Valor Econômico
O dia 26 de setembro de 2020 foi a data
limite do prazo, iniciado em 31 de agosto daquele ano, para que os partidos
registrassem os nomes dos seus candidatos a prefeito e vereador. A última
eleição municipal foi singular. Realizada em meio à pandemia, a disputa foi
marcada pela polarização e o negacionismo de parte considerável do meio
político e do eleitorado. Em Porto Alegre, não foi diferente.
O guichê da Justiça Eleitoral contabilizou 13 candidatos à prefeitura da capital gaúcha. Entre declarações de bens, fotografias, certidões criminais e comprovante de desincompatibilização de cargo público, todos eles também precisaram protocolar um arquivo com suas propostas para a cidade. Hoje, cerca de quatro anos depois, a leitura dos textos evidencia que não estava na prioridade de grande parte dos candidatos a elaboração de um plano municipal de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, a adaptação da cidade e o planejamento contra desastres ambientais.
É o retrato da capital do Rio Grande do Sul,
Estado que hoje enfrenta sua maior catástrofe por causa das fortes chuvas que
atingem a região. Mas não se trata de um exemplo isolado.
Números que circulam no governo dão conta que
1.942 dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros estão suscetíveis a eventos
climáticos extremos, como excesso de chuvas ou secas severas. É muito.
Esses municípios são prioritários no Plano
Clima, que está sendo fechado pelo Ministério do Meio Ambiente. Também devem
ser objeto de atenção especial de obras do Novo Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). A Casa Civil tem a missão de olhar de forma integrada para
as necessidades e fragilidades dessas localidades, com a ajuda de demais
pastas.
Em outra frente, o tema vem sendo abordado em
estudos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Segundo dados compilados
pela entidade, além do rastro de luto devido a milhares de mortes,
desaparecidos e desabrigados, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2023 os
desastres causaram R$ 401,3 bilhões de prejuízos em todo o Brasil.
Com um triste detalhe: o Estado mais afetado
nesses anos passados foi justamente o Rio Grande do Sul, que contabilizou
prejuízo de R$ 67,5 bilhões, sobretudo por causa das secas registradas no
período analisado (R$ 58,4 bilhões). Na sequência, estavam no topo da lista
Minas Gerais e Bahia, com respectivamente R$ 56 bilhões e R$ 38,8 bilhões em
perdas no mesmo período.
Foram identificadas, também, as
especificidades de cada região.
No Norte, as ocorrências geralmente são de
enchentes e inundações. No Nordeste, seca e estiagem.
Com temporadas bem definidas de seca e
chuvas, o Centro-Oeste registra muitos focos de queimada e incêndios
florestais, mas também inundações. O Sudeste é foco de inundações, alagamentos,
enchentes, enxurradas e deslizamentos, embora o norte mineiro também sofra com
estiagens. Já o Sul tem como característica ocorrências de excesso de chuvas e
vendavais, além de deslizamentos de terra, destelhamentos de residências e
outras edificações.
Há mais um aspecto que merece reflexão.
Existe uma recorrência de eventos extremos em determinados municípios: 1.326
prefeituras decretaram “anormalidade” em decorrência da seca por quatro vezes
no período pesquisado, o que corresponde a 24% do total de 59.311 decretações
em todo Brasil. Esse número sobe para 2.138, quando somados os municípios que
adotaram essa medida duas vezes.
Algo semelhante se viu em relação à
decretação de emergência por conta de chuvas. Foram 404 municípios que o
fizeram quatro vezes e 1.223 duas vezes. A maior parte das prefeituras que
decretaram anormalidade por conta das chuvas é do Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais, enquanto as administrações
municipais que precisaram fazer isso por conta da seca estão nos Estados do Rio
Grande do Norte, Ceará, Minas Gerais e Sergipe, sempre de acordo com o estudo
da Confederação Nacional dos Municípios.
Ao obter o reconhecimento federal de
“anormalidade causada por desastre”, o município consegue adotar medidas
administrativas excepcionais no âmbito do sistema de proteção e defesa civil, e
preenche requisitos para obter transferências de recursos da União. É a saída
legal geralmente demandada nos momentos de calamidade, quando, além do
sofrimento da comunidade diretamente atingida, observa-se crescentes riscos à
manutenção de serviços essenciais à população, como abastecimento de água e
energia, à agricultura, indústria e comércio. É o que lamentavelmente se vê
hoje no Rio Grande do Sul, onde a CNM contabiliza prejuízos de R$ 4,6 bilhões
em oito dias.
No Congresso, estima-se que o “Plano Marshall” defendido pelo governo gaúcho para reconstruir o Estado possa alcançar R$ 12 bilhões. E não há vozes contra o esforço emergencial em defesa do Rio Grande do Sul, como é de se esperar em um momento de mobilização nacional. Mas esta deve ser uma oportunidade, também, para o eleitor se lembrar de que será preciso analisar com cuidado as propostas dos pré-candidatos a prefeito e como elas podem se coordenar com as ações nacionais e estaduais de prevenção a desastres.
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