Valor Econômico
Estilo retórico de Trump parece atrair mais os eleitores do que a realidade econômica
Os planos de Trump para um segundo mandato
são os de um ditador. Esse desejo já ficou evidente em sua tentativa de anular
o resultado da última eleição presidencial e na insistência para que a Grande
Mentira de que venceu, se tornasse a Grande Verdade do Partido Republicano.
Além disso, ele disse recentemente à revista
“Time” que construiria grandes campos de detenção para imigrantes sem
documentação, mobilizaria o Exército dos Estados Unidos internamente, ordenaria
aos procuradores dos EUA que processassem pessoas de quem ele não gosta,
perdoaria os insurrecionistas do 6 de janeiro de 2020 e encheria sua
administração de pessoas leais. Ele também lançaria dúvidas sobre as garantias
de segurança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), abrindo assim
a Europa ao seu amigo Vladimir Putin, e lançaria uma guerra comercial global.
Resumindo, o retorno de Trump ao poder nos EUA, o porta-estandarte da democracia liberal no mundo, poderia se mostrar o momento em que o despotismo arbitrário tornou-se, mais uma vez, a forma normal de governança humana. Isso ameaça tornar as eleições presidenciais daqui a seis meses vitais não só para o futuro dos EUA, como do mundo todo.
Isso, conforme disse Joe Biden, há muito é o
que está em jogo para o seu governo. Ainda assim, os americanos não decidirão o
resultado sobre questões constitucionais, por mais vitais que elas sejam. A
prioridade deles é a economia. Quanto a isso, as notícias para Biden são ruins:
segundo uma pesquisa publicada pelo “Financial Times” no mês passado, 55% dos
eleitores desaprovam seu desempenho econômico. Isso ajuda a explicar por que as
pesquisas mostram números tão apertados entre Biden e Trump.
Essas dúvidas sobre o desempenho econômico do
governo são surpreendentes. Comparativamente, o desempenho da economia dos EUA
tem sido um triunfo. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per
capita dos EUA subirá 8,3% entre 2019 e 2024, apesar da pandemia. Isso é muito
melhor do que em qualquer outra grande economia de alta renda. No Reino Unido,
por exemplo, o número comparável é de menos 0,2%.
O argumento em defesa de Biden é apresentado
com detalhes no Relatório Econômico do Presidente, publicado em março. É um bom
argumento. Nas palavras de uma autoridade de alto escalão com quem estive na
semana passada em Washington: “Esse é o melhor exemplo de uma recuperação dos
EUA no lado da oferta desde os anos 60”. O desempenho em termos de crescimento
econômico, empregos e investimentos tem sido excelente. A inflação também caiu
bastante sem o aumento do desemprego que alguns alertavam que poderia ser necessário.
A taxa de desemprego no primeiro trimestre
deste ano foi de 3,8%, abaixo do número de três anos antes, de 6,2%. No mesmo
período, o consumo pessoal real aumentou 9,8% e os investimentos fixos não
residenciais privados aumentaram 14%. Os investimentos reais em estruturas
industriais aumentaram espantosos 101% entre os primeiros trimestres de 2022 e
2024. A taxa de participação na força de trabalho para aqueles com idades entre
25 e 54 anos foi de 83,5% em abril, um nível não superado desde 2002. As unidades
de habitação privada em construção estão perto de 1,7 milhão de unidades, um
nível não igualado no último meio século.
Isso é um boom econômico. É também um dos
mais importantes experimentos na avaliação do impacto do bom funcionamento de
uma economia sobre os mercados de trabalho. Uma constatação significativa do
relatório é que as disparidades raciais no desemprego e no emprego caíram
bastante e as oportunidades para os deficientes também aumentaram
significativamente.
Por trás desse desempenho está uma onda de
legislação de alto perfil que inclui o Plano de Resgate Americano, a Lei de
Redução da Inflação (IRA) e a Lei dos Chips e da Ciência. Uma visão
supreendentemente comum é que Biden está quase senil. Na verdade, este tem sido
o governo mais hiperativo desde os anos 60. A energia de Biden tem sido
surpreendente.
Hoje, as pessoas têm seus próprios fatos. A
economia que elas veem não é a que experimentam no dia a dia. Isto deve-se em
parte ao atual cenário irresponsável da imprensa, que normalizou a mentira e,
não menos importante, o próprio Trump
Então, por que diante desse histórico
aparentemente impressionante tantos eleitores estão tão céticos? Sem dúvida, um
motivo é que há muitos opositores ferrenhos ao “grande governo” que Biden levou
para os EUA. Mas se os libertários fossem uma força realmente poderosa hoje,
Trump não estaria liderando os republicanos.
Um motivo mais importante é a inflação. As
pessoas a odeiam. Além disso, depois de um período de inflação elevada,
baixá-la novamente não é suficiente, ou pelo menos não por um bom tempo. O
nível dos preços subiu quase 20% desde que Biden foi eleito. As pessoas
perceberam isso. Curiosamente, aqueles que notam grandes aumentos nos preços
nos supermercados parecem extrapolá-los para a inflação de forma mais ampla,
Levará um tempo para esquecer quanto custavam as coisas antes dos saltos
recentes.
Um problema relacionado é o congelamento do
mercado da habitação. Quem quer vender uma casa quando comprar uma nova
significa substituir um financiamento barato a taxas fixas por um bem mais
caro? Esse problema persistirá enquanto as taxas de juros permaneceram muito
acima do que estavam.
Mais importante é o fato de as percepções
sobre a economia serem políticas, com os republicanos vendo uma economia ruim
quando seus adversários estão no poder e vice-versa. Hoje, as pessoas não têm
apenas suas opiniões; elas têm seus próprios fatos. A economia que elas veem
não é a economia que elas experimentam no dia a dia. Isto deve-se, sem dúvida,
em parte ao atual cenário terrivelmente irresponsável dos meios de comunicação,
que normalizou a mentira e, não menos importante, o próprio Trump.
Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos
EUA, acrescenta que muitas pessoas comuns simplesmente não gostam da economia
em que estão, mesmo que ela seja melhor do que era há alguns anos. Elas também
acreditam que Trump pelo menos está lutando por elas. Este é o tipo de estilo
retórico que importa mais do que a realidade econômica.
Sejam quais forem os motivos, há apenas seis
meses para mudar a opinião das pessoas. Além disso, as notícias econômicas
poderão piorar, especialmente se os juros altos finalmente provocaram uma
desaceleração acentuada ou mesmo se eles subirem.
A eleição parece tão próxima quanto seu resultado é crucial. Somente os americanos irão contestá-lo. Nós, espectadores, só podemos esperar por um resultado feliz. (Tradução de Mário Zamarian)
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