Condenável atuação do Estado contra
institutos de pesquisa
Valor Econômico
Deve-se ficar atento a sinais de que o
Estado possa estar sendo empregado para intimidar um setor econômico
Assistiu-se na semana passada, a poucos
dias do segundo turno, a mais uma tentativa de usurpação de uma instituição de
Estado. O alvo da vez foi o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade),
órgão cujo bom funcionamento é fundamental para qualquer país que vislumbre ser
chamado, legítima e inquestionavelmente, de “economia de mercado”.
São claras as atribuições do Cade. E todas
elas estão definidas em lei ou no regimento interno da autarquia.
Em caso de dúvida, é possível encontrar com
facilidade um resumo delas no site da própria instituição na internet.
O conselho age, por exemplo, de forma
preventiva. Ou seja: analisa e depois decide sobre fusões, aquisições de
controle, incorporações e demais atos de concentração econômica entre grandes
empresas. Neste caso, o objetivo é evitar iniciativas que possam colocar em
risco a livre concorrência.
Ele pode atuar, também, de forma repressiva: investigar e julgar cartéis e outras condutas lesivas à livre concorrência. Noutra frente, tem função educativa - em outras palavras, trabalha pela instrução da sociedade a respeito das condutas que possam prejudicar a livre concorrência, incentiva estudos acadêmicos e edita publicações ou cartilhas.
Diante da lista, portanto, compreende-se o
motivo da preocupação gerada pela recente determinação do presidente Cade,
Alexandre Cordeiro, para que a Superintendência-Geral da autarquia abrisse um
inquérito administrativo voltado a apurar suposto conluio entre institutos de
pesquisa com o intuito de manipular o mercado e os consumidores. Para ele,
teria ocorrido uma “improvável coincidência” de resultados de pesquisas, embora
elas tenham sido feitas por empresas que notadamente concorrem entre si.
Conforme relatado pelo Valor, e como era de se
imaginar, a iniciativa gerou imediata estranheza entre demais autoridades do
conselho e de outras instituições, muitas das quais foram pegas de surpresa.
Questionou-se, de pronto, o emprego do verbo “determinar”. Afinal, teria ele
esse tipo de poder?
Para integrantes do Judiciário e outros
órgãos de controle, a resposta é negativa. Horas depois, o presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, suspendeu os
inquéritos eventualmente abertos pela Polícia Federal (PF) e pelo Cade sobre as
pesquisas eleitorais. Ele também enviou os autos à Procuradoria-Geral da
República (PGR). Assim, será possível apurar se houve desvio de finalidade e
abuso de poder, uma vez que a administração pública pode ter sido utilizada, indevidamente,
com o intuito de favorecer uma das candidaturas a presidente da República. O
Ministério Público que atua perante o Tribunal de Contas da União (TCU) também
reagiu de forma tempestiva.
Ocorre, porém, que não se trata de uma ação
isolada. Como se viu, o Ministério da Justiça enviou pedido à Polícia Federal
um pedido de abertura de inquérito sobre a atuação dos institutos de pesquisas
eleitorais.
No Legislativo, aliados do chefe do Poder
Executivo reúnem assinaturas para tentar instalar uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) para investigar os institutos de pesquisa. Há ainda uma
articulação para a apreciação de um projeto de lei que prevê injustificáveis
punições a empresas e responsáveis pelos levantamentos de intenção de voto,
caso as sondagens divirjam dos resultados das urnas além margem de erro - com
penas de prisão de até 10 anos para os responsáveis.
Ao analisar o todo, estão cobertos de razão
aqueles que alertam para uma tentativa de criminalização e intimidação de um
setor cuja função é captar o sentimento da população e cujo produto é
informação importante para os eleitores.
Especialistas argumentam, no Brasil e
também no exterior, que pesquisas de intenção de voto devem ser vistas como
“retratos” dos momentos em que as perguntas são feitas. Sendo assim, as
respostas dadas pelos entrevistados podem até não agradar as partes
interessadas - e isso tende a ocorrer, numa democracia, sempre que a disputa
pelo poder estiver ocorrendo de forma acirrada. Isso faz parte do jogo.
Deve-se ficar atento, contudo, a sinais de
que o Estado possa estar sendo empregado para intimidar um setor econômico.
Para a imagem de uma nação que tenta atrair investimentos, isso tende a ser
catastrófico.
Piora no combate à corrupção dificulta
entrada na OCDE
O Globo
Transparência Internacional rebaixa Brasil
e impõe obstáculo ao projeto do governo Bolsonaro
O plano do governo Jair Bolsonaro de
acelerar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) já vinha sofrendo com os recordes de devastação da Amazônia e
a política ambiental desastrosa. Na semana passada levou um novo golpe com o
último relatório global sobre corrupção produzido pela Transparência
Internacional. A entidade
rebaixou a implementação de medidas anticorrupção no Brasil de “moderada” para
“limitada”, mesmo nível de Argentina, Chile e Peru.
Não poderia dar outra mesmo. Bolsonaro trocou quatro vezes o diretor-geral da Polícia Federal em sucessivas tentativas de intervir no trabalho dos investigadores. Nomeou para liderar a Procuradoria-Geral da República (PGR) Augusto Aras, cuja subordinação a Bolsonaro é flagrante em casos de interesse do Planalto. O relatório da Transparência Internacional, que cobre o período de 2018 a 2021, registra que Aras foi reconduzido ao cargo no ano passado após um primeiro mandato de “omissões”.
Para a entidade, a interferência política
nos organismos de controle “se tornou uma marca do governo do presidente Jair
Bolsonaro, com sérias consequências nos esforços anticorrupção”. Tal roteiro já
havia sido exposto pelo próprio Bolsonaro na famigerada reunião ministerial de
22 de abril de 2020, quando reclamou por não receber informações da PF, das
Forças Armadas e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que lhe
permitissem proteger os “amigos” e a “família”.
Não há como rebater a Transparência Internacional.
Entre outros exemplos, há a iniciativa da PGR de pedir ao STF a anulação de
gravações de telefonemas que incriminavam o ministro da Educação, Milton
Ribeiro, citando Bolsonaro no caso em que favoreceu lobistas para atender
prefeitos de quem cobravam propina. A relatora do caso na Corte, ministra
Cármen Lúcia, rejeitou o pedido e determinou que a PF fizesse diligências para
investigar “eventual participação” do presidente nas ações de Ribeiro. Também
não passou despercebida a tentativa de intervir no Ministério da Justiça para
dificultar o cumprimento do pedido de extradição do blogueiro bolsonarista
Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos.
O relatório da Transparência Internacional
afirma que as punições do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a
procuradores que atuaram na Operação Lava-Jato enfraqueceram a independência
dos órgãos de controle da corrupção. O diretor da entidade no Brasil, Bruno
Brandão, depois de elogiar o método de trabalho compartilhado, afirma que “Aras
quebrou uma das pernas desse sistema (as forças-tarefas), e ele todo ruiu. O
modelo tinha limitações, mas não se buscou aprimorá-lo”. Outro retrocesso
registrado foi a decisão do STF de enviar processos de corrupção à Justiça
Eleitoral, resultando na lentidão de investigações e na prescrição de crimes.
A entidade analisou 47 países tendo como
referência os requisitos da Convenção Antissuborno da OCDE. Se depender da
lisura e ética do governo Bolsonaro, avaliadas pelos parâmetros da OCDE, o
plano de entrar no clube de países ricos continuará apenas no campo das
intenções.
Perspectiva ambiental é essencial para
desenvolvimento do Pantanal
O Globo
Apesar dos incêndios e da devastação,
região encontra esperança no ecoturismo e na pecuária sustentável
Na esteira do sucesso da novela “Pantanal”,
da TV Globo, as atenções voltaram-se para os riscos enfrentados pela região. O
Rio Paraguai, eixo do bioma pantaneiro, agora corre por um leito mais seco,
assoreado, castigado pela falta de chuva. A própria novela revelou por meio da
ficção problemas reais como queimadas e cursos fluviais de baixo calado em que
as tradicionais chalanas pantaneiras encalham.
Protegido por lei, o Pantanal sofre com
intervenções da ação humana no Planalto Central, que não está sujeito à mesma
proteção legal. De lá afluem as águas que alimentam de nutrientes flora e fauna
da região, fazendo dela uma preciosidade ecológica e ponto turístico. “Sem as
águas do Planalto, o Pantanal deixa de existir”, afirmou ao GLOBO o biólogo
Gustavo Figueirôa, do Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai SOS
Pantanal.
Os problemas começam no desmatamento da
Amazônia. O círculo de devastação se fecha com o licenciamento de portos e
pequenas hidrelétricas (PCHs) no Rio Paraguai e afluentes. O Tramo Norte,
trecho de Cáceres a Corumbá da Hidrovia do Paraguai, tem sido licenciado por
partes, impedindo a avaliação integral dos danos ao meio ambiente causados
pelos projetos. Chama-se a isso de “cupinização” do Pantanal. “Se o impacto
continuar a não ser considerado, vai matar o Pantanal”, disse o ecologista
Steve Hamilton, da Universidade Estadual de Michigan, há 30 anos estudando a
região.
Em 2019, a região passou a acumular
desastres ambientais visíveis. Com 30% da área queimada em 2020, tornou-se
proporcionalmente o bioma mais afetado por incêndios. Nos últimos 36 anos, 57%
do Pantanal pegou fogo pelo menos uma vez. O fogo pantaneiro não é apenas
espontâneo, mas também resulta de ação humana.
Apesar de tudo, há razões para esperança.
No fim da Rodovia Transpantaneira está Porto Jofre (MT), onde a reportagem do
GLOBO visitou uma das maiores concentrações de onças-pintadas do mundo. São
300, algumas das quais aprenderam a conviver à distância com o ser humano e se
transformaram em atração turística e fonte de sustento. As onças de Porto Jofre
e de outras duas reservas de acesso restrito levam US$ 10 milhões por ano ao
Pantanal. Remuneram guias, donos e pilotos de barcos e de pousadas, entre outros
serviços. De nada valem as onças mortas. A presença delas no bioma é atestado
de que a natureza está preservada. A onça é sentinela avançada a zelar pelo
meio ambiente.
Outro destaque positivo está na pecuária sustentável, no casamento de tecnologia e ecologia presente em propriedades como a Fazenda Santa Fé do Corixinho, em Corumbá (MS). A própria relva pantaneira serve de pasto, fazendo da criação de gado a vocação econômica natural do bioma, sem conflito com a preservação. Espera-se para este ano o abate de o dobro das 40 mil cabeças criadas e abatidas dessa forma no Pantanal em 2021. Não enxergar a preservação ambiental como ativo fundamental para a geração de riqueza no Pantanal é um grave erro.
À luz do sol
Folha de S. Paulo
Investigações sobre emendas reforçam necessidade
de transparência contra desvios
Uma operação
deflagrada pela Polícia Federal expôs, na sexta-feira (14),
novos indícios de malversação dos recursos bilionários aplicados por emendas
orçamentárias sob controle dos aliados de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.
A ação teve como alvo um grupo que teria
fraudado registros do sistema público de saúde em dezenas de municípios do
Maranhão, com a finalidade de driblar limites impostos a repasses de verbas
federais.
Em pequenas cidades do interior do estado,
consultas e procedimentos ambulatoriais multiplicaram-se de maneira incomum em
pouco tempo, justificando valores maiores. A suspeita dos investigadores é que
parte dos recursos assim obtidos foi desviada.
Dois irmãos acusados de atuar no esquema
foram presos temporariamente. Nas planilhas divulgadas pelo Congresso com
informações sobre as chamadas emendas de relator, o nome de um deles figura
como responsável por pedidos de R$ 69 milhões.
Parte do dinheiro reservado para as
emendas, no esquema articulado pelo centrão sob Bolsonaro, tem sido destinada a
projetos indicados por pessoas que deliberadamente ocultam os políticos que
apadrinharam as transferências.
Descobrir quem eles são será questão de
tempo se os investigadores fizerem seu trabalho direito. Para garantir a
restituição de valores eventualmente desviados, a Justiça bloqueou R$ 78
milhões alocados em fundos destinados a 20 municípios do Maranhão.
É decerto uma pequena amostra dos problemas
criados pela expansão descontrolada das emendas de relator, que se
transformaram num mecanismo essencial para barganhas políticas no governo
Bolsonaro e dispõem de R$ 16,5 bilhões no Orçamento deste ano.
Em outro flanco, auditores do Tribunal de
Contas da União encontraram indícios de
fraude em dezenas de contratos da Codevasf (Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) para pavimentação de
estradas com verbas das emendas.
Em três de cada quatro processos analisados
pelos técnicos, a mesma empreiteira venceu as licitações da estatal, e tudo
indica que outras empresas só participaram dos pregões para simular competição
e favorecer a líder do conluio.
Nos dois casos, os órgãos de controle
seguiram pistas levantadas primeiro por investigações jornalísticas, da revista
piauí no Maranhão e da Folha no caso da Codevasf.
O avanço dos investigadores mostra que a maneira mais eficaz de evitar o desperdício do dinheiro das emendas parlamentares é torná-las mais transparentes, o que começou a ser feito há um ano, corretamente, por determinação do Supremo Tribunal Federal.
Argentina no labirinto
Folha de S. Paulo
Multiplicação de taxas de câmbio revela
falta de rumo econômico no país vizinho
Incapaz de reverter a continuada
deterioração da situação econômica, o governo argentino recorre a medidas que,
não fossem dramáticas, seriam
cômicas.
Sinal mais claro de desorganização é o ágio
superior a 100% da cotação do dólar no mercado paralelo, clandestino, em
relação à oficial, hoje de 149 pesos. A restrição ao acesso à moeda americana
decorre da falta de reservas internacionais líquidas, que não passam de ínfimos
US$ 2 bilhões, e boa parte da gestão é dedicada a tentar preservar ou obter
divisas.
O acesso ao dólar oficial é permitido
apenas para a compra de produtos considerados essenciais, como bens de capital
e insumos para a indústria. Todo o resto da economia opera com valores
diferentes.
Daí a existência de várias cotações
cambiais definidas pelo governo, que vão se multiplicando conforme a
conveniência da hora e já chegam a 15.
Uma das mais recentes foi apelidada de
Coldplay, em alusão aos shows que a banda de mesmo nome faria no país. Com taxa
ao redor de 200 pesos, seu objetivo é permitir que os organizadores locais de
espetáculos possam contratar artistas a um custo acessível.
Há também o dólar Qatar, que viabiliza a
viagem de interessados em assistir aos jogos da Copa do Mundo, mas restringe a
saída de divisas pela imposição de uma taxa de 45% sobre a cotação oficial para
gastos com cartão no exterior.
A modalidade, ademais, não vale para países
limítrofes, e compras de bens considerados de luxo têm tarifa adicional de 25%.
Outro exemplo é o dólar soja. Também a 200
pesos, é um incentivo para os produtores venderem a moeda dos EUA ao governo
argentino, que arca com o custo da diferença para a taxa oficial.
Ocorre que tal despesa eleva o déficit
público, que precisa ser coberto por emissão de dívida local ou pela criação de
pesos pelo Banco Central, pressionando ainda mais a inflação e a demanda por
mais gastos de proteção social, num círculo vicioso.
Desvalorizar a moeda e acabar com as
restrições cambiais tampouco é palatável na ausência de um programa fiscal
crível, sempre o pano de fundo dos repetidos programas de ajuste negociados com
o Fundo Monetário Internacional (FM) e nunca cumpridos.
É difícil antever mudanças relevantes, que exigem sacrifícios, antes da eleição presidencial do ano que vem. O país seguirá à deriva.
Bolsonaro não tem do que se queixar
O Estado de S. Paulo
Presidente reclama que o Judiciário o
persegue, mas o fato é que ele faz o que bem entende na campanha, transforma a
estrutura do Estado em máquina eleitoral e permanece impune
Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro
disse que “a maioria” dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) “não tem isenção”, pois “os caras têm lado político” –
contra ele, naturalmente. Bolsonaro se queixou ainda de que, em “qualquer ação
no Supremo e no TSE” contra ele e seu governo, essas Cortes superiores
invariavelmente “dão ganho de causa para o outro lado”.
Mas Bolsonaro não tem do que se queixar: se
ele ainda é presidente e pode até se reeleger, é porque as instituições,
judiciais e políticas, não só foram coniventes com seus abusos, como muitas
vezes os legitimaram.
Tivesse o Congresso cumprido seus deveres
constitucionais, por exemplo, Bolsonaro teria sido cassado quando ainda era
deputado, por seus frequentes atentados ao decoro e à ordem democrática. Mais
impressionante, porém, é o catálogo de crimes de responsabilidade acumulados
durante a Presidência e deixados impunes pelo Congresso.
O candidato “antissistema” de 2018, que
conseguiu se eleger prometendo fazer terra arrasada da “velha política” –
simbolizada pelo Centrão, comparado pela campanha bolsonarista a um bando de
ladrões –, tornou-se rapidamente vassalo desse mesmo Centrão, que lhe garantiu
a permanência no poder, a despeito das inúmeras razões para seu impeachment, e
ainda alavancou sua reeleição. Sem o Centrão como inimigo, o bolsonarismo, como
qualquer movimento populista, logo inventou outro: o Judiciário.
Retratados pelo bolsonarismo como ardilosos
manipuladores, encerrados em seus gabinetes escuros, envoltos em suas togas
sinistras, os magistrados foram apontados por Bolsonaro como a fonte de todos
os problemas nacionais e, principalmente, como ameaça real à “liberdade”.
A realidade, contudo, é muito diferente do
que a propaganda bolsonarista alardeia. Não foram poucas as vezes em que
decisões judiciais impediram, por exemplo, que as robustas suspeitas de que a
família Bolsonaro operou por muitos anos um esquema de rachadinha fossem
devidamente esclarecidas.
Ademais, o Tribunal Superior Eleitoral
parece mais ocupado em patrulhar as redes sociais do que em julgar ações contra
o evidente abuso de poder político e econômico por parte do presidente, como
nos atos eleitorais extemporâneos, a utilização do Palácio da Alvorada como
núcleo de campanha e a transformação de comemorações cívicas e atos oficiais da
chefia de Estado em comícios. Motivos para cassar a candidatura do presidente
não faltaram.
Mais grave, contudo, é o sequestro das
políticas públicas para fins eleitorais, escandaloso desvio que nem sequer está
sendo abordado pela Justiça Eleitoral. Alimentada com cargos e verbas, a
clientela parlamentar de Bolsonaro não só o blindou de um impeachment, como
solapou a Constituição, o pacto federativo, a ordem jurídica, os marcos fiscais
e a legislação eleitoral para fabricar incontáveis “pacotes de bondades” que se
dissolverão ao fim do ano eleitoral. Em pleno segundo turno, o governo anuncia
o perdão de dívidas, mais dinheiro para o Auxílio Brasil e benefícios extras
para taxistas. À força de canetadas, o presidente transformou os contribuintes
em financiadores compulsórios de sua campanha.
Assim como Bolsonaro atacava o Parlamento
por fora, enquanto o corrompia por dentro, assim ele agride a Justiça Eleitoral
por fora (bombardeando-a com acusações fraudulentas sobre a lisura das urnas) e
a degrada por dentro (estraçalhando o equilíbrio eleitoral com o peso da
máquina pública). Tudo sob o olhar dócil da Procuradoria-Geral da República.
Como parte de seu figurino antissistema,
Bolsonaro hostilizou todas as instituições desenhadas para conter arroubos
autoritários como os seus. Essas instituições, tão desmoralizadas pela retórica
bolsonarista em razão de seu “ativismo”, na realidade se desmoralizaram a si
mesmas por sua omissão ou cumplicidade. Freios e contrapesos foram estiolados,
abrindo precedentes perniciosos para os demagogos do futuro.
Muito além de sanar as mazelas conjunturais legadas pelo desgoverno Bolsonaro, a pauta mais relevante da agenda pública nos próximos anos será restaurar a estrutura institucional degradada até a raiz pela razia antidemocrática bolsonarista.
Um retrato mais real da economia
O Estado de S. Paulo
Refinar indicadores históricos pode ajudar a desconstruir conceitos dogmáticos arraigados sobre o desempenho da economia e a relevância de alguns setores para o crescimento
Uma pesquisa feita pelos economistas Edmar
Bacha e Guilherme Tombolo e pelo historiador Flávio Versiani pode mudar o
paradigma das análises sobre a economia brasileira nos últimos anos. A partir
da análise de indicadores sobre o desempenho do País no século 20, os
especialistas chegaram à conclusão de que o crescimento verificado nesse
período não foi tão acelerado quanto se imaginava. O Brasil teria apresentado
um crescimento médio anual de 4,9% entre 1900 e 1980, inferior aos 5,7% da
série estatística atualmente aceita e mais próximo da média mundial para o
período, de 3,2%.
O motivo dessa diferença estaria em
alterações metodológicas promovidas em 1969 pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Responsável pelas estimativas do PIB entre 1947 e 1980, a instituição teria
superestimado o peso da indústria na economia; em paralelo, teria reduzido a
contribuição dos serviços no cálculo geral entre 1947 e 1967 e excluído o setor
das contas nacionais entre 1968 e 1980. O trabalho de Bacha, Tombolo e Versiani
sugere que o crescimento entre 1947 e 1980 teria sido, na verdade, de 6,2% em
média, em vez dos 7,4% até então aceitos – um desempenho que não é ruim, mas
que certamente é menos brilhante.
Ao dar maior importância à contribuição das
atividades produtivas no cálculo do PIB, historicamente mais dinâmicas que as
ligadas a serviços, a FGV pode ter contribuído com a narrativa do “milagre
econômico” alardeada pela ditadura militar. Em suas pesquisas, Bacha não
encontrou evidências documentais de que a metodologia tenha sido alterada em
razão da relação de proximidade entre o regime e a FGV, mas é incontestável que
o desempenho da economia sustentou o apoio de uma parte da sociedade à ditadura
ao longo da década de 1970, a despeito da inflação elevada – e que tal
desempenho continua a ser politicamente explorado como atestado de eficiência
até hoje por alguns políticos.
Há duas consequências ligadas ao fato de a
participação da indústria ter sido superestimada na economia brasileira. A
primeira é que o século 19 pode ter tido um crescimento maior do que se supunha
– puxado pela contribuição do agro, sobretudo o setor cafeeiro, e pelo setor
público, com a transferência da família real para o Brasil. A segunda é que o
milagre pode ter contribuído para gerar uma outra “ilusão estatística”: a
consistente estagnação verificada desde a década de 1980, muito ligada à
desindustrialização. A economia brasileira, portanto, seria muito mais estável
e menos sujeita a ciclos do que os indicadores apontavam, assim como seus
desafios, muito mais profundos, antigos e resistentes do que as crises
revelaram.
O milagre ajudou a reforçar a visão de que
a reindustrialização é fundamental para impulsionar a economia e gerar
empregos. Passados quase 50 anos, os investimentos no setor são escassos e os
parcos e iniciais sinais de recuperação têm dado indícios de insustentabilidade
perante o potencial da economia. Por outro lado, a liderança, em termos de
produtividade, há anos pertence ao agronegócio, e, se o PIB cresceu a taxas
medíocres no passado recente, elas teriam sido ainda menores não fosse o agro.
Os serviços, por sua vez, padecem de uma produtividade pífia em razão da baixa
qualificação e escolaridade do trabalhador, mas ainda são fonte de renda da
maioria dos brasileiros.
Soluções para todos esses problemas históricos precisam partir do melhor diagnóstico possível, e isso certamente passa por estudos como o de Bacha, Tombolo e Versiani. Ao refinar os indicadores econômicos, a pesquisa pode ajudar a desconstruir conceitos dogmáticos arraigados sobre o desempenho da economia e sobre a relevância – ou não – de alguns segmentos para o resgate do crescimento. Em vez de selecionar setores para liderar essa recuperação, o presidente que vier a ser eleito deveria apostar suas fichas no aumento da produtividade, do nível de escolaridade e da qualificação dos brasileiros, objetivos intrinsecamente ligados e que deveriam liderar a lista de prioridades do novo governo.
A Petrobras e o futuro
O Estado de S. Paulo
Estatal acerta ao concentrar investimentos na exploração de nova área e elevar a geração de energia limpa
O mundo caminha, e precisa caminhar com
maior velocidade, para o consumo de energia de baixo carbono, de modo a conter
o aquecimento global. Levará tempo, porém, até que a ampla utilização de
combustíveis fósseis seja substituída pela de energia limpa. É nesse mundo em
transição energética que a Petrobras conclui seu Plano Estratégico 2023-2027, a
ser anunciado em novembro. Esse plano, como mostrou reportagem do Estadão (13/10),
prevê corretamente o fortalecimento da exploração de petróleo numa nova área, que
pode se transformar num novo pré-sal, bem como a expansão da atuação da empresa
em energia renovável.
O mundo ainda depende fortemente do
petróleo – e os temores diante do risco de interrupção de seu fornecimento
depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, com a expressiva alta da cotação do
produto, deram a dimensão econômica dessa dependência. As imensas reservas de
petróleo identificadas nos últimos anos constituem, por isso, um ativo precioso
que a Petrobras precisa explorar para atender à demanda mundial ainda muito
forte, ao mesmo tempo que abre caminho para a geração de energia limpa, como
será exigido em um futuro próximo.
O novo Plano Estratégico da Petrobras deve
ter, como novidade, a forte concentração de investimentos na exploração da
chamada Margem Equatorial formada por cinco bacias sedimentares que se estendem
da costa do Amapá até o Rio Grande do Norte. Segundo a reportagem, essa é a
aposta da empresa para aumentar suas reservas e sua produção de petróleo.
Após a descoberta do pré-sal e da confirmação
de seu potencial, apesar dos custos de exploração, os investimentos plurianuais
da Petrobras subiram vertiginosamente, até superar US$ 200 bilhões. Os
escândalos revelados durante as investigações dos casos de corrupção que
ficaram conhecidos como petrolão, associados à utilização da Petrobras pelos
governos do PT para controlar a inflação por meio do congelamento dos preços
dos combustíveis, não apenas reduziram a capacidade de investimento da empresa,
como fizeram crescer exponencialmente sua dívida.
Desde o afastamento do PT do governo
federal, em 2016, a Petrobras vem executando um plano de reorganização
financeira concentrado na redução da dívida e na venda de ativos que não fazem
parte da atividade que definiu como principal, que é a prospecção e exploração
de petróleo. O novo Plano Estratégico, segundo o Estadão apurou, deve
mostrar uma sensível recuperação da capacidade da empresa de investir, agora
numa nova área promissora.
O Plano deve também contemplar a
modernização de refinarias – o programa de vendas das unidades de refino não
avançou como a empresa previa –, uma atuação mais forte na produção de
biocombustíveis de alto valor e reforço nos investimentos na descarbonização da
produção e nos estudos para a geração de energia eólica para a produção de
hidrogênio verde.
Ainda que haja críticas à lentidão com que a empresa vem se movendo na direção da energia limpa, o rumo a ser definido no novo Plano Estratégico pode ser promissor.
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