O Globo
PL pode ser aprimorado, mas o ponto de
partida que oferece é sólido
O governo federal finalmente apresentou seu
Projeto de Lei (PL) para regular as mídias sociais. Trata-se de um projeto mais
amplo e mais robusto que o PL das Fake News que tramita na Câmara dos
Deputados. Como qualquer PL, ele pode ser aprimorado, mas o ponto de partida
que oferece é sólido. Não contém nenhuma excentricidade, nenhum traço
autoritário e, em linhas gerais, segue o caminho seguro da Lei de Serviços
Digitais europeia. Deverá ser apensado e fundido ao PL das Fake News e debatido
pela sociedade e pelo Congresso nos próximos meses.
Plataformas de mídia social como Twitter ou Instagram moderam
conteúdo — removem postagens — hoje com grande autonomia. Se, por acaso, algum
conteúdo ilícito não for moderado, a responsabilidade será do usuário que
postou, e não da plataforma (a não ser que um juiz determine a remoção, e a
plataforma não obedeça). Esse regime de responsabilização foi concebido no
passado para garantir o desenvolvimento de serviços digitais em que são os
usuários que fazem os conteúdos, e as plataformas apenas os distribuem.
Esse regime sofre fortes críticas. Tem sido apontado como responsável pela proliferação de conteúdos ilegais e perigosos que desencorajam a vacinação, fomentam ataques à democracia ou violam os direitos humanos. Como a moderação é cara, e as empresas não têm obrigação de remover os conteúdos e não são responsabilizadas juridicamente se eles circularem, sua difusão saiu do controle.
No começo da semana, o STF fez uma
audiência pública com especialistas e interessados e sinalizou que poderá
considerar inconstitucional o regime de responsabilização vigente. A proposta
do governo federal busca consertar esse problema criando um novo regime e um
novo marco regulatório.
De acordo com ela, as plataformas grandes,
com mais de 10 milhões de usuários, passariam a ser responsabilizadas civilmente
pelos danos decorrentes de conteúdos que constituam crime ou incitação ao crime
se não fizerem esforços para moderá-los. Sete tipos de conteúdo seriam
considerados ilegais: crimes contra o Estado Democrático, terrorismo, racismo,
violência de gênero, crimes contra a infância, crimes contra a saúde pública e
indução à automutilação ou ao suicídio.
As plataformas passariam a ter um “dever de
cuidado”, o dever de atuar para impedir ou mitigar a circulação desses
conteúdos ilegais. Teriam de demonstrar a uma autoridade regulatória (a ser
criada) que fazem esforços suficientes para impedir que eles circulem e, se sua
ação for considerada insuficiente, poderiam sofrer sanções — da advertência a
multas milionárias ou mesmo à proibição das atividades.
Esse modelo é conhecido como
“autorregulação regulada”. É intermediário entre a autorregulação existente
hoje, que em grande medida não funciona, e a regulação direta do poder público,
que pode, com mão pesada, ferir a liberdade de expressão. Nesse modelo intermediário,
as plataformas se autorregulam, fazendo o dia a dia da moderação, mas seguindo
parâmetros definidos em lei, sob a fiscalização de uma autoridade independente.
É o modelo que os países europeus estão adotando e parece conciliar agilidade,
eficácia e controle público.
O projeto do governo também busca enfrentar
um grande empecilho político para a tramitação da regulação das mídias sociais:
a imunidade parlamentar. O deputado Arthur Lira (PP-AL)
pôs entre suas promessas de campanha quando reeleito presidente da Câmara a
introdução, na regulação das mídias sociais, de uma garantia da imunidade. A
ideia é que postagens de deputados e senadores não possam ser moderadas pelas
plataformas. A medida é completamente absurda porque alguns deputados são os
mais importantes disseminadores de conteúdos nocivos. Dar imunidade aos
políticos seria dar carta branca justamente a quem é mais perigoso.
O projeto do governo tenta resolver o
impasse criando uma espécie de solução intermediária. Postagens de deputados e
senadores (mas também de governadores, presidentes, ministros e deputados
estaduais) poderiam ser moderadas pelas plataformas, mas elas jamais poderiam
aplicar como sanção a exclusão das contas, mesmo se o político for um violador
contumaz das regras. Não é uma solução boa, mas talvez seja aceitável diante da
alternativa assustadora de dar um passe livre para Nikolas Ferreira ou André
Janones.
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