terça-feira, 7 de junho de 2022

Malu Gaspar: Uma Bandeira pela democracia

O Globo

As próximas eleições não estarão entre as mais importantes da nossa história só porque se darão num ambiente político radicalizado, em meio a uma grave crise econômica. E a escolha a ser feita até outubro não será "apenas" a do melhor presidente para o Brasil. Tão ou mais decisiva será outra escolha a ser feita diariamente: a opção entre o fato e a narrativa.

A própria definição do que é fato já complica a discussão, uma vez que existem diversas maneiras de descrever um mesmo acontecimento. Há diferentes formas de avaliar a eficácia de um plano de governo, assim como não há um único modo de encarar o aborto, o casamento ou a religião.

Mas é justamente para que essas visões estejam contempladas, no mosaico mais fiel possível do Brasil, que precisamos da liberdade de imprensa.

Numa disputa ultra radicalizada, em que cada lado se julga o detentor do bom e do justo contra o corrupto e o infiel, é preciso que alguém se encarregue de mostrar que a realidade é complexa, que o mundo é em si contraditório, e que nenhuma democracia fica de pé quando uma visão elimina a outra — seja por via golpista ou "apenas" autoritária, calando o diferente.

Essa é a missão do jornalismo, que será desafiado como nunca nesta quadra eleitoral.

Quem protesta estridentemente nas redes sociais que "isso a mídia não mostra" em geral esquece que só achou a informação que quer ver divulgada na mesma mídia que ataca. Quem coloca no mesmo balaio todos os veículos, ignorando a multiplicidade de vozes e de plataformas, ou parou no tempo ou está de má fé.

É importante refletir sobre isso num dia como hoje. O jornalismo, como qualquer atividade profissional, está cheio de defeitos, e a crítica está aí para apontá-los. Ela é necessária, faz parte do debate público. Já o vilipêndio leviano é parte da cartilha dos autoritários de diferentes matizes ideológicas.

O perigo é que, em meio a tanto grito e ruído, haja cada vez menos gente disposta a dizer o óbvio: que nenhuma escolha será saudável se deixar pelo caminho a liberdade de imprensa. Viver num mundo em que só a sua visão predomina não liberta. Oprime.

O historiador Timothy Snyder resumiu o dilema em seu livro "Sobre a tirania": "Abandonar os fatos é abandonar a própria liberdade. Se nada for feito, ninguém poderá criticar o poder, porque não haverá uma base para fazê-lo. Se nada for verdadeiro, tudo é espetáculo. A carteira mais recheada garante a pirotecnia mais ofuscante."

Que neste dia da liberdade de imprensa possamos ver para além da pirotecnia e firmar um compromisso perene não com uma ideologia específica, e sim com a bandeira sob a qual cabem todas elas: proteger a própria democracia.

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