terça-feira, 7 de junho de 2022

Míriam Leitão: A ameaça real cai sobre a Amazônia

O Globo

O clima ontem entre os indígenas do Vale do Javari era de muita tensão. Ameaças vêm sendo feitas às principais lideranças e ao indigenista Bruno Araújo Pereira há muito tempo. E isso foi denunciado à Polícia Federal. “São quadrilhas profissionais que atuam por lá”, disse Beto Marubo, da Univaja. Bandidos já atacaram os postos da Funai a tiros várias vezes. O próprio Bruno, em 2019, ajudou a montar uma operação que destruiu 40 balsas que atuavam nos rios da região. Em 2019, foi morto a tiros, em Tabatinga, um colaborador da Funai que trabalhava na região, Maxciel Pereira dos Santos. As ameaças que lideranças indígenas e o indigenistas têm ouvido é a de que eles podem terminar como Maxciel.

Isso explica o temor que se apossou ontem dos líderes indígenas do Vale nas horas em que procuravam Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philllips. O clima em várias regiões da Amazônia é de que o país regrediu drasticamente, aprofundando o ambiente de faroeste, de terra sem lei, de um vale tudo, de um governo que abriu mão da sua função de governar.

No mundo encantado da Faria Lima o que os preocupa é que no esboço do programa do PT, divulgado ontem, foi proposto o fim do teto de gastos. Jornalistas de economia sabem a importância de haver balizas fiscais, sem as quais um país como o Brasil pode enfrentar riscos monetários e cambiais. Mas, evidentemente, um ambiente de criminalidade ameaçando a maior floresta tropical do planeta e pondo em risco de vida os povos indígenas, e os que os defendem, além de ser trágico para o país, tem a capacidade de espantar o investidor muito mais do que qualquer ponto da política macroeconômica.

O governo Bolsonaro criou esse ambiente favorável ao crime na Amazônia. O próprio presidente fez inúmeras declarações entendidas como estímulo à ocupação de terras indígenas e à atividade do garimpo ilegal, pesca ilegal, invasão de unidades de conservação. Isso sem falar nas leis que propõe, ou que sua base tem aprovado no Congresso. Nos 50 anos da reunião de Estocolmo, nos 30 anos da cúpula da Terra do Rio, o governo Bolsonaro coloca a Amazônia sob extremo risco.

O Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares, é uma enorme região onde vivem várias etnias e muitos povos isolados. Beto Marubo, uma das lideranças indígenas da Univaja, me explicou que a região é vasta e complexa, mas o local onde o indigenista e o jornalista inglês sumiram é pequeno e fácil de ser acessado:

— Você precisa entender o contexto, Míriam. Nós estamos assustados porque o ambiente é de muita violência. São quadrilhas profissionais que atuam lá e ameaçam os indígenas e todos os que nos auxiliam. Esses bandidos têm usado a morte de Maxciel para ameaçar nossos parentes e os que trabalham conosco, como o Bruno.

Um dos pontos de destaque do esboço do programa do PT, divulgado ontem, é a importância dada à proteção da Amazônia, e à sua defesa. Houve compromisso não só com a proteção do meio ambiente e o combate às mudanças climáticas, mas a defesa dos direitos das minorias, o reconhecimento da diversidade cultural. “Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros e qualquer organização econômica que atue ao arrepio da lei.” O que isso tem a ver com a economia? Tudo.

No programa, há pontos que se aplicados podem provocar o oposto do que se quer, como a insinuação de controle do câmbio. Não ficou claro o que eles querem dizer com a crítica à atuação passiva do Banco Central, mas o país sabe que a tentativa de queimar reservas para segurar o dólar sempre baterá com os burros n’água.

Na economia, há erros crassos, como a ideia de “fortalecer as estatais”. Há também pontos obscuros, como o “regulamentar os marcos legais dos meios de comunicação”. Dado o que o PT já tentou no passado, isso tem que ser bem explicado. Mas a direção de proteção da Amazônia é fundamental para o futuro econômico do Brasil.

Quando caía a segunda noite sobre a Amazônia, sem que se soubesse onde estavam Dom Phillips e Bruno Pereira, a aflição estava com todos os líderes indígenas, os amigos e, principalmente, os familiares. Eliesio Marubo, procurador jurídico da Univaja, me disse, de Tabatinga, que tudo estava muito lento. O que se sabia é que a Polícia Federal dizia estar se “articulando”, o Exército não tinha dito qual seria sua participação efetiva, a Marinha já estava em Atalaia. O verdadeiro risco do Brasil é o que recai sobre a Amazônia.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Estamos no mato sem cachorro.
Tem cachorro grande tomando conta das matas.