Revista Veja
A busca pela solução mais simples para um problema complicado
Se a política brasileira é um permanente
“Dia da Marmota” (o filme por aqui se chamou Feitiço do Tempo, mas prefiro
a tradução literal), é inevitável voltar periodicamente a certos assuntos. No
cinema, só para lembrar, o personagem acorda toda manhã no mesmo dia, com o
tempo parado.
A expressão do momento desse “tempo
congelado” é a ressurreição do debate sobre o parlamentarismo. Agora rebatizado
de “semipresidencialismo”, talvez para ficar mais digerível a um público que
rejeitou o parlamentarismo nas duas vezes quando consultado.
No episódio mais recente, no contexto da
revisão constitucional de 1993 (aliás, o mesmo ano do filme com Bill Murray),
nem o apoio maciço do establishment político e da imprensa foi suficiente para
evitar a derrota da tese.
Ela naufragou quando o eleitor concluiu que
tudo se resumia a transformar a eleição direta do presidente num ritual vazio,
transferindo o poder real a alguém escolhido pelo Legislativo.
Um aspecto curioso: a pressão pelo parlamentarismo veio, inclusive, da maioria das personalidades que exibiam no currículo, com orgulho, a luta pelas Diretas já, de 1984. Uma notável exceção foi Leonel Brizola.
“Nestas bandas nem sempre quem derruba os
presidentes tem os votos para preencher a vaga. Ou quase nunca”
A maior parte dos demais protagonistas da
campanha das diretas embarcava poucos anos depois no transatlântico
parlamentarista. Que teve o destino do Titanic quando bateu no iceberg da
desconfiança popular nos políticos.
A falha estrutural do presidencialismo
brasileiro é bem conhecida. Os terremotos em série acontecem porque o sistema
impede o presidente da República de carregar com ele, da urna para Brasília,
uma maioria parlamentar, ou algo próximo.
E não há, também por isso mas não só, como
os governos imporem disciplina partidária aos apoiadores. Aí vêm as crises, e
daí a esperteza política e as grandes ambições carentes de voto enxergam a
janela de oportunidade.
Até porque nestas bandas nem sempre quem
derruba os presidentes tem os votos para preencher a vaga. Ou quase nunca.
Onde opera bem, o parlamentarismo adotou
certas premissas. A primeira é algum respeito ao “uma pessoa, um voto”. Não há
como falar em parlamentarismo se o voto do morador de certo estado vale mais
que o de outro quando se elegem os parlamentares. Como acontece na eleição
brasileira para os deputados federais.
A segunda premissa é um sistema partidário-eleitoral
organizado, disciplinado e frugal. E no qual a existência explícita de líderes
partidários praticamente transforma a eleição numa escolha direta do chefe do
governo.
Mas e o “semipresidencialismo”? Onde
funciona (França, Rússia), há a prevalência do presidente sobre o
primeiro-ministro, exatamente por o chefe de Estado ser também o chefe político
do partido majoritário, ou hegemônico. Ou seja, a racionalização partidária é a
premissa, se o objetivo é a estabilidade.
Sem isso, vamos de crise em crise, e sempre
embalados pelo sonho de encontrar finalmente a solução simples para um problema
complicado. Solução que provavelmente estará errada. Essa máxima tampouco é
nova.
Publicado em VEJA de 21 de julho de
2021, edição nº
2747
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