Tragédia exige plano de longo prazo do Congresso
O Globo
Liberar recursos na emergência é essencial.
Mas é preciso criar espaço fiscal para investir em prevenção
A resposta do Congresso à catástrofe
ambiental, humanitária e material do Rio Grande do
Sul tem sido até aqui positiva. Os presidentes do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acompanharam o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao estado no final de semana. De lá para
cá, os parlamentares se debruçaram sobre o pedido de decreto de calamidade
pública válido até 31 de dezembro. É mesmo necessário evitar que amarras
burocráticas dificultem a liberação de recursos em momento tão urgente.
A devastação provocada pelas chuvas levou Executivo e Legislativo a concordar em liberar recursos fora do limite imposto pelas regras fiscais. Não se trata de atropelo da lei. A Constituição e a legislação permitem abrir crédito extraordinário em situações de calamidade. As demandas dos gaúchos são tão dramáticas que atendê-las da forma mais ágil possível deve ser prioridade.
A enchente, as mortes, os desabrigados, a
devastação de cidades, bairros, barragens, estradas, viadutos, pontes, ruas,
aeroportos, casas, escolas, universidades, fábricas e lojas se deram em escala
inédita. Os danos seriam enormes ainda que tivessem sido tomadas todas as
precauções, mas certamente seriam menores. Como não houve medidas preventivas,
a situação se agravou.
Por isso a tragédia traz também uma lição aos
congressistas. Eventos climáticos extremos têm sido mais frequentes e serão
ainda mais intensos à medida que a temperatura global aumentar. O futuro
próximo será pior que o presente. Não dá, portanto, para alegar ignorância e
reagir apenas depois da enchente, da onda de calor ou da crise hídrica.
Catástrofes inéditas na escala da gaúcha sempre provocarão danos. O que está ao
alcance do país é trabalhar antes que ocorram para que as consequências sejam
as menores possíveis. Não é o que vem acontecendo. E isso é dever não só do
Executivo, mas também do Parlamento.
O Congresso controla 20% dos recursos livres
do Orçamento, com a soma de diferentes tipos de emenda. Tal prática pulveriza o
gasto de acordo com interesses paroquiais. Não há análise de custo e benefício
para determinar prioridades, nem plano envolvendo áreas extensas. Tudo é
pensado para agradar ao eleitor local. A lógica é antagônica à do planejamento
regional, com base técnica, capaz de lidar com rios acima do nível normal,
secas prolongadas ou deslocamento de população e víveres em emergências.
A enchente no Sul revelou a falta de
planejamento e preparo para tragédias climáticas e comprovou, entre outras
coisas, por que não tem cabimento o Parlamento flexibilizar normas ambientais.
Mas ela também expôs a aberração em que se transformou o Orçamento. Diante da
escassez de recursos para os gaúchos, fica ainda mais eloquente o despropósito
de derrubar o veto presidencial a R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares ou de
aprovar uma PEC com mais privilégios a juízes.
A situação dramática mostra por que a questão
fiscal é tão importante: a realidade impõe escolhas. Não adianta fingir que há
dinheiro para tudo. Por isso, além das despesas emergenciais essenciais para
atender às demandas da população do Sul, os parlamentares deveriam se dedicar
desde já a desenvolver um plano nacional consistente de prevenção para
tragédias, com envolvimento de estados e municípios. Do contrário, na hora da
emergência, o custo sempre será bem maior.
Diante da chuva, governo hesitou para adiar
Concurso Nacional Unificado
O Globo
Até quinta-feira, Ministério da Gestão
informava que prova seria mesmo no domingo, apesar das enchentes no Sul
O governo administrou mal a aplicação do
Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) diante das enchentes no Sul. O
exame, apelidado “Enem dos concursos”, estava previsto para o último domingo em
288 cidades do país. Apenas na sexta-feira, a ministra da Gestão, Esther Dweck,
informou o adiamento, uma vez que seria impossível aplicar a prova no Rio
Grande do Sul, onde cidades como a capital Porto Alegre enfrentam a maior cheia
de sua história. Ainda não foi marcada nova data.
Não se questiona a decisão de adiar o
concurso, já que os 80 mil candidatos gaúchos seriam inevitavelmente
prejudicados. O que impressiona é a dificuldade do governo para lidar com o
assunto. Na quinta-feira, o Ministério da Gestão informava que o CPNU seria
mantido, apesar de todas as evidências de que não havia a menor condição para
aplicá-lo no Rio Grande do Sul.
Brasília deveria saber que milhares de
moradores tiveram de deixar suas casas, que a rodoviária e o aeroporto de Porto
Alegre estão fechados, que cidades permanecem isoladas, que crateras se abriram
nas principais estradas interrompendo o tráfego, que os gaúchos enfrentam falta
de serviços básicos, como luz e água. Deslocamentos obviamente são impensáveis.
Tanto que a CBF já adiara as partidas dos times gaúchos.
Compreende-se que não é tarefa simples adiar
um concurso de abrangência nacional planejado há meses. As provas já haviam
sido enviadas às capitais dos estados e eram distribuídas sob forte esquema de
segurança. Estima-se que 65% já estavam nos locais onde seriam aplicadas. O
ministério diz que a ideia agora é que sejam recolhidas e armazenadas em local
seguro até a nova data. O ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta,
calcula uma despesa adicional de R$ 50 milhões com o imprevisto.
Antes da decisão pelo adiamento, foram
discutidos também aspectos jurídicos. Os editais do concurso não preveem
reaplicação da prova em locais específicos, mesmo em casos de desastres
naturais, omissão que precisará ser reparada nos próximos exames. A alegação é
que não seria possível oferecer outra prova com o mesmo nível de dificuldade,
pois não existe um banco de questões. Pelas regras, quem perdesse a prova
poderia apenas pedir de volta o valor da inscrição. Mas é evidente que manter a
prova ensejaria judicialização por parte dos candidatos gaúchos.
A demora do governo para tomar uma decisão
óbvia, anunciada apenas dois dias antes das provas, afetou os candidatos. Por
mais que o adiamento tenha sido amplamente noticiado, muitos não ficaram
sabendo e compareceram. Embora o ministério afirme ter avisado todos até a
véspera, um candidato disse ter recebido o e-mail apenas às 23h50 de sábado.
A confusão desnecessária em torno do concurso
poderia ter sido minimizada se o governo tivesse agido rápido. O certo agora é
marcar uma nova data para os 2,14 milhões de inscritos fazerem a prova em
igualdade de condições. Ao menos, era essa a ideia quando se pensou num
concurso unificado.
Ministros dão mostras de sensatez, Lula não
Folha de S. Paulo
Planejamento e Fazenda fomentam debate
crucial sobre controle de gastos, mas chefe de governo volta a preferir
demagogia
Há um descompasso evidente na política
econômica do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Enquanto as pastas da Fazenda e do Planejamento dão sinais de compreender a necessidade
de mudar as atuais regras insustentáveis de expansão do gasto público,
o presidente da República volta a alimentar o descrédito nos planos de ajuste.
As demonstrações mais explícitas de sensatez
partiram da ministra Simone Tebet,
do Planejamento, em entrevista ao jornal Valor Econômico. Ali, mesmo medindo
palavras, ela expõe o avanço de estudos internos para a contenção de despesas
"no atacado".
Entre elas destaca-se a desvinculação entre
o salário
mínimo e os benefícios previdenciários e sociais. Outra
providência, também considerada correta por esta Folha, seria rever os
desembolsos mínimos em educação, corrigidos pelo crescimento da receita.
Já Fernando
Haddad, da Fazenda, fez um movimento importante ao recomendar
publicamente a leitura de um artigo de Bráulio Borges, da Fundação Getulio
Vargas.
No texto, o economista defende medidas de
aumento de arrecadação, base da estratégia governista, mas também desatrelar o
mínimo da Previdência e alterar os pisos da educação e da saúde.
Nada disso deveria ser encarado como
retrocesso nas políticas sociais —ao contrário, trata-se de estabelecer
prioridades, preservando recursos para os estratos mais carentes, e evitar que
um novo colapso orçamentário eleve a inflação,
os juros, o desemprego e a pobreza.
A valorização do salário mínimo terá mais
condições de prosseguir se deixar de sobrecarregar as contas do INSS,
garantida a correção das aposentadorias pela inflação.
As dotações para saúde e educação devem ser
estabelecidas à luz da situação orçamentária e de metas setoriais. As
transformações demográficas implicarão maior necessidade de recursos para a
primeira e menor para a segunda.
Alheio às preocupações expressadas por seus
auxiliares, Lula se entrega à demagogia inconsequente. Em entrevista a
emissoras de rádio nesta terça (7), desdenhou das metas fiscais e fez
comparação descabida entre a dívida pública brasileira —excessiva para um país
emergente— e as de países ricos que pagam juros muito menores.
Declarações como essas, repetidas desde o
início do governo, fazem despencar a credibilidade da política econômica, cujas
diretrizes são de responsabilidade intransferível do Executivo federal.
Compreende-se assim por que Haddad, em meio
esforço inglório de advogar a busca pelo equilíbrio do Orçamento, limita suas
cobranças a um Congresso de fato perdulário. O ministro, afinal, não
pode culpar o próprio chefe.
Percalços jornalísticos
Folha de S. Paulo
Brasil sobe em ranking da liberdade de
imprensa, mas ainda enfrenta problemas
No recém-divulgado ranking mundial da
liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil subiu
dez posições em comparação ao ano anterior e está em um ainda
modesto 82º lugar entre 180 países avaliados.
As nações são divididas em cinco situações:
boa, relativamente boa, problemática, difícil e muito grave. Em 2021, pela
primeira vez em 20 anos, o Brasil ficou na categoria difícil —antes e depois,
sempre foi classificado como problemático.
De fato, como aponta o relatório da RSF, dado
o discurso agressivo de Bolsonaro e suas hostes contra veículos e jornalistas,
houve melhora —ao menos no comportamento do Executivo federal.
Contudo o texto não trata do recente avanço
do Supremo Tribunal Federal sobre a atividade, a partir de decisões
monocráticas que suspenderam contas das redes sociais, inclusive de
jornalistas, a partir de critérios pouco transparentes.
Outro fator que contribuiu para a ascensão
brasileira foi a piora de outros países. A polarização política e a ascensão de
governos populistas, de direita e de esquerda, têm levado à deterioração
paulatina da defesa do direito à informação na última década.
A Itália
passou do 41º para o 46º lugar. Nas Américas, mais da metade
dos países apresentaram piora.
Venezuela, Honduras, Nicarágua e Cuba se mantiveram na situação muito grave,
mas Paraguai e Equador saíram da categoria problemática para a difícil. O Peru
caiu do 110º lugar para o 125º, e a Argentina,
no 66º lugar, desabou 26 posições. Os EUA perderam dez colocações e são agora
problemáticos.
No indicador específico de segurança (um dos
5 avaliados), o Brasil passou da posição 149 para a 109, mas ainda está em
situação vexatória. Na última década, ao menos 30 jornalistas foram
assassinados devido ao exercício da profissão.
A derrota eleitoral de Bolsonaro tornou as relações entre o governo federal e a imprensa menos conturbadas, mas sobram aspectos problemáticos, como o ímpeto punitivista do Judiciário e a vulnerabilidade de profissionais em áreas de risco, sobretudo em cidades pequenas ou regiões em que atua o crime organizado.
Tragédia
não pode ensejar irresponsabilidade
O
Estado de S. Paulo
É
justo que as dívidas do RS com a União sejam suspensas neste momento, mas o
Senado não pode aproveitar a catástrofe para articular moratória dos débitos de
outros Estados
O
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), afirmou ser impossível exigir do
Rio Grande do Sul que mantenha em dia o pagamento de suas dívidas com a União
em meio à tragédia que acomete o Estado. Devastado pelas chuvas, o Estado pediu
ao governo a suspensão da parcela mensal e dos encargos financeiros da dívida
durante a reconstrução – algo que, segundo o governo gaúcho, somaria R$ 3,5
bilhões anuais. Trata-se de um pleito razoável ante o caos que tomou conta do
Rio Grande do Sul.
É
verdade que o governador Eduardo Leite já pedia condições mais vantajosas para
pagar as dívidas antes mesmo do desastre, mas é inegável que o contexto com o
qual o Estado trabalhava mudou drasticamente desde a semana passada. Uma
demanda que antes soava inoportuna se tornou plenamente justificável agora que
mais da metade dos municípios gaúchos foi severamente afetada pelas inundações.
Milhares
de pessoas estão desalojadas ou em abrigos, 130 estão desaparecidas e há, pelo
menos, 90 mortes confirmadas. À destruição da infraestrutura de serviços
públicos essenciais que dificulta a chegada de mantimentos, somase o banditismo
daqueles que se aproveitam da calamidade para saquear residências e comércios,
em um verdadeiro cenário de guerra.
O
pior é que a crise, infelizmente, está muito longe do fim. As enchentes que
ainda acometem boa parte da região metropolitana de Porto Alegre podem afetar,
muito em breve, municípios localizados na região sul do Estado, para onde a
água deve fluir nos próximos dias e semanas.
Elaborado
muito antes da catástrofe climática, o plano por meio do qual o governo gaúcho
aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) impõe desembolsos mensais pesados,
com os quais o Estado não tem a menor condição de arcar neste momento, e muitas
restrições à obtenção de financiamentos, contratação de funcionários,
realização de obras e autorização para gastos emergenciais.
Não
será possível reconstruir o Estado sem que essas vedações sejam temporariamente
levantadas, o que não dispensa a necessidade de fiscalização rigorosa da
execução dessas despesas para garantir que o dinheiro chegue aonde precisa
chegar. Dito isso, a tragédia gaúcha tampouco pode ser usada para articular um
descarado perdão – mais um – a Estados que se converteram em devedores
contumazes. Há, no entanto, alguns indícios de que essa via infame pode estar
em vias de construção.
Ao
participar ontem de um seminário sobre o programa Juros por Educação, por meio
do qual o governo federal pretende exigir investimentos no ensino público dos
Estados beneficiados pela renegociação, o secretário do Tesouro Nacional,
Rogério Ceron, disse que alguns precisam de um “olhar especial” em razão de
fragilidades graves. Além do Rio Grande do Sul, Ceron mencionou os casos de
Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ele ponderou, no entanto, que esse processo
requer cuidado para “não repetir os erros do passado”.
Coincidências
não existem. Também ontem, o senador Rodrigo Pacheco disse ter se reunido com o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir o que ele considera ser “o
maior problema federativo” do País atualmente. Segundo Pacheco, a Fazenda
estaria comprometida com a elaboração de uma solução para o caso específico do
Rio Grande do Sul.
Uma
proposta “estruturante” para os demais Estados, no entanto, não seria
apresentada pelo governo, mas pelo Senado – provavelmente pelo próprio Pacheco.
A ideia seria criar um formato que garanta prazos e indexadores mais favoráveis
ao pagamento das dívidas dos demais Estados sem que seja preciso aderir ao RRF,
que impõe contrapartidas como a limitação de despesas com pessoal e a
privatização de estatais.
Não
é preciso ser um profeta para imaginar que essa proposta tem tudo para ser uma
temeridade que custará caro à União. Pacheco, afinal, é pré-candidato ao
governo do Estado em 2026 e parte mais do que interessada no acordo mais
vantajoso possível para o encalacrado Estado de Minas Gerais. Não deveria ser
necessário dizer que tragédias não podem se converter em oportunidade para
perdoar a irresponsabilidade fiscal.
Toffoli
está zangado com o jornalismo
O
Estado de S. Paulo
Ministro
do STF considera ‘inadequadas, incorretas e injustas’ as reportagens sobre as
viagens dele e de alguns de seus colegas bancadas por empresas com interesse em
decisões do tribunal
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli se zangou com a
revelação de que ele e dois de seus colegas, os ministros Alexandre de Moraes e
Gilmar Mendes, entre outras autoridades, foram a Londres discutir os rumos do
País num tal “Fórum Brasil de Ideias”. Como já se sabe, a viagem foi cercada de
luxos bancados por empresas privadas que têm interesses envolvidos em ações na
Corte. O Estadão revelou que uma delas, a British American Tobacco, tem ao
menos dois processos em curso no STF e é parte interessada em outro, relatado
pelo próprio Toffoli. Mas, ao que parece, o conflito de interesses e a
imoralidade desse convescote transatlântico aborrecem menos o ministro do que o
trabalho do jornalismo profissional.
Em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo – concedida no dia 6 passado em Madri,
onde estava para participar de mais um desses colóquios internacionais –,
Toffoli classificou as reportagens sobre as recentes viagens de alguns
ministros à Europa como sendo “absolutamente inadequadas, incorretas e
injustas”. Sobre o que, de fato, haveria de inadequação, incorreção ou
injustiça no que foi publicado, o ministro nada disse. E, a rigor, nem poderia,
pois nenhum veículo de comunicação sério apresentou à sociedade mentiras,
omissões ou distorções dos fatos tais como eles se deram. Se não por zelo com a
imagem do STF, da qual deriva sua credibilidade, o convite deveria ter sido
recusado por pudor. E não se estaria tratando de “injustiça” alguma.
À
guisa de justificar suas críticas à imprensa profissional – essa instituição
impertinente que, ora vejam, insiste em lançar luz sobre informações de
interesse público que constrangem os poderosos –, Toffoli alegou que o STF “é o
tribunal que, no ano passado, tomou colegiadamente mais de 15 mil decisões”. O
que o ministro quis dizer com isso? Que o fato de o STF cumprir sua missão
constitucional, nada além disso, teria o condão de apagar o laivo de indecência
que macula essas viagens às expensas de lobistas interessados em decisões que
os próprios ministros haverão de tomar? Francamente.
Que
fique claro: autoridades políticas ou judiciárias não só podem, como devem
discutir questões teóricas ligadas ao País, ao seu desenvolvimento e,
sobretudo, ao progresso humano dos brasileiros, onde quer que seja. O problema,
por óbvio, não são as viagens por si sós, mas a adulação dos ministros de
tribunais superiores que costuma marcar essa espécie de turismo
acadêmico-judicial. Em geral, as mordomias oferecidas nesses eventos servem
para criar um ambiente de simpatia, para dizer o mínimo, entre juízes e partes
que, ao fim e ao cabo, mancha a integridade da Justiça.
Portanto,
em vez de ficar bravo com a imprensa ou, pior, se arvorar em “editor de um país
inteiro”, como disse em 2020 sobre o que entendia ser um dos papéis de ministro
do STF, Toffoli serviria melhor ao Brasil se fizesse o autoexame de seu
comportamento como ministro e, quem sabe, levasse outros colegas pelo mesmo bom
caminho da autocontenção e do republicanismo. Este jornal se sente confortável
em fazer essa recomendação porque foi, inegavelmente, uma das vozes mais
contundentes a sair em defesa do STF quando a instituição se viu atacada pelos
inimigos da democracia dispostos a desmoralizála para fins golpistas. A
desmoralização endógena, contudo, pode ser tão ou mais nociva para a
legitimidade do Supremo perante a sociedade – e do Poder Judiciário, em geral –
do que a cruzada difamatória encampada pelos liberticidas.
Curiosamente,
o momento que Toffoli escolheu para criticar o trabalho da imprensa
profissional no Brasil coincidiu com a entrega do célebre Prêmio Pulitzer, nos
EUA. Na categoria “serviço público”, a honraria foi para a agência de
jornalismo investigativo ProPublica, responsável por revelar o compadrio entre
dois juízes da Suprema Corte norte-americana – Clarence Thomas e Samuel Alito –
e empresários bilionários interessados em se aproximar dos magistrados por
interesses privados.
A
biruta da desoneração
O
Estado de S. Paulo
Receita prepara reoneração imediata da folha de pagamentos, prejudicando o planejamento de diversos setores
Hoje,
desoneração da folha de pagamentos. Amanhã, reoneração da folha de pagamentos.
O vaivém em torno de uma questão tributária tão complexa explicita o cenário de
insegurança jurídica para o empresariado. No Brasil, o que vale hoje não vale
amanhã – tudo ao sabor dos ventos e, sobretudo nos tempos atuais, das canetadas
de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A
decisão de Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Lula da Silva na Lava
Jato, de suspender, em 25 de abril, trechos da lei que prorroga a desoneração
até 2027 é um exemplo acabado da turbulência. Complica o fato de o ministro ter
sido seguido por quatro colegas: Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto
Barroso e Edson Fachin. Para a lambança jurídica, falta um voto. Após pedido de
vista de Luiz Fux, o caso está suspenso por até 90 dias.
Se
a ideia era dar uma chance para a equipe do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, buscar uma solução pactuada, consensual e negociada, ainda não deu
certo. A Receita Federal dobrou a aposta e exige das empresas o recolhimento da
alíquota cheia da contribuição previdenciária já a partir do dia 20 de maio
referente ao mês de abril – assim, praticamente da noite para o dia.
A
posição da Receita Federal prejudica o planejamento de 17 setores econômicos. O
benefício fiscal substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%
incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita
bruta. A iniciativa já foi prorrogada sucessivas vezes. A reoneração imediata,
sem que as empresas pudessem se preparar, pode significar o caos.
Vale
sempre lembrar que a decisão monocrática de Zanin, que ainda não foi
referendada pelo STF, suspendeu uma iniciativa por duas vezes chancelada pelo
Congresso. Deputados e senadores aprovaram a prorrogação, e esses mesmos
deputados e senadores derrubaram o veto de Lula da Silva contra a desoneração.
Agora,
o governo, inconformado com as seguidas derrotas, conta com o STF para
emparedar empresas que já haviam se planejado conforme o regime referendado
pelo Congresso. Diante de tamanha instabilidade, parlamentares buscam medidas
paliativas com o objetivo de adiar a reoneração.
Entre
as propostas, segundo o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor da
prorrogação da desoneração, está a propositura de um projeto de lei para adiar
por 90 dias a cobrança cheia. Há ainda quem alimente esperança de reverter a
decisão do STF, como o deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente
Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS).
Enquanto isso, empresários pressionam a Receita Federal a postergar a cobrança e não descartam a convocação de um ato com as centrais sindicais. Acossados, pedem que haja bom senso. Afinal, nada pior para o desenvolvimento do País, tão desejado por Lula e Haddad, do que a insegurança jurídica.
Corte menor da Selic manterá pesada carga de
juros na dívida
Valor Econômico
Governo tem condições de melhorar essa conta, mas para isso precisaria dar sinais eloquentes de que se preocupa de fato com déficits fiscais e cumprimento de metas de inflação
Os investidores aumentaram as apostas na
elevação de juros de longo prazo, empurrando a curva futura do custo do
dinheiro para além de 6% acima da inflação, taxa severamente restritiva para a
economia brasileira. A mudança das metas fiscais foi o principal fator
doméstico para a reavaliação. A cautela do Federal Reserve americano em iniciar
o ciclo de queda dos juros acabou colocando um piso para a redução dos juros
domésticos nos cálculos dos mercados financeiros. A calibragem dos juros
brasileiros em função desses dois fatores será feita hoje na reunião do Comitê
de Política Monetária. O Banco Central mudou sua orientação unívoca, de mais um
corte de 0,5 ponto percentual, para um horizonte aberto de possibilidades.
O boletim Focus divulgado na segunda-feira
mostrou algo desagradável: as expectativas sobre a inflação futura, que nunca
chegaram a coincidir com a meta para os próximos anos, de 3%, começaram a se
afastar do alvo. Paradas em 3,5% há meses, subiram para 3,64% em 2025, ano para
o qual está voltada agora a política monetária, indicando uma desancoragem
maior. Tanto na coleta do Focus quanto nas enquetes feitas pelo Valor, a
taxa de juros ao fim de 2025 e 2026 está aumentando.
Pesquisa feita pelo Valor com 118
instituições financeiras e consultorias revelou que a mediana das expectativas
para a taxa Selic em 2024 será de 9,75%, uma alta significativa de 0,75 ponto
percentual em relação às previsões de março. A maioria dos consultados prevê um
corte de 0,25 ponto percentual na reunião de hoje, ante 41 instituições que
acreditam que o BC seguirá a orientação dada pelo último encontro, de 0,5
ponto. Mesmo assim, entre as instituições, não há mais quem acredite que os
juros encerrarão o ano abaixo de 9%, como nas pesquisas anteriores, onde se
vislumbrava redução para até 8,5%.
Enquanto o cenário externo se torna mais
incerto, a inflação doméstica, ao contrário, segue em queda, embora lenta. O
IPCA de março ficou abaixo das expectativas, em 0,16%, e atingiu em doze meses
3,93%, ainda distante da meta. O índice se cercou de boas notícias, como a
redução dos núcleos de inflação, inclusive o de serviços, e do grau de difusão
do reajuste de preços. De qualquer forma, não é um resultado seguro. O mercado
de trabalho está aquecido, a taxa de desemprego é a menor desde 2015, e o rendimento
médio do trabalhador subiu 4% acima da inflação, o que levanta o temor de que
esse aumento de custos para as empresas será repassado mais à frente aos
preços.
Tudo dependerá do crescimento da economia. As
previsões encostaram em 2%, com viés de alta. Se o PIB ficar pelo terceiro ano
consecutivo acima do que é estimado como seu potencial (1,9%), há chances de
que a inflação demore bem mais a cair ou até se eleve um pouco. O desastre
climático no Rio Grande do Sul contribui com um fator pontual negativo: as
inundações elevarão momentaneamente preços de alguns alimentos, notadamente o
arroz, do qual é o maior produtor. Especialistas estimam um efeito de até 0,2 ponto
percentual no IPCA, com margem para surpresas. O problema é que as projeções
para o IPCA do ano já estavam em alta.
O motivo principal para as revisões, a
mudança da meta fiscal, aparece como discreto coadjuvante nas últimas atas do
Copom, possivelmente para não provocar nova onda de ataques ao Banco Central
impulsionada pelo Planalto. Mas se o BC estacionar os juros no nível sugerido
pelo boletim Focus, a própria situação fiscal deve piorar. A evolução das
contas públicas em março, divulgada ontem pelo BC, dá uma ideia aproximada do
custo da política de juros muito altos vigentes. Nos doze meses encerrados no
mês passado, a carga financeira da dívida bruta do governo geral atingiu R$
745,7 bilhões, ou 6,76% do PIB. O déficit nominal, que soma o resultado
primário deficitário (R$ 252,9 bilhões) com os compromissos financeiros,
encostou em R$ 1 trilhão e não dá sinais de que vá encolher a curto prazo.
No que se refere ao déficit nominal, as
estimativas do mercado consideram uma Selic ao fim do ano 0,75 ponto percentual
acima do previsto anteriormente, em março, o que significa que o Tesouro estará
pagando mais R$ 33,85 bilhões do que desembolsaria se as expectativas do Focus
não piorassem e fossem ratificadas pelo Copom. Da mesma forma, o dólar se
valorizou em relação ao real em 4,42% no ano até ontem, e, a julgar pelas
indicações dos analistas, pode até ir um pouco mais longe. Mantida essa
variação atual até o fim do ano, a conta acrescentaria mais R$ 42 bilhões na
dívida bruta. Juntos, são mais R$ 75 bilhões no endividamento.
O governo tem condições de melhorar essas contas, caso se convença de que não deve aumentar seus gastos e tente seriamente cumprir a meta de déficit zero este ano. Fazê-lo possibilitaria queda maior dos juros, redução do déficit nominal, menor necessidade de financiamento e possivelmente alguma valorização do real. Para isso, precisaria dar sinais eloquentes de que se preocupa de fato com déficits fiscais e cumprimento de metas de inflação.
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