quarta-feira, 8 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Tragédia exige plano de longo prazo do Congresso

O Globo

Liberar recursos na emergência é essencial. Mas é preciso criar espaço fiscal para investir em prevenção

A resposta do Congresso à catástrofe ambiental, humanitária e material do Rio Grande do Sul tem sido até aqui positiva. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acompanharam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao estado no final de semana. De lá para cá, os parlamentares se debruçaram sobre o pedido de decreto de calamidade pública válido até 31 de dezembro. É mesmo necessário evitar que amarras burocráticas dificultem a liberação de recursos em momento tão urgente.

A devastação provocada pelas chuvas levou Executivo e Legislativo a concordar em liberar recursos fora do limite imposto pelas regras fiscais. Não se trata de atropelo da lei. A Constituição e a legislação permitem abrir crédito extraordinário em situações de calamidade. As demandas dos gaúchos são tão dramáticas que atendê-las da forma mais ágil possível deve ser prioridade.

A enchente, as mortes, os desabrigados, a devastação de cidades, bairros, barragens, estradas, viadutos, pontes, ruas, aeroportos, casas, escolas, universidades, fábricas e lojas se deram em escala inédita. Os danos seriam enormes ainda que tivessem sido tomadas todas as precauções, mas certamente seriam menores. Como não houve medidas preventivas, a situação se agravou.

Por isso a tragédia traz também uma lição aos congressistas. Eventos climáticos extremos têm sido mais frequentes e serão ainda mais intensos à medida que a temperatura global aumentar. O futuro próximo será pior que o presente. Não dá, portanto, para alegar ignorância e reagir apenas depois da enchente, da onda de calor ou da crise hídrica. Catástrofes inéditas na escala da gaúcha sempre provocarão danos. O que está ao alcance do país é trabalhar antes que ocorram para que as consequências sejam as menores possíveis. Não é o que vem acontecendo. E isso é dever não só do Executivo, mas também do Parlamento.

O Congresso controla 20% dos recursos livres do Orçamento, com a soma de diferentes tipos de emenda. Tal prática pulveriza o gasto de acordo com interesses paroquiais. Não há análise de custo e benefício para determinar prioridades, nem plano envolvendo áreas extensas. Tudo é pensado para agradar ao eleitor local. A lógica é antagônica à do planejamento regional, com base técnica, capaz de lidar com rios acima do nível normal, secas prolongadas ou deslocamento de população e víveres em emergências.

A enchente no Sul revelou a falta de planejamento e preparo para tragédias climáticas e comprovou, entre outras coisas, por que não tem cabimento o Parlamento flexibilizar normas ambientais. Mas ela também expôs a aberração em que se transformou o Orçamento. Diante da escassez de recursos para os gaúchos, fica ainda mais eloquente o despropósito de derrubar o veto presidencial a R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares ou de aprovar uma PEC com mais privilégios a juízes.

A situação dramática mostra por que a questão fiscal é tão importante: a realidade impõe escolhas. Não adianta fingir que há dinheiro para tudo. Por isso, além das despesas emergenciais essenciais para atender às demandas da população do Sul, os parlamentares deveriam se dedicar desde já a desenvolver um plano nacional consistente de prevenção para tragédias, com envolvimento de estados e municípios. Do contrário, na hora da emergência, o custo sempre será bem maior.

Diante da chuva, governo hesitou para adiar Concurso Nacional Unificado

O Globo

Até quinta-feira, Ministério da Gestão informava que prova seria mesmo no domingo, apesar das enchentes no Sul

O governo administrou mal a aplicação do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) diante das enchentes no Sul. O exame, apelidado “Enem dos concursos”, estava previsto para o último domingo em 288 cidades do país. Apenas na sexta-feira, a ministra da Gestão, Esther Dweck, informou o adiamento, uma vez que seria impossível aplicar a prova no Rio Grande do Sul, onde cidades como a capital Porto Alegre enfrentam a maior cheia de sua história. Ainda não foi marcada nova data.

Não se questiona a decisão de adiar o concurso, já que os 80 mil candidatos gaúchos seriam inevitavelmente prejudicados. O que impressiona é a dificuldade do governo para lidar com o assunto. Na quinta-feira, o Ministério da Gestão informava que o CPNU seria mantido, apesar de todas as evidências de que não havia a menor condição para aplicá-lo no Rio Grande do Sul.

Brasília deveria saber que milhares de moradores tiveram de deixar suas casas, que a rodoviária e o aeroporto de Porto Alegre estão fechados, que cidades permanecem isoladas, que crateras se abriram nas principais estradas interrompendo o tráfego, que os gaúchos enfrentam falta de serviços básicos, como luz e água. Deslocamentos obviamente são impensáveis. Tanto que a CBF já adiara as partidas dos times gaúchos.

Compreende-se que não é tarefa simples adiar um concurso de abrangência nacional planejado há meses. As provas já haviam sido enviadas às capitais dos estados e eram distribuídas sob forte esquema de segurança. Estima-se que 65% já estavam nos locais onde seriam aplicadas. O ministério diz que a ideia agora é que sejam recolhidas e armazenadas em local seguro até a nova data. O ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, calcula uma despesa adicional de R$ 50 milhões com o imprevisto.

Antes da decisão pelo adiamento, foram discutidos também aspectos jurídicos. Os editais do concurso não preveem reaplicação da prova em locais específicos, mesmo em casos de desastres naturais, omissão que precisará ser reparada nos próximos exames. A alegação é que não seria possível oferecer outra prova com o mesmo nível de dificuldade, pois não existe um banco de questões. Pelas regras, quem perdesse a prova poderia apenas pedir de volta o valor da inscrição. Mas é evidente que manter a prova ensejaria judicialização por parte dos candidatos gaúchos.

A demora do governo para tomar uma decisão óbvia, anunciada apenas dois dias antes das provas, afetou os candidatos. Por mais que o adiamento tenha sido amplamente noticiado, muitos não ficaram sabendo e compareceram. Embora o ministério afirme ter avisado todos até a véspera, um candidato disse ter recebido o e-mail apenas às 23h50 de sábado.

A confusão desnecessária em torno do concurso poderia ter sido minimizada se o governo tivesse agido rápido. O certo agora é marcar uma nova data para os 2,14 milhões de inscritos fazerem a prova em igualdade de condições. Ao menos, era essa a ideia quando se pensou num concurso unificado.

Ministros dão mostras de sensatez, Lula não

Folha de S. Paulo

Planejamento e Fazenda fomentam debate crucial sobre controle de gastos, mas chefe de governo volta a preferir demagogia

Há um descompasso evidente na política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto as pastas da Fazenda e do Planejamento dão sinais de compreender a necessidade de mudar as atuais regras insustentáveis de expansão do gasto público, o presidente da República volta a alimentar o descrédito nos planos de ajuste.

As demonstrações mais explícitas de sensatez partiram da ministra Simone Tebet, do Planejamento, em entrevista ao jornal Valor Econômico. Ali, mesmo medindo palavras, ela expõe o avanço de estudos internos para a contenção de despesas "no atacado".

Entre elas destaca-se a desvinculação entre o salário mínimo e os benefícios previdenciários e sociais. Outra providência, também considerada correta por esta Folha, seria rever os desembolsos mínimos em educação, corrigidos pelo crescimento da receita.

Já Fernando Haddad, da Fazenda, fez um movimento importante ao recomendar publicamente a leitura de um artigo de Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas.

No texto, o economista defende medidas de aumento de arrecadação, base da estratégia governista, mas também desatrelar o mínimo da Previdência e alterar os pisos da educação e da saúde.

Nada disso deveria ser encarado como retrocesso nas políticas sociais —ao contrário, trata-se de estabelecer prioridades, preservando recursos para os estratos mais carentes, e evitar que um novo colapso orçamentário eleve a inflação, os juros, o desemprego e a pobreza.

A valorização do salário mínimo terá mais condições de prosseguir se deixar de sobrecarregar as contas do INSS, garantida a correção das aposentadorias pela inflação.

As dotações para saúde e educação devem ser estabelecidas à luz da situação orçamentária e de metas setoriais. As transformações demográficas implicarão maior necessidade de recursos para a primeira e menor para a segunda.

Alheio às preocupações expressadas por seus auxiliares, Lula se entrega à demagogia inconsequente. Em entrevista a emissoras de rádio nesta terça (7), desdenhou das metas fiscais e fez comparação descabida entre a dívida pública brasileira —excessiva para um país emergente— e as de países ricos que pagam juros muito menores.

Declarações como essas, repetidas desde o início do governo, fazem despencar a credibilidade da política econômica, cujas diretrizes são de responsabilidade intransferível do Executivo federal.

Compreende-se assim por que Haddad, em meio esforço inglório de advogar a busca pelo equilíbrio do Orçamento, limita suas cobranças a um Congresso de fato perdulário. O ministro, afinal, não pode culpar o próprio chefe.

Percalços jornalísticos

Folha de S. Paulo

Brasil sobe em ranking da liberdade de imprensa, mas ainda enfrenta problemas

No recém-divulgado ranking mundial da liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil subiu dez posições em comparação ao ano anterior e está em um ainda modesto 82º lugar entre 180 países avaliados.

As nações são divididas em cinco situações: boa, relativamente boa, problemática, difícil e muito grave. Em 2021, pela primeira vez em 20 anos, o Brasil ficou na categoria difícil —antes e depois, sempre foi classificado como problemático.

De fato, como aponta o relatório da RSF, dado o discurso agressivo de Bolsonaro e suas hostes contra veículos e jornalistas, houve melhora —ao menos no comportamento do Executivo federal.

Contudo o texto não trata do recente avanço do Supremo Tribunal Federal sobre a atividade, a partir de decisões monocráticas que suspenderam contas das redes sociais, inclusive de jornalistas, a partir de critérios pouco transparentes.

Outro fator que contribuiu para a ascensão brasileira foi a piora de outros países. A polarização política e a ascensão de governos populistas, de direita e de esquerda, têm levado à deterioração paulatina da defesa do direito à informação na última década.

A Itália passou do 41º para o 46º lugar. Nas Américas, mais da metade dos países apresentaram piora.
Venezuela, Honduras, Nicarágua e Cuba se mantiveram na situação muito grave, mas Paraguai e Equador saíram da categoria problemática para a difícil. O Peru caiu do 110º lugar para o 125º, e a Argentina, no 66º lugar, desabou 26 posições. Os EUA perderam dez colocações e são agora problemáticos.

No indicador específico de segurança (um dos 5 avaliados), o Brasil passou da posição 149 para a 109, mas ainda está em situação vexatória. Na última década, ao menos 30 jornalistas foram assassinados devido ao exercício da profissão.

A derrota eleitoral de Bolsonaro tornou as relações entre o governo federal e a imprensa menos conturbadas, mas sobram aspectos problemáticos, como o ímpeto punitivista do Judiciário e a vulnerabilidade de profissionais em áreas de risco, sobretudo em cidades pequenas ou regiões em que atua o crime organizado.

Tragédia não pode ensejar irresponsabilidade

O Estado de S. Paulo

É justo que as dívidas do RS com a União sejam suspensas neste momento, mas o Senado não pode aproveitar a catástrofe para articular moratória dos débitos de outros Estados

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), afirmou ser impossível exigir do Rio Grande do Sul que mantenha em dia o pagamento de suas dívidas com a União em meio à tragédia que acomete o Estado. Devastado pelas chuvas, o Estado pediu ao governo a suspensão da parcela mensal e dos encargos financeiros da dívida durante a reconstrução – algo que, segundo o governo gaúcho, somaria R$ 3,5 bilhões anuais. Trata-se de um pleito razoável ante o caos que tomou conta do Rio Grande do Sul.

É verdade que o governador Eduardo Leite já pedia condições mais vantajosas para pagar as dívidas antes mesmo do desastre, mas é inegável que o contexto com o qual o Estado trabalhava mudou drasticamente desde a semana passada. Uma demanda que antes soava inoportuna se tornou plenamente justificável agora que mais da metade dos municípios gaúchos foi severamente afetada pelas inundações.

Milhares de pessoas estão desalojadas ou em abrigos, 130 estão desaparecidas e há, pelo menos, 90 mortes confirmadas. À destruição da infraestrutura de serviços públicos essenciais que dificulta a chegada de mantimentos, somase o banditismo daqueles que se aproveitam da calamidade para saquear residências e comércios, em um verdadeiro cenário de guerra.

O pior é que a crise, infelizmente, está muito longe do fim. As enchentes que ainda acometem boa parte da região metropolitana de Porto Alegre podem afetar, muito em breve, municípios localizados na região sul do Estado, para onde a água deve fluir nos próximos dias e semanas.

Elaborado muito antes da catástrofe climática, o plano por meio do qual o governo gaúcho aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) impõe desembolsos mensais pesados, com os quais o Estado não tem a menor condição de arcar neste momento, e muitas restrições à obtenção de financiamentos, contratação de funcionários, realização de obras e autorização para gastos emergenciais.

Não será possível reconstruir o Estado sem que essas vedações sejam temporariamente levantadas, o que não dispensa a necessidade de fiscalização rigorosa da execução dessas despesas para garantir que o dinheiro chegue aonde precisa chegar. Dito isso, a tragédia gaúcha tampouco pode ser usada para articular um descarado perdão – mais um – a Estados que se converteram em devedores contumazes. Há, no entanto, alguns indícios de que essa via infame pode estar em vias de construção.

Ao participar ontem de um seminário sobre o programa Juros por Educação, por meio do qual o governo federal pretende exigir investimentos no ensino público dos Estados beneficiados pela renegociação, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que alguns precisam de um “olhar especial” em razão de fragilidades graves. Além do Rio Grande do Sul, Ceron mencionou os casos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Ele ponderou, no entanto, que esse processo requer cuidado para “não repetir os erros do passado”.

Coincidências não existem. Também ontem, o senador Rodrigo Pacheco disse ter se reunido com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir o que ele considera ser “o maior problema federativo” do País atualmente. Segundo Pacheco, a Fazenda estaria comprometida com a elaboração de uma solução para o caso específico do Rio Grande do Sul.

Uma proposta “estruturante” para os demais Estados, no entanto, não seria apresentada pelo governo, mas pelo Senado – provavelmente pelo próprio Pacheco. A ideia seria criar um formato que garanta prazos e indexadores mais favoráveis ao pagamento das dívidas dos demais Estados sem que seja preciso aderir ao RRF, que impõe contrapartidas como a limitação de despesas com pessoal e a privatização de estatais.

Não é preciso ser um profeta para imaginar que essa proposta tem tudo para ser uma temeridade que custará caro à União. Pacheco, afinal, é pré-candidato ao governo do Estado em 2026 e parte mais do que interessada no acordo mais vantajoso possível para o encalacrado Estado de Minas Gerais. Não deveria ser necessário dizer que tragédias não podem se converter em oportunidade para perdoar a irresponsabilidade fiscal.

Toffoli está zangado com o jornalismo

O Estado de S. Paulo

Ministro do STF considera ‘inadequadas, incorretas e injustas’ as reportagens sobre as viagens dele e de alguns de seus colegas bancadas por empresas com interesse em decisões do tribunal

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli se zangou com a revelação de que ele e dois de seus colegas, os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, entre outras autoridades, foram a Londres discutir os rumos do País num tal “Fórum Brasil de Ideias”. Como já se sabe, a viagem foi cercada de luxos bancados por empresas privadas que têm interesses envolvidos em ações na Corte. O Estadão revelou que uma delas, a British American Tobacco, tem ao menos dois processos em curso no STF e é parte interessada em outro, relatado pelo próprio Toffoli. Mas, ao que parece, o conflito de interesses e a imoralidade desse convescote transatlântico aborrecem menos o ministro do que o trabalho do jornalismo profissional.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo – concedida no dia 6 passado em Madri, onde estava para participar de mais um desses colóquios internacionais –, Toffoli classificou as reportagens sobre as recentes viagens de alguns ministros à Europa como sendo “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”. Sobre o que, de fato, haveria de inadequação, incorreção ou injustiça no que foi publicado, o ministro nada disse. E, a rigor, nem poderia, pois nenhum veículo de comunicação sério apresentou à sociedade mentiras, omissões ou distorções dos fatos tais como eles se deram. Se não por zelo com a imagem do STF, da qual deriva sua credibilidade, o convite deveria ter sido recusado por pudor. E não se estaria tratando de “injustiça” alguma.

À guisa de justificar suas críticas à imprensa profissional – essa instituição impertinente que, ora vejam, insiste em lançar luz sobre informações de interesse público que constrangem os poderosos –, Toffoli alegou que o STF “é o tribunal que, no ano passado, tomou colegiadamente mais de 15 mil decisões”. O que o ministro quis dizer com isso? Que o fato de o STF cumprir sua missão constitucional, nada além disso, teria o condão de apagar o laivo de indecência que macula essas viagens às expensas de lobistas interessados em decisões que os próprios ministros haverão de tomar? Francamente.

Que fique claro: autoridades políticas ou judiciárias não só podem, como devem discutir questões teóricas ligadas ao País, ao seu desenvolvimento e, sobretudo, ao progresso humano dos brasileiros, onde quer que seja. O problema, por óbvio, não são as viagens por si sós, mas a adulação dos ministros de tribunais superiores que costuma marcar essa espécie de turismo acadêmico-judicial. Em geral, as mordomias oferecidas nesses eventos servem para criar um ambiente de simpatia, para dizer o mínimo, entre juízes e partes que, ao fim e ao cabo, mancha a integridade da Justiça.

Portanto, em vez de ficar bravo com a imprensa ou, pior, se arvorar em “editor de um país inteiro”, como disse em 2020 sobre o que entendia ser um dos papéis de ministro do STF, Toffoli serviria melhor ao Brasil se fizesse o autoexame de seu comportamento como ministro e, quem sabe, levasse outros colegas pelo mesmo bom caminho da autocontenção e do republicanismo. Este jornal se sente confortável em fazer essa recomendação porque foi, inegavelmente, uma das vozes mais contundentes a sair em defesa do STF quando a instituição se viu atacada pelos inimigos da democracia dispostos a desmoralizála para fins golpistas. A desmoralização endógena, contudo, pode ser tão ou mais nociva para a legitimidade do Supremo perante a sociedade – e do Poder Judiciário, em geral – do que a cruzada difamatória encampada pelos liberticidas.

Curiosamente, o momento que Toffoli escolheu para criticar o trabalho da imprensa profissional no Brasil coincidiu com a entrega do célebre Prêmio Pulitzer, nos EUA. Na categoria “serviço público”, a honraria foi para a agência de jornalismo investigativo ProPublica, responsável por revelar o compadrio entre dois juízes da Suprema Corte norte-americana – Clarence Thomas e Samuel Alito – e empresários bilionários interessados em se aproximar dos magistrados por interesses privados.

A biruta da desoneração

O Estado de S. Paulo

Receita prepara reoneração imediata da folha de pagamentos, prejudicando o planejamento de diversos setores

Hoje, desoneração da folha de pagamentos. Amanhã, reoneração da folha de pagamentos. O vaivém em torno de uma questão tributária tão complexa explicita o cenário de insegurança jurídica para o empresariado. No Brasil, o que vale hoje não vale amanhã – tudo ao sabor dos ventos e, sobretudo nos tempos atuais, das canetadas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A decisão de Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Lula da Silva na Lava Jato, de suspender, em 25 de abril, trechos da lei que prorroga a desoneração até 2027 é um exemplo acabado da turbulência. Complica o fato de o ministro ter sido seguido por quatro colegas: Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Para a lambança jurídica, falta um voto. Após pedido de vista de Luiz Fux, o caso está suspenso por até 90 dias.

Se a ideia era dar uma chance para a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscar uma solução pactuada, consensual e negociada, ainda não deu certo. A Receita Federal dobrou a aposta e exige das empresas o recolhimento da alíquota cheia da contribuição previdenciária já a partir do dia 20 de maio referente ao mês de abril – assim, praticamente da noite para o dia.

A posição da Receita Federal prejudica o planejamento de 17 setores econômicos. O benefício fiscal substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. A iniciativa já foi prorrogada sucessivas vezes. A reoneração imediata, sem que as empresas pudessem se preparar, pode significar o caos.

Vale sempre lembrar que a decisão monocrática de Zanin, que ainda não foi referendada pelo STF, suspendeu uma iniciativa por duas vezes chancelada pelo Congresso. Deputados e senadores aprovaram a prorrogação, e esses mesmos deputados e senadores derrubaram o veto de Lula da Silva contra a desoneração.

Agora, o governo, inconformado com as seguidas derrotas, conta com o STF para emparedar empresas que já haviam se planejado conforme o regime referendado pelo Congresso. Diante de tamanha instabilidade, parlamentares buscam medidas paliativas com o objetivo de adiar a reoneração.

Entre as propostas, segundo o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor da prorrogação da desoneração, está a propositura de um projeto de lei para adiar por 90 dias a cobrança cheia. Há ainda quem alimente esperança de reverter a decisão do STF, como o deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS).

Enquanto isso, empresários pressionam a Receita Federal a postergar a cobrança e não descartam a convocação de um ato com as centrais sindicais. Acossados, pedem que haja bom senso. Afinal, nada pior para o desenvolvimento do País, tão desejado por Lula e Haddad, do que a insegurança jurídica.

Corte menor da Selic manterá pesada carga de juros na dívida

Valor Econômico

Governo tem condições de melhorar essa conta, mas para isso precisaria dar sinais eloquentes de que se preocupa de fato com déficits fiscais e cumprimento de metas de inflação

Os investidores aumentaram as apostas na elevação de juros de longo prazo, empurrando a curva futura do custo do dinheiro para além de 6% acima da inflação, taxa severamente restritiva para a economia brasileira. A mudança das metas fiscais foi o principal fator doméstico para a reavaliação. A cautela do Federal Reserve americano em iniciar o ciclo de queda dos juros acabou colocando um piso para a redução dos juros domésticos nos cálculos dos mercados financeiros. A calibragem dos juros brasileiros em função desses dois fatores será feita hoje na reunião do Comitê de Política Monetária. O Banco Central mudou sua orientação unívoca, de mais um corte de 0,5 ponto percentual, para um horizonte aberto de possibilidades.

O boletim Focus divulgado na segunda-feira mostrou algo desagradável: as expectativas sobre a inflação futura, que nunca chegaram a coincidir com a meta para os próximos anos, de 3%, começaram a se afastar do alvo. Paradas em 3,5% há meses, subiram para 3,64% em 2025, ano para o qual está voltada agora a política monetária, indicando uma desancoragem maior. Tanto na coleta do Focus quanto nas enquetes feitas pelo Valor, a taxa de juros ao fim de 2025 e 2026 está aumentando.

Pesquisa feita pelo Valor com 118 instituições financeiras e consultorias revelou que a mediana das expectativas para a taxa Selic em 2024 será de 9,75%, uma alta significativa de 0,75 ponto percentual em relação às previsões de março. A maioria dos consultados prevê um corte de 0,25 ponto percentual na reunião de hoje, ante 41 instituições que acreditam que o BC seguirá a orientação dada pelo último encontro, de 0,5 ponto. Mesmo assim, entre as instituições, não há mais quem acredite que os juros encerrarão o ano abaixo de 9%, como nas pesquisas anteriores, onde se vislumbrava redução para até 8,5%.

Enquanto o cenário externo se torna mais incerto, a inflação doméstica, ao contrário, segue em queda, embora lenta. O IPCA de março ficou abaixo das expectativas, em 0,16%, e atingiu em doze meses 3,93%, ainda distante da meta. O índice se cercou de boas notícias, como a redução dos núcleos de inflação, inclusive o de serviços, e do grau de difusão do reajuste de preços. De qualquer forma, não é um resultado seguro. O mercado de trabalho está aquecido, a taxa de desemprego é a menor desde 2015, e o rendimento médio do trabalhador subiu 4% acima da inflação, o que levanta o temor de que esse aumento de custos para as empresas será repassado mais à frente aos preços.

Tudo dependerá do crescimento da economia. As previsões encostaram em 2%, com viés de alta. Se o PIB ficar pelo terceiro ano consecutivo acima do que é estimado como seu potencial (1,9%), há chances de que a inflação demore bem mais a cair ou até se eleve um pouco. O desastre climático no Rio Grande do Sul contribui com um fator pontual negativo: as inundações elevarão momentaneamente preços de alguns alimentos, notadamente o arroz, do qual é o maior produtor. Especialistas estimam um efeito de até 0,2 ponto percentual no IPCA, com margem para surpresas. O problema é que as projeções para o IPCA do ano já estavam em alta.

O motivo principal para as revisões, a mudança da meta fiscal, aparece como discreto coadjuvante nas últimas atas do Copom, possivelmente para não provocar nova onda de ataques ao Banco Central impulsionada pelo Planalto. Mas se o BC estacionar os juros no nível sugerido pelo boletim Focus, a própria situação fiscal deve piorar. A evolução das contas públicas em março, divulgada ontem pelo BC, dá uma ideia aproximada do custo da política de juros muito altos vigentes. Nos doze meses encerrados no mês passado, a carga financeira da dívida bruta do governo geral atingiu R$ 745,7 bilhões, ou 6,76% do PIB. O déficit nominal, que soma o resultado primário deficitário (R$ 252,9 bilhões) com os compromissos financeiros, encostou em R$ 1 trilhão e não dá sinais de que vá encolher a curto prazo.

No que se refere ao déficit nominal, as estimativas do mercado consideram uma Selic ao fim do ano 0,75 ponto percentual acima do previsto anteriormente, em março, o que significa que o Tesouro estará pagando mais R$ 33,85 bilhões do que desembolsaria se as expectativas do Focus não piorassem e fossem ratificadas pelo Copom. Da mesma forma, o dólar se valorizou em relação ao real em 4,42% no ano até ontem, e, a julgar pelas indicações dos analistas, pode até ir um pouco mais longe. Mantida essa variação atual até o fim do ano, a conta acrescentaria mais R$ 42 bilhões na dívida bruta. Juntos, são mais R$ 75 bilhões no endividamento.

O governo tem condições de melhorar essas contas, caso se convença de que não deve aumentar seus gastos e tente seriamente cumprir a meta de déficit zero este ano. Fazê-lo possibilitaria queda maior dos juros, redução do déficit nominal, menor necessidade de financiamento e possivelmente alguma valorização do real. Para isso, precisaria dar sinais eloquentes de que se preocupa de fato com déficits fiscais e cumprimento de metas de inflação.

 

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