O Globo
O caminho para uma dívida menos onerosa e com perfil mais saudável depende de sua redução. E isso requer responsabilidade fiscal
A dívida mobiliária do governo federal voltou
a crescer. Está em R$ 6,64 trilhões, o que representa 60% do PIB; cifra elevada
na comparação com países parecidos. Isso significa que um grande volume de
recursos é direcionado para financiar o governo, em detrimento do investimento
privado.
A dívida elevada tende a ser mais cara,
especialmente em economias não avançadas. Não só o espaço para redução dos
juros básicos do Banco Central é menor, como o prêmio demandado por
investidores é maior.
A decisão de quanto gastar é do governo, mas os juros dependem em grande medida da confiança dos investidores na qualidade da gestão fiscal.
Importantes esforços foram feitos na primeira
década dos anos 2000 para reduzir o estoque da dívida – a dívida mobiliária
saiu de 60% do PIB em 2001 para 40% em 2013. Sucessivos superávits nas contas
do governo (resultado primário, que exclui o pagamento de juros) levaram à
emissão líquida negativa de títulos públicos. Não por coincidência, houve
redução do custo da dívida e da taxa de juros estrutural da política monetária
(ou taxa neutra, que é aquela que mantém a inflação na meta, com a economia
operando sem ociosidade ou uso excessivo dos fatores de produção). Esta última
teria caído de algo como 8,5% ao ano em termos reais em 2001 para cerca de 3,5%
em 2013, de acordo com alguns cálculos do BC.
No entanto, a piora dos resultados fiscais a
partir de 2012, inclusive mascarada por “contabilidade criativa” (como as
“pedaladas”), voltou a exigir emissão líquida de dívida, enquanto seu custo se
elevava, bem como a taxa de juros estrutural. O resultado foi a inflexão na
trajetória da dívida, que voltou a crescer como proporção do PIB. A alta só não
foi maior por conta da própria queda da demanda por títulos públicos, como
reflexo da menor confiança de investidores. Isso acabou acarretando o crescimento
de operações do BC para enxugar o consequente aumento da liquidez da economia,
as chamadas operações compromissadas.
As compromissadas, com estoque atual de mais
de 12% do PIB, atendem a uma demanda por liquidez de curto prazo. Seu
comportamento é um termômetro da confiança de investidores — exceto o período
de grande impulso no seu crescimento, resultante do (acertado) aumento de
reservas internacionais pelo BC, principalmente entre 2005 e 2012 (ao comprar
dólares, o BC injeta reais no sistema, sendo a maior liquidez enxugada por meio
das compromissadas).
Os esforços fiscais a partir de 2016
trouxeram um impacto benigno no custo da dívida, mas a fraqueza da economia,
inclusive com recessão em 2015-16, cobrou seu preço, dificultando a melhora dos
indicadores fiscais. Além disso, houve a necessidade de reconhecer dívidas
associadas às pedaladas dos anos anteriores. Mais importante, e ironicamente, o
ganho de confiança dos investidores aumentou a demanda de papéis do governo,
contendo o crescimento das operações compromissadas (como proporção do PIB).
A pandemia gerou nova onda de gastos e
aumento da dívida, mas ao final de 2022 os indicadores voltaram ao patamar de
2019.
O quadro atual, com déficits primários
elevados e persistentes, renova a preocupação com a dinâmica da dívida. Não só
pela sua elevação, mas pela deterioração adicional do seu perfil.
Do ponto de vista do financiamento do
governo, a situação ideal é que a dívida seja de longo prazo e com taxas
prefixadas no momento da sua emissão. A materialização desse ideal depende das
condições de mercado. Se o ambiente é mais arriscado, com piora de indicadores
fiscais, o custo da dívida se eleva e os investidores dão preferência a papéis
com prazo mais curto e taxas pós-fixadas. Isso limita bastante a capacidade do
Tesouro de melhorar o perfil da dívida.
A participação de títulos prefixados está na
casa de 23% do total, ante 28% ao final de 2022. Considerando o ciclo de corte
de juros do BC, era de se esperar alguma recuperação. São cifras muitos
distantes do pico de 43% em 2013, quando havia maior interesse de estrangeiros
pelo país investment grade.
Em relação aos prazos, o quadro pouco mudou,
mas as operações compromissadas têm crescido como proporção do PIB desde 2022,
o que é um sinal desconfortável.
O caminho para uma dívida menos onerosa e com
perfil mais saudável depende de sua redução. E isso requer responsabilidade
fiscal. Não há atalhos aqui.
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