O Globo
Passaporte para o retorno à vida de
encontros (de rua) que forjou o povo carioca, a vacinação avança como luz no
fim de longo túnel de doença, tristeza, isolamento. O ambiente enlutado há de
dar lugar à esperança de vida que a população alimenta, necessita, merece. O
desejo é de retomada, não de retorno a um modelo de convivência que, até aqui,
plantou desigualdade e colheu injustiça. Aqui vão linhas de cobrança antecipada
do compromisso que a prefeitura firmou com os moradores da cidade na
apresentação, ontem, de um plano de investimentos que, entupido de números, não
pode negligenciar as pessoas. São elas que devem estar no centro — e também no
Centro, hoje em reabilitação como espaço de moradia.
Eduardo Paes foi o prefeito de projetos ambiciosos e obras monumentais que, no período de abundância que antecedeu os megaeventos, Olimpíada à frente, impressionaram as massas, mas não produziram bem-estar. Quatro anos de Marcelo Crivella, pandemia na popa, fizeram o eleitorado reatar com o ex. Sob novo contrato. Guardadas as proporções, expectativas semelhantes catapultaram Joe Biden e Kamala Harris à Casa Branca, nos Estados Unidos. O combinado é sepultar o passado e acenar a um futuro diferente, de prosperidade partilhada. É equidade que chama.
Três meses atrás, o presidente americano
apresentou dois ambiciosos planos de investimentos: um orientado a
infraestrutura e sustentabilidade; outro, de atenção às famílias, com ênfase em
transferência de renda aos mais pobres, ampliação do acesso dos miúdos à creche
e dos jovens à qualificação profissional. O American Families Plan soma US$ 1,8
trilhão, mais que o PIB brasileiro inteiro no ano passado. “É um plano que tem
as famílias e a comunidade como espaços da redistribuição de renda. Tem tudo a
ver com economia do cuidado e com a unificação prometida na campanha
Biden-Kamala”, comentou a economista Monica De Bolle, professora na
Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Ontem, contou Ronilso Pacheco, teólogo
brasileiro, pesquisador e mestrando na Universidade Columbia (Nova York), foi
paga a primeira leva do apoio financeiro às famílias com menores de 18 anos —
serão US$ 300 por meninos e meninas de até 6 anos, e US$ 250 de até 17. A Casa
Branca informou que já depositou US$ 15 bilhões para 60 milhões de crianças e
adolescentes. As escolas estão recebendo US$ 129 bilhões em estímulos.
No Rio, o plano anunciado por Paes e pelo
secretário Pedro Paulo, da Fazenda, prevê R$ 13,9 bilhões em investimentos até
2024, 70% dos quais destinados às zonas Norte e Oeste, tão populosas quanto
carentes de equipamentos e serviços públicos. O município elencou 235 projetos
em 93 metas, entre as quais estender a 70% da população o programa Saúde da
Família, reduzir o desemprego de 14,7% para 8%, ter metade dos alunos da rede
municipal em horário integral, diminuir em 50% o total de cariocas abaixo da
linha da pobreza. Tudo isso com a promessa de reduzir desigualdades de gênero e
raça, incluir jovens e pessoas com deficiência.
É comum políticas sociais serem encaradas
mais como gasto, menos como investimento. Um erro. Programas de atenção à
saúde, acesso e qualidade na educação geram economia de recursos e
desenvolvimento de longo prazo. Relatório recente da Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias (Conitec), que assessora o Ministério da Saúde no
SUS, estimou que vacinar a população contra a Covid-19 poderá trazer economia
de R$ 150 bilhões aos cofres públicos em meia década. É dinheiro que, para
começar, não será gasto com internações e exames.
Da mesma forma, universalizar o acesso à
creche e combater a evasão escolar de adolescentes e jovens melhora capital
humano e produtividade da economia.
— Algo seguro a dizer é que os ganhos
econômicos no longo prazo com educação serão máximos com a focalização da ajuda
justamente nos que estão na parte de baixo da pirâmide de renda — disse o
economista Otaviano Canuto, ex-Banco Mundial, BID e FMI, hoje diretor do Center
for Macroeconomics and Development, em Washington.
Programas bem desenhados de transferência
de renda estimulam a atividade econômica, porque fazem a roda do consumo girar.
No ano passado o PIB recuou metade do previsto na esteira do auxílio
emergencial, que chegou a 68 milhões de pessoas. A suspensão do programa, no
primeiro trimestre de 2021, devolveu à pobreza porção numerosa da população e
empurrou 19 milhões para a fome. Investimentos robustos em educação e saúde têm
impacto também na desigualdade de gênero. De um lado, mulheres são a maior
parte da mão de obra nas duas áreas; de outro, família saudável e criança na
escola liberam as mães para o trabalho remunerado, sinônimo de maior renda
familiar. É a materialização do ganha-ganha. Que venha.
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