O Globo
Por que dar imunidade a parlamentares,
deixando-os fora do alcance da lei, com autorização para distorcer e manipular?
O nome oficial é Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet, mas pode chamar de PL das Fake
News ou PL da Censura. (Não, PL da Censura, melhor não, porque há o risco de o
governo dizer que é feiquenius e censurar.)
A ideia é ótima e, em tese, as intenções são as melhores: a defesa do Estado Democrático de Direito; o fortalecimento do processo democrático, do pluralismo político, da liberdade de consciência e de associação para fins lícitos; a liberdade de expressão, de imprensa, dos cultos religiosos; o fomento à diversidade de informações e a vedação à censura no ambiente on-line; a proteção dos consumidores, da saúde pública; a livre-iniciativa; a garantia da transparência dos provedores em relação às suas atividades, o exercício do direito do usuário à notificação, ao contraditório, a ampla defesa e devido processo em relação à moderação de conteúdos; a proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Quem haveria de se opor a essa panaceia?
Possivelmente aqueles que desconfiam de
palavras bonitas (e lembram que o nome oficial da Coreia do
Norte é República Popular Democrática da Coreia). E estão
seguros de que, de boas intenções, os nove círculos de Dante estão cheios.
Diz o relator, deputado Orlando Silva,
que “houve consenso em sua necessidade para o contexto brasileiro,
principalmente devido aos comportamentos inautênticos e à disseminação de
informações falsas ou distorcidas”. E que “um ecossistema propício à propagação
de desinformação cria versões concorrentes da verdade e da acurácia das
notícias”. Nem todo mundo entende o palavrório, mas, discordar, quem há de?
Como, na prática, a teoria tende a ser
outra, faltaram transparência e responsabilidade ao levar o projeto adiante — o
que fez temer pelos danos que poderia causar à liberdade.
Foram realizadas 27 reuniões técnicas e
deliberativas, incluindo 15 audiências públicas — mas cerca de um terço dos
artigos do PL entrou depois disso, sem maiores debates.
Sim, as grandes empresas de tecnologia
precisam ser corresponsáveis pelo que veiculam. Não vale colocar, depois de
postagens com incitação à violência, atos de terrorismo, racismo, crimes contra
crianças e adolescentes, um disclêimer do tipo: “Este ato criminoso não
reflete, necessariamente, a opinião desta big tech”.
E por que dar imunidade a parlamentares,
deixando-os fora do alcance da lei, com autorização para distorcer e manipular?
Mentir acaso faz parte das atividades políticas? (Não precisa responder: são
perguntas retóricas.)
O texto fala do dever de “atuar
diligentemente” e “envidar esforços” para combater a disseminação de conteúdos
que possam configurar infração sanitária (um jab de esquerda no queixo dos
negacionistas para quem vacina implanta chip ou faz virar jacaré). Mas e quanto
a outros tipos de negacionismo, como o que prega que livros de economia estão
superados ou que os juros altos são os culpados pela inflação, pelo baixo
crescimento e pela demora na chegada da picanha e da cervejinha prometidas?
Um projeto que responsabilize as big techs
pelo que ocorra em suas plataformas é mais que necessário. Mas, enquanto houver
brechas para a criação de um Ministério da Verdade, é melhor continuar
discutindo, ouvindo a sociedade e prevendo salvaguardas. Para que seja um PL
que garanta a liberdade, responsável e transparente.
Um comentário:
Eu concordo com o autor sobre isto que ele trata nest post.
Postar um comentário