quarta-feira, 8 de maio de 2024

Tiago Cavalcanti - Quem financia o mercado?

Valor Econômico

Além das reformas para melhorar a segurança jurídica, facilitando a recuperação de créditos em atraso, é necessário incentivar a competição no setor bancário e vigilância contra possíveis conluios

A atividade bancária e o setor financeiro são fundamentais para o progresso econômico e social de uma sociedade. Em particular, não há economia desenvolvida sem um setor financeiro eficiente e uma elevada proporção de crédito em relação à renda.

Apesar de correlação não implicar necessariamente em causalidade, a teoria econômica ajuda a entender o papel dos intermediários financeiros no desenvolvimento econômico.

O progresso das nações depende de inovações e investimentos, os quais têm retornos incertos. A capacidade de uma economia de financiar tais investimentos depende de como os intermediários financeiros transferem recursos de agentes econômicos que poupam seus recursos, não têm ideias inovadoras ou não desejam correr riscos, para os indivíduos e empresas que, no seu "espírito animal", produzem inovação e investem, aumentando a capacidade produtiva, gerando emprego e renda.

É impressionante como os bancos criam diversos produtos por meio da intermediação financeira, transformando inúmeros depósitos de baixo valor, que podem ser sacados no curto prazo, em empréstimos de alto valor que serão pagos, de forma incerta, apenas no longo prazo. Nesta importante transformação de tamanho, risco e maturidade dos passivos e ativos, está exatamente a vulnerabilidade dos bancos, os quais precisam ser regulados para evitar riscos sistêmicos à economia.

A regulação e a supervisão bancária determinam o escopo dos intermediários financeiros, o capital próprio requerido no balanço e as reservas compulsórias para cada depósito. Entre 1933 e 1999, sob o Glass-Steagall Banking Act de 1933, os bancos nos Estados Unidos que recebiam depósitos estavam limitados em seu escopo, podendo atuar apenas no empréstimo direto a consumidores e empresas, sem permissão para operar na compra e venda de ações e outros instrumentos financeiros.

A regulação limita a alavancagem e a atividade dos bancos e, portanto, pelo menos no curto prazo, a lucratividade do setor. Consequentemente, os bancos fazem constantemente lobby para relaxar a regulação. Afirmam que é custosa e eleva o preço de seus serviços, como o spread bancário, que mede a diferença entre as taxas de juros de empréstimos e de depósitos, prejudicando os produtores e consumidores, afetando negativamente a atividade econômica.

Por outro lado, quando sujeitos ao risco de falência, geralmente devido à má gestão de seus ativos, os bancos em geral recebem suporte estatal para evitar o contágio para outros bancos e uma crise financeira mais profunda. Quanto maior for o banco, maior é o risco de contágio e, portanto, mais elevada é a chance de suporte com recursos do contribuinte em tempos de crises.

Há várias barreiras à entrada na atividade bancária, a qual, em geral, é relativamente concentrada. De 2000 até 2021, a concentração bancária no Brasil aumentou consideravelmente, conforme indicado no gráfico abaixo. A fração total de empréstimos dos cinco maiores bancos do país passou de 50% em 2000 para cerca de 80% em 2021. Tanto o setor privado bancário ficou mais concentrado com as fusões do HSBC com o Bradesco e do Unibanco com o Itaú, quanto houve o aumento da participação no total de empréstimos da Caixa Econômica e do Banco do Brasil. A concentração bancária, medida por este indicador de participação dos cinco maiores bancos no total de empréstimos, é 10 e 30 pontos percentuais mais elevada no Brasil do que no México e nos Estados Unidos, respectivamente.

Em alguns tipos de empréstimos, como no cartão de crédito, a concentração bancária tem diminuído com a emergência de novos bancos e fintechs, como o Nubank, que em aproximadamente uma década teve um impacto significativo no mercado de cartões de crédito do país, oferecendo serviços bancários com baixo custo de entrada.

Apesar do nível de spread bancário no Brasil ainda ser um ponto fora da curva quando comparado com países de desenvolvimento semelhante ao nosso, como mostrado no gráfico abaixo, o spread bancário médio no país tem diminuído e caiu quase 10 pontos percentuais nas últimas duas décadas.

A insegurança jurídica e a baixa recuperação de créditos em atraso são fatores essenciais para explicar os elevados spreads bancários no país, mas não são tão diferentes no Brasil em comparação com o México, como ilustrado no gráfico abaixo. No entanto, mesmo em linhas de crédito com taxas de inadimplência muito baixas, como de empréstimos consignados, o spread bancário no país é elevado em comparação com os padrões internacionais.

Parece-me que a questão do risco sistêmico em nosso setor bancário é de segunda ordem quando comparada com a questão do alto custo financeiro de nossos empréstimos.

Não parece haver soluções imediatas e sustentáveis para o elevado preço do crédito em nosso país. Além das reformas para melhorar a segurança jurídica, facilitando a recuperação de créditos em atraso, é necessário incentivar a competição no setor e sermos vigilantes com possíveis conluio entre os bancos. O Banco Central introduziu várias inovações e mudanças importantes, que tendem a aumentar a competição bancária, como o Pix, o crédito positivo e a portabilidade de crédito. É importante avançar nesta direção, aprofundando e melhorando efetivamente algumas medidas, como a portabilidade da conta salário e o aumento da oferta de crédito livre.

 

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