O Globo
Para as empresas, haverá aumento de custos
e menos capacidade de investimento. Para os cidadãos, menos consumo
O ministro Fernando
Haddad não falou uma única vez em corte de gastos na longa
entrevista que concedeu ontem à CBN. Falou, sim, de inúmeras medidas para obter
um enorme ganho de arrecadação. Logo, o ajuste fiscal só será alcançado com um
brutal aumento de carga tributária — algo como 1,5% do PIB, ou R$ 150 bilhões por
ano.
O ministro diz que não criará novos impostos nem aumentará as alíquotas dos já existentes. Apenas, prossegue, cortará incentivos e benefícios fiscais e fechará brechas que permitem às empresas reduzir o imposto a pagar.
Dá na mesma. Se o governo recolherá R$ 150
bilhões, alguém morrerá com esse dinheiro. Recursos que poderiam ficar com
empresas e cidadãos serão transferidos aos cofres públicos. Para empresas,
haverá aumento de custos e menor capacidade de investimento. Para cidadãos,
menos consumo.
O ministro diz que está fazendo justiça:
cobrando de quem deveria pagar e não paga. As empresas pagam menos do que ele
gostaria de duas maneiras. Muitas se beneficiam de incentivos fiscais
estabelecidos em lei. A ideia é proteger ou incentivar o desenvolvimento de
algum setor. Não é fácil derrubar isso. A outra maneira é o planejamento
tributário. O sistema brasileiro de impostos é tão complexo e tão confuso que
as empresas gastam muito dinheiro contratando advogados para descobrir como
podem reduzir sua carga. Tudo acaba em intermináveis batalhas judiciais entre
empresas e cidadãos, de um lado, e governo, de outro.
Como o Judiciário é lento e, digamos, não
propriamente coerente, as decisões mudam. O STJ deu
uma vitória recente ao governo — o ministro Haddad acredita que ganhou R$ 90
bilhões, cálculo considerado exagerado por muita gente, mesmo na Receita. E
o STF ainda
pode mudar a decisão. Assim, as Cortes vão decidindo, ora a favor do governo,
ora a favor do contribuinte. Não será fácil para Haddad arrancar os R$ 150
bilhões. Uma boa reforma tributária resolveria. Mas também não é fácil passar
no Congresso e implementar.
Eis por que o Banco Central (BC) coloca um
pé atrás. Admite que a proposta de arcabouço fiscal enviada ao Congresso é um
avanço. Mas assinala: ainda não foi votada pelos parlamentares, é certo que
será alterada, depois será preciso ver como executá-la. Foi por isso, entre
outros motivos, que o Comitê de Política Monetária do BC manteve a taxa básica
de juros em 13,75% ao ano. A razão principal, entretanto, é que as projeções
de inflação estão
acima das metas neste ano e no próximo.
Haddad acha que as metas estão erradas. Ou
melhor, está errado o modo de fixá-las. Em vez de meta calendário — a ser
obtida no ano —, sugeriu, na mesma entrevista à CBN, adotar meta contínua, a
ser obtida ao longo de um tempo maior. Na prática, o BC vem fazendo algo
parecido. No ano passado, a inflação fechou em 5,79%, acima do teto da meta. A
taxa básica de juros já estava em 13,75% — e o BC sinalizou que buscaria a meta
bem mais à frente.
Para este ano, a meta oficial é 3,25%,
tolerando-se até 4,75%. Pela projeção do BC e do mercado, a inflação ficará em
torno de 6% — isso supondo uma redução moderada da taxa de juros a partir de
setembro próximo. Para 2024, o cenário básico do BC projeta inflação de 3,6%,
pouco acima da meta (3%), mas dentro da margem de tolerância. Isso com a taxa
de juros a 10% no fim do ano.
Portanto o BC pretende atingir a meta no fim
do próximo ano. Se fosse para alcançar a meta calendário já neste ano, segundo
cálculos do BC, a taxa de juros teria de subir a 26,5%. Isso destruiria a
economia, conforme notou o presidente do BC, Roberto Campos Neto. O BC,
portanto, está flexibilizando o regime de meta calendário, para preservar o
andamento da economia.
Vai daí que o ministro Haddad deve estar
pensando mesmo em aumentar a meta de inflação, dentro de uma formalização das
metas contínuas. Se conseguir tudo o que quer, o resultado será: mais carga
tributária e mais inflação. Não consta que isso ajude o crescimento.
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