O Estado de S. Paulo
Quando a viúva de Rubens Paiva abraçou o general Cardoso, a República enterrou a ditadura
“A política é um esforço tenaz e enérgico para
atravessar grossas vigas de madeira.” A frase inicial do último parágrafo de A
Política como Vocação, de Max Weber, expõe a síntese entre convicção e
responsabilidade. O autor prossegue: “É perfeitamente exato dizer – e a
experiência histórica o confirma – que não se teria jamais atingido o possível,
se não se houvesse tentado o impossível”.
Desde que assumiu a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva é acossado por integrantes da base petista e psolista em razão das políticas dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e José Múcio (Defesa). Weber diz que perde seu tempo quem busca mostrar aos apegados à ética da convicção que suas atitudes não têm outro efeito senão o de fazer aumentar as possibilidades da reação. E, quando os atos praticados em razão das convicções revelam consequências desagradáveis, seus apoiadores não se sentem responsáveis – tudo é sempre culpa de quem se lhe opõem, sejam pessoas, classes ou instituições. Enfim, não é preciso reconhecer a política como tragédia para evitar a ação pautada apenas nas convicções.
Outro problema surge quando a responsabilidade é incapaz de dizer como Lutero: “Detenho-me aqui; não posso agir de outro modo”. Na semana passada, a repórter Monica Gugliano informou que o Comando do Exército não se opõe à recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Parte da transição da ditadura para a Nova República, a instalação da comissão criou uma das mais fortes imagens políticas da história recente: o abraço entre Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva, e o general Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar do governo de Fernando Henrique Cardoso. Era 4 de setembro de 1995. Fazia mais de 20 anos que Eunice procurava saber o destino do marido, sequestrado e morto em 1971.
A desumanidade de Jair Bolsonaro e de seus
acólitos via na tarefa de reparação às famílias em busca de seus mortos mera
luta política. Então deputado, Bolsonaro chegou a dizer: “Quem procura osso é
cachorro”. É exigir muito de quem não é coveiro compreender o significado e a
força de um cadáver insepulto. Ele não leu Antígona.
Lula e seu entorno parecem ter feito outra escolha: a omissão. Diante de convicções, alegam não querer confusões com os militares e, assim, não atravessam nem um simples graveto. À caserna, foi garantida a anistia; aos familiares, apenas a promessa dos corpos. Agora, nem isso. O escritor Marcelo Rubens Paiva contou o que seu filho, Sebastião, de 7 anos, escreveu em 31 de março no asfalto em frente à antiga sede do DOI de São Paulo: “Eu quero o corpo do meu avô”. Que mais é preciso dizer?
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