro, não foi concluído porque vazou. Detalhes: 1) A empresa Precisa já havia dado outros golpes na Saúde; 2) Bolsonaro intercedeu junto ao governo indiano em favor da Precisa.

O escândalo, que envolve políticos e militares, foi mal conduzido pelo governo. O ministro Onyx Lorenzoni ameaçou as testemunhas e mandou a Polícia Federal investigar um deputado no exercício do seu mandato sem autorização do Supremo. A mesma PF que não foi mobilizada quando a denúncia surgiu. Onyx disse ainda que o recibo apresentado era forjado. Não era. A arrogância do ministro é a cara do governo Bolsonaro. A estupidez do presidente parece transbordar em cascata para os escalões inferiores.

Dois zerinhos também mostraram a cara ontem. O deputado Eduardo Bolsonaro teria sido avisado por Luis Miranda e, como o pai, nada fez. O senador Flávio Bolsonaro, teria levado Francisco Maximiano, presidente da Precisa, empresa que intermediou o contrato da Covaxin com o Ministério da Saúde, a uma audiência com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, em outubro do ano passado. Essa intimidade com Maximiano, revelada ontem pela revista “Veja”, deve empestear ainda mais o ambiente no Palácio do Planalto.

Além dos escândalos que se avolumam e desmascaram Bolsonaro, não dá para esquecer as falcatruas domésticas, como as rachadinhas dos gabinetes da família do presidente e o depósito de R$ 89 mil feito pelo miliciano Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, dona Michelle. Também precisa ser explicado onde o zerinho senador arrumou dinheiro para comprar uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Ele recebe R$ 32 mil brutos, ou pouco mais de R$ 24 mil líquidos por mês. Se desse todo o salário para financiar o imóvel, teria de trabalhar sem receber nada por 20 anos e oito meses. E ser eleito mais duas vezes, o que a esta altura já não se pode garantir.

TORNIQUETE

Com a maior cara de pau, Jair Bolsonaro disse a uma plateia no Rio Grande do Norte que em dois anos e meio o seu governo não foi objeto de nenhuma acusação de corrupção. A declaração foi feita na última quinta-feira, dia seguinte à demissão de Ricardo Salles do Meio Ambiente, denunciado no STF por enriquecimento ilícito, e à denúncia do deputado Luis Miranda sobre a Covaxin. Talvez ele tenha tentado dizer que ignorou as denúncias e se expressou mal. Ou foi um lapso psicológico. O torniquete vai sendo apertado no pescoço do presidente e de seu governo.

RESOLVER O QUÊ?

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, perguntou aos repórteres Evandro Éboli e Thiago Bronzatto que o entrevistavam: “O impeachment vai resolver o quê?”. Os repórteres não puderam responder, até porque eles entrevistavam, não concediam entrevista. Se quisessem, poderiam listar pelo menos uma dúzia de problemas graves e gravíssimos que seriam resolvidos com o afastamento de Bolsonaro. Mas não adiantaria. Talvez Lira se convença agora, quando pesquisa do Ipec (ex-Ibope) mostra claramente que com o nome de Bolsonaro na cédula eleitoral de 2022 ninguém tira a vitória de Lula.

HEDIONDO

O delinquente mandou uma menina tirar a máscara no palanque em que estava no Rio Grande do Norte. Depois, de maneira ainda mais asquerosa, retirou a máscara de um bebê que pegou no colo ao se aglomerar com seus alucinados seguidores. Como tipificar este crime, deputado Arthur Lira? Hein, procurador Augusto Aras?

REPRESSÃO SEXUAL

O professor de filosofia Fernando Muniz, da Universidade Federal Fluminense, autor de “Prazeres Ilimitados”, livro publicado em 2015 pela Nova Fronteira, afirma que a repressão sexual pode levar ao fim do planeta. Ele diz que pessoas que detêm o poder e não conseguem se libertar sexualmente podem produzir danos dramáticos para a humanidade. Quanto mais poderoso, maior o risco que o mundo corre. No caso do Brasil, seria uma repressão dessa natureza a responsável pelo estado de permanente beligerância do presidente, as ameaças que faz à democracia, os repetidos gestos negacionistas que matam brasileiros em escala industrial nesta pandemia?

VALENTÃO

Mais uma vez o valentão do Palácio do Planalto levantou a voz contra mulheres. Agora com duas repórteres. A uma delas, Laurene Santos, mandou calar a boca. Com homem ele só fala alto se o sujeito estiver fardado e tiver estrelas sobre os ombros. Estes batem continência e ficam quietos.

FERNANDA MONTENEGRO

“Eu sou mais forte do que eu, dizia Clarice Lispector. A nossa geração aprendeu a ser o máximo possível de nós mesmos. E saímos vitoriosos. Foram anos de luta, de batalha. Muitos ficaram no caminho, mas seguimos… Seguimos”. Este texto foi escrito por Fernanda Montenegro especialmente para o ato em celebração dos 53 anos da Passeata dos Cem Mil, realizada em 26 de junho de 1968, e do Dia Internacional da Apoio às Vítimas da Tortura, data instituída pela ONU em 1987. O vereador Chico Alencar fará a leitura na Candelária, às 10h de hoje. Manifestações contra a tortura serão realizadas também em São Paulo, Belo Horiozonte, Fortaleza, Goiânia e Porto Alegre.

VERGONHA

Nise Yamagushi quer ser indenizada em R$ 320 mil por ter se sentido ofendida pelos senadores antinegacionistas da CPI. Uma vergonha para todas as mulheres. Aceitar isso é o mesmo que concordar que o gênero elimina a culpa e a responsabilidade. Nise não foi agredida e insultada, foi contestada pela sua ignorância e má-fé.

OSMAR T. PLANA

Numa semana cheia de novidades como essa, o depoimento contorcionista do chefe do gabinete paralelo de Bolsonaro poderia até passar sem qualquer menção neste sábado. Mas, apesar de todo o barulho que se ouviu, não dá para deixar de lembrar a montoeira de tolices ditas pelo deputado Osmar Terra. A maior delas foi expelida assim: “Este país tem um presidente que pensa”. Desnecessário citar todas as demais, basta não esquecê-las.

VIRA-LATA

O consulado brasileiro de Miami envergonha os nacionais que precisam buscar lá qualquer serviço ou apoio. Na portaria e no sistema de encaminhamento na entrada da representação, ninguém fala português. A segurança só habla español e, mesmo quando questionado em português, responde no idioma de Cervantes. O sistema de som que encaminha as pessoas aos guichês opera em inglês, mas com o conhecido sotaque do espanhol cubano. Português? Só no último estágio, mesmo assim, apenas se o cliente assim exigir.

MADEIREIRO FUJÃO

Foi tarde o ministro madeireiro Ricardo Salles. Entrou para o lixão da História, onde já o esperavam Ernesto Araújo, Abraham Weintraub e Fabio Wajngarten. Ainda há outros na fila, mas a linha de frente foi abatida pelos seus próprios atos. O problema é que o madeireiro fugiu para não ser processado pelo Supremo (esta turma se pela de medo de Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia). Já houve antecedentes, se o STF quiser, pode manter o caso.

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