Revista Veja
O dilema imposto aos que articulam
candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?
A difícil situação em que se encontra hoje
o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54%
favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e
ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro:
bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?
Há quem já tenha a resposta, como Ciro
Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como
alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no
derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje
impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação
— em algo factível.
Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira, quarta ou quinta via.
Isso porque julgam o outro detentor da
maior rejeição. A última pesquisa do Datafolha mostra que 59% dos consultados
prefeririam não votar em nenhum dos dois. O índice era de 54% há dois meses.
Essa linha consolida a ideia da alternativa e já conquista adeptos.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, por
exemplo, era um descrente dessa possibilidade, mas passou a defendê-la e até a
apresentar um nome à mesa de negociações: o do presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco. Estimulado, Pacheco recentemente saiu do coma institucional e passou a
marcar distância de Jair Bolsonaro.
Kassab por ora não direciona artilharia
contra Lula e, a fim de firmar posição contra o presidente, chega a manifestar
preferência pelo petista na hipótese de um segundo turno entre os dois. Já o
presidente do DEM, ACM Neto, em dúvida, acha que essa é uma questão ainda em
aberto. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, considera politicamente mais
eficaz o centro trabalhar para tirar o petista (ou quem venha a concorrer sob o
patrocínio dele) da disputa final.
“O centro busca resposta ao que seria mais
eficaz para 2022: bater em quem, Lula ou em Bolsonaro?”
Na visão do tucano, embora “o Brasil seja
antipetista”, Lula é “maior que o partido”. Além disso, tem uma situação
político-eleitoral bastante mais estável que Bolsonaro e não tem sido submetido
ao desgaste que acomete o presidente. Sendo potencialmente mais forte, deveria
ser tratado pelos adversários com rigor.
Em suma, uns acreditam que Bolsonaro
derreterá por gravidade, enquanto outros acham arriscado deixar Lula correr à
vontade, livre dos obstáculos do contraditório. A despeito das opiniões
divergentes sobre momentos, pessoas e oportunidades, há dois pontos em comum no
grupo que procura abrir um espaço do meio junto ao eleitorado.
Todos concordam com o seguinte: primeiro, o
jogo só começa mesmo quando os candidatos se apresentarem ao público, a fim de
que uma disputa para além de Lula e Bolsonaro deixe de ser mera hipótese.
Portanto, haveria tempo para a tomada de posições personificadas em nomes.
Segundo, será um erro mortal repetir 2018, quando as forças de centro não
conversaram entre si nem foram em busca do eleitor.
Na realidade, ficaram postas em sossego. De
um lado, com um misto de perplexidade e descrença quanto à possibilidade de
alguém tão fora do esquadro como Bolsonaro virar presidente da República. De
outro, certas de que o antipetismo, naquela altura no auge, daria conta de
tirar o PT do páreo. Por esse raciocínio, estariam no segundo turno sem fazer
força.
Uma grandeza em matéria de autoengano e
descolamento dos partidos em relação a sentimentos preponderantes e latentes na
sociedade. A disposição de não repetir tamanho equívoco é a mola mestra do
chamado “polo democrático”, cujos movimentos são avaliados por dois diferentes
pontos de vista. Com excessiva lentidão, na avaliação de quem vê nisso sinal de
fracasso antecipado, ou com cautela estratégica, na concepção otimista dos
articuladores mais convictos desse campo.
Há razoabilidade em ambas as maneiras de
pensar. É verdade que o centro não terá êxito se considerar suficiente se
apresentar apenas como uma manifestação de equidistância entre extremos
desprovida de conteúdo.
Mas é verdade também que o Brasil não
avançará deixando-se aprisionar por uma agenda regressiva de acertos de contas
com o passado.
Publicado em VEJA de 21 de julho de
2021, edição nº
2747
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