O Globo
‘Sessão
de psicanálise, você diz: sonhei com Fulano/a, e não foi um sonho erótico.
Danou-se. O/a analista já sabe: foi
erótico.
É clássico.
Vários ministros do STF que votaram pela
anulação das condenações de Lula imediatamente acrescentaram: atenção, não vale
para os demais casos.
Ou seja, vale.’
Comecei assim a coluna de 17 de abril
passado. Naquele momento, o caso de Lula estava no seguinte ponto: o ministro
Fachin, relator, havia decidido que o foro adequado para o julgamento de todos
os casos de Lula era Brasília, e não Curitiba, sede da Lava-Jato. Assim, os
processos estavam cancelados e deveriam recomeçar da estaca zero.
Queria evitar, com essa manobra, que a
Segunda Turma do STF julgasse a suspeição de Sergio Moro no caso do triplex do
Guarujá.
Não funcionou. A Segunda Turma seguiu esse
julgamento e, por 3 a 2, numa votação liderada por Gilmar Mendes, considerou
Moro suspeito e anulou a condenação no caso do apartamento do Guarujá.
De novo, vieram com a lorota de que só valia para aquele caso. Mas o caso foi ao plenário do STF — e este decidiu, por 7 votos a 4, manter a decisão da Segunda Turma: que Moro havia sido parcial na condenação de Lula no caso do triplex. Só se tratou desse caso.
Pois, no dia seguinte, o ministro Gilmar
Mendes já tinha pronta uma decisão declarando Moro suspeito e parcial em todos
os casos envolvendo Lula — o triplex, o sítio de Atibaia, o terreno para o
Instituto Lula e o apartamento de São Bernardo.
O que há de comum em todos esses passos?
Simples: em nenhum momento se discutiu se Lula era culpado ou inocente. As
decisões de Moro, confirmadas em duas instâncias superiores, diziam: o triplex
foi doado a Lula e reformado pela OAS sob orientação do ex-presidente e sua
mulher, dona Marisa; a Odebrecht reformou o sítio de Atibaia, em presente para
o ex-presidente; a Odebrecht comprou um terreno para ser a sede do Instituto
Lula.
Tudo isso baseado em provas materiais
abundantes e delações de executivos de empreiteiras envolvidas.
Foi assim mesmo ou é tudo mentira? A
resposta do STF é mais ou menos assim: isso não é com a gente; o que sabemos é
que Moro não devia ser o juiz, e o foro não deveria ser Curitiba; logo, volta
tudo para o ponto de partida.
Reparem: Lula não foi inocentado. Denúncias
e processos, em tese, recomeçam, mas obviamente prescreverão sem julgamento.
Fica só no ex-presidente?
É claro que não. Todos os demais condenados
pela Lava-Jato, em casos de algum modo conexos aos de Lula, e praticamente
todos são, poderão requerer os mesmos benefícios. Seria Moro um juiz parcial —
como decidiu o STF — apenas com Lula? Por que não teria sido igualmente parcial
com Eduardo Cunha ou Marcelo Odebrecht?
Vamos falar francamente: não se trata
apenas de Lula, nem da Lava-Jato. O movimento em questão, com a liderança de
Gilmar Mendes, tem o claro objetivo de desmontar todo o sistema de combate à
corrupção.
Interessante que o presidente Bolsonaro,
eleito brandindo a bandeira da Lava-Jato, está também empenhado em controlar e
fragilizar os órgãos de combate à corrupção, como o Ministério Público, a
Polícia Federal e o Coaf.
Isso ocorre porque o combate à corrupção
foi longe demais, no bom sentido. Começou a apanhar os intocáveis, os donos das
fazendas, como diria Roberto DaMatta. Ou, como já se disse, numa ótima
definição: “Na verdade, o que se instalou no país nesses últimos anos, e está
sendo revelado na Lava-Jato, é um modelo de governança corrupta. Algo que
merece o nome, claro, de cleptocracia”.
Autoria de Gilmar Mendes, lá atrás. “Onde
foi parar esse juiz?”, perguntou DaMatta em coluna neste jornal. Acrescento: e
por que foi parar onde parou?
Fatos novos, certamente. Mas tão graves assim a ponto de levar ao desmonte de todo o sistema anticorrupção, numa clara combinação entre Judiciário e Congresso?
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