A versão mais acreditada da origem do Plano Cohen reza que Mourão Filho, integralista fervoroso e membro do Serviço Secreto da Associação Integralista Brasileira (AIB) teria recebido a orientação do líder Plinio Salgado para elaborar “novas diretrizes de combate ao comunismo”. O resultado foi um documento com dois capítulos. No primeiro – jamais apresentado oficialmente – Mourão teria preparado uma série de recomendações para o devido funcionamento do serviço de inteligência da AIB. Para a elaboração do segundo capítulo, um suposto plano de ação, o coronel Mourão inspirou-se num artigo de uma publicação francesa, Revue des Deux Mondes, que descrevia como o líder comunista húngaro, Bela Kun, havia tomado o poder, ainda que de forma efêmera, logo após o término da Primeira Guerra Mundial. Concluído o rascunho, o coronel, “por brincadeira”, teria escrito o nome de Bela Kun no final do texto. Como o renomado integralista Gustavo Barroso, notório anti-semita, se referia ao líder da Hungria como Bela Cohen, o coronel Olímpio, num átimo de zelo ideológico, riscou o sobrenome Kun e escreveu Cohen. O datilógrafo do texto final de Mourão, não entendeu a correção e resumiu a suposta assinatura do trabalho para Cohen.
Por
caminhos nunca exatamente esclarecidos, o segundo capítulo do “Plano Cohen” - o
primeiro foi devidamente suprimido – chegou às mãos do general Góes Monteiro,
então chefe do Estado-Maior do Exército. Em poucos dias, aquele texto pensado
para a economia interna do integralismo brasileiro, pousou na mesa de uma
reunião militar como a orientação soviética para a repetição da fracassada
“Intentona Comunista de 1935”.
“O
Crime de lesa-pátria praticado em novembro de 1935 está prestes a ser repetido,
provavelmente com mais energia e mais segurança de êxito. Não é fantasia do
governo; os documentos de origem comunista são copiosos e preciosos”, disse, em
tom grave o conspícuo general Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra,
empunhando o Plano Cohen, na sua mais solene licença poética, diante de uma
plêiade de autoridades armadas. Na tarde naquele 27 de novembro de 1937, com
sinistra aquiescência, ouviam o general Dutra os generais Góes Monteiro, chefe
do Estado-Maior do Exército; Américo de Moura, comandante da 1ª Região Militar;
José Antônio Coelho Neto, diretor da Aviação Militar; Newton Cavalcanti,
comandante da 1ª brigada de Infantaria da Vila Militar; e, last but not least,
o temido Chefe de Policia do Distrito Federal, Filinto Muller, uma mistura
macunaímica de Fouché com o Satanás.
“As
instruções do Komintern para a ação dos seus agentes contra o Brasil”. Com essa
manchete explosiva do dia 01 de outubro de 1937, o jornal Correio da Manhã
redimensionou as apreensões que os órgãos de comunicação do governo nutriam o
País, anunciando uma suposta ameaça comunista desde a reunião de Dutra com seus
generais do dia 27 de setembro. No dia 10 de novembro, 41 dias depois da
manchete do Correio da Manhã, após ter decretado o estado de guerra com a
autorização do Congresso, Getúlio Vargas fecha a Câmara e o Senado, impõe uma
nova Constituição ao País inaugurando o Estado Novo, a nossa versão tupiniquim
do nazi-fascismo então em ascensão na Europa de Hitler e Mussolini.
A
turbulenta primeira metade do século XX – talvez o século mais violento da
história ocidental – teve sim Hitler, Mussolini, Lenin, Trotsky, Stalin, Mao e
outros assassinos menores. Mas teve também Churchill, Roosevelt, De Gaulle e
uma plêiade de homens de todo o mundo, com as armas, a ciência, a poesia, a
literatura, a música, a pintura, a escultura e a bravura solitária movida pela
nobre aura poética de um certo sentido de existência que, ao seu modo, salvaram
o mundo. Aqui, no Império de Macunaíma, Getúlio – que tinha na alma anjos e
demônios - só deixou o poder em 1945, tangido pelas mesmas fardas que o haviam
entronado em 1937.
Lembro
e relembro estes fatos, tão caros ao que ainda nos resta de civilização, quando
me deparo, dia sim outro também, com os movimentos crescentes e seguros de um
golpe de Estado que se anuncia, ainda que de forma imprecisa e, aparentemente,
amadora. Comparar Bolsonaro com Getúlio
não seria apenas uma ofensa estética, mas antes civilizatória. Quanto aos militares,
a história já nos ensinou que a presença fardada na gestão do Estado, não foi
exatamente exitosa e adequada para a democracia. Mesmo reconhecendo o papel
importante que alguns militares tiveram na nossa história republicana, como
Teixeira Lott, Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Jarbas
Passarinho, por exemplo, não parece adequado aos fardados de hoje o anunciado
alinhamento com as expectativas autoritárias do presidente Jair Bolsonaro.
Acredita-se, não sem razão, que uma face são
os pazuellos, da ativa e do pijama, fascinados por palácios, mordomias,
prebendas, privilégios e, não raro, cultivadores dantescos da violência. Uma
outra face, esta digna, é daqueles que labutam nos bivaques da pátria,
conscientes de que as armas lhes foram entregues para defender a Nação e não
para aterrorizar os irmãos brasileiros. Estes, acredita-se, amam um Brasil que
ajudam a construir e conhecer. Aqueles
desconhecem a Nação que, pelo comportamento, antes odeiam.
São
abissais as diferenças entre as circunstâncias e os atores que fizeram a nossa
história do século XX e estes que nos assombram neste início da década de 20 do
século XXI. Entretanto, ontem como hoje, não temos cidadania, instituições
adequadas, uma elite de fato e uma direção para o nosso destino comum.
A prevalecer a desordem que se anuncia, seremos apenas a perplexidade que nos alcunha de Macunaímas: aqueles heróis de si mesmos sem nenhum caráter!
*Jornalista
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