terça-feira, 7 de junho de 2022

Carlos Andreazza: Governo gambiarra

O Globo

Entre a incompetência e a urgência, assim vai o governo gambiarra de Bolsonaro. A urgência é por permanecer no poder. Não por criar mecanismos para proteger os mais pobres da mordida da inflação. A incompetência exprime-se na incapacidade de propor soluções equilibradas. Quer permanecer no poder uma galera que não gosta do batente. Não gosta do batente e é ruim de serviço. Que não se menospreze, porém, a indústria do puxadinho. Bolsonaro nunca trabalhou e chegou a presidente da República; isso depois de haver erguido bem-sucedida empresa familiar dentro do Estado. Nós temos pagado a conta desses biscates.

Bolsonaro nunca trabalhou, mas é sócio de um grupo parlamentar que sabe trabalhar — e sabe o que quer.

O governo gambiarra maneja com o tempo para criar urgências, fatos consumados, e promover, abraçar, jeitinhos. Abraçar — embarcar — mais que promover. O Planalto e seus associados do consórcio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto só se preocupam com o projeto de reeleição. E o governo opera enrolando para que o Congresso, no limite, resolva. Todo o circo — o carrossel — de especulações para enfrentar o custo dos combustíveis gira para voo de galinha, até o fim das eleições, e tem um só interesse: subsídios. Levantar fundos para distribuir subsídios que resultem em queda circunstancial no preço do diesel — se possível, também da gasolina.

Subsídio é recurso fácil de explicar e de sentir em ano eleitoral. A turma quer segurar o preço — quer baixar o preço — até novembro; e que se exploda depois. São duas jogadinhas em curso. A primeira: ficar agarrado, embromando, no processo para troca do CEO da Petrobras. Aposta-se em esticar os dias, de repente dois meses, de um trâmite de substituição em que o presidente atual da companhia vai enfraquecido, deslegitimado o atual conselho, pendurada a diretoria — período em que não haveria condições políticas de repassar custos. Represamento que se empurraria com a barriga, empossado o novo comando da petroleira, até a eleição. Solução moleque.

A segunda jogadinha: remendar para que, contornada a lei eleitoral, forje-se o veio legal que fará os subsídios chegarem ao eleitor. Este O GLOBO trouxe que o interventor (na Petrobras) Paulo Guedes já teria R$ 25 bilhões reservados para derramar. Os liberais-que-paralisam-empresa-de-capital-aberto informam que dinheiro há, dada a folga fiscal proporcionada pela arrecadação em alta. Guedes e seus liberais à sachsida querem usar a grana proveniente, em grande parte, do imposto inflacionário para combater a inflação.

Restaria a barreira do teto de gastos, com que fingem ainda se preocupar — preocupados com o teto que eles mesmos destelharam. Ok. Formalmente, o teto ainda se arma. E, como Bolsonaro quer dar reajuste salarial ao funcionalismo, nunca foi possibilidade decretar estado de calamidade. Mas a rapaziada quer créditos extraordinários. Sem calamidade, com créditos extraordinários. Como faz? Como se arruma?

Falou-se numa PEC, nos moldes da Emergencial, uma pernada na Constituição que, pervertendo projeto originalmente fiscalista, empurrou os rigores do palestrante Guedes para 2025 e abriu os cofres para o desaguar de R$ 44 bilhões. Era março de 2021, e os dinheiros vinham para reativar o auxílio emergencial que o governo deixara morrer em dezembro de 2020, acreditando que a pandemia acabaria na virada do ano. Havia a incompetência. Também a urgência. A urgência se impôs.

E agora? Onde está a emergência, se os faniquitos de Bolsonaro contra o preço dos combustíveis remontam, pelo menos, ao começo de 2021, demitido Roberto Castello Branco em fevereiro daquele ano? Qual a urgência, em junho de 2022, se o governo teve — pelo menos — mais de ano para formular gatilhos estruturais amortecedores de preço e preferiu bater pezinho?

Falta a emergência. Falta também a competência para liderar a costura por uma emenda constitucional. O tempo é curto. Falta competência no governo. Sobra capacidade nos sócios. E então o Planalto a torcer para que Lira, parte interessada, tome a frente e faça acontecer. Não é sempre assim? O presidente da Câmara, tratorando, conseguiria fabricar a “imprevisibilidade” necessária para justificar créditos extraordinários.

Competências desniveladas à parte, a urgência iguala os parceiros. O arranjo está muito ajeitado. A emergência é a dos sócios, pela reeleição. Créditos extraordinários, pagos por nós, como investimento societário em mais quatro anos de orçamento secreto — pago por nós. E que não se descarte uma Medida Provisória para abrir os créditos — bandalheira preguiçosa mais consistente com o governo gambiarra.

Guedes topa. Está fechado com Bolsonaro. A divergência com os sócios pegando na percepção, entre liras e nogueiras, de que a paixão do ministro pela causa não bastaria. O homem veste a camisa, mas é ruim de serviço.

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