Folha de S. Paulo
O mais curioso do ponto de
vista comparativo é o fato de que rivais potenciais são da própria coalizão
Rigorosamente falando há pouquíssimos elementos que moldam a atual conjuntura que já não estivessem presentes antes mesmo da investidura formal do atual governo. Trata-se de um governo hiperminoritário, no qual o partido do presidente detém 13% das cadeiras e cujo núcleo duro congressual não chega a ¼ delas. Os problemas fiscais foram gestados antes mesmo da própria investidura presidencial com a aprovação de expansão do gasto de $150 bilhões. Essa insólita e anômala inversão —expandir gasto no início do mandato é padrão universal— já sugeria um governo vulnerável. No derradeiro ano de governo obtém-se assim uma combinação de vulnerabilidades fiscais e políticas.
O traço principal da disputa
presidencial que se inicia é o fato de que o Lula é percebido como pato manco.
O termo está associado a regras institucionais que vedam a postulação à
reeleição de um incumbente. Tecnicamente Lula não é pato manco já que pode
concorrer à reeleição. Mas muitos atores relevantes enxergam possibilidades
efetivas de que não seja reeleito, quaisquer que sejam as razões para isso. O
mais importante aqui são seus efeitos sobre os incentivos. Esses efeitos são
semelhantes para o pato manco clássico e o "pato manco de facto".
Em uma situação em que o
presidente é minoritário e, portanto, tem que contar com uma coalizão de
partidos, o poder gravitacional do presidente reduz-se significativamente na
medida em que suas chances de vitória são declinantes ou nulas. Por isso, o que
importa efetivamente é a tendência de popularidade e avaliação de governo. Além
de obviamente da arquitetura da escolha: quem são os adversários que em última
instância irão para o segundo turno. Parlamentares possuem informação
privilegiada sobre a questão.
No caso de Lula 3,
a fragmentação da frouxa e inédita coalizão de 18 partidos (eram 8 e 9, sob
Lula 1 e 2) vem desde a investidura. Mas se intensificou. Os partidos aguardam
estrategicamente até o ponto em que a defecção é inevitável, para depois
desembarcar do governo. O custo do apoio aumenta. Para garantir alguma
governabilidade ainda em 2025 e no ano eleitoral o governo poderá compartilhar
mais o governo, o que terá como consequência a diluição de sua identidade.
Seria uma derrota auto-inflingida.
Para além do cafezinho frio
da crônica política há sinais mais tangíveis e relevantes de desembarque da
base. O mais saliente deles no atual contexto é a inédita recusa
de pasta ministerial por parte de um líder partidário. Mas o fato de
que na posse do presidente do PSB nesta semana apenas 4 dos 15 parlamentares do
partido da base postaram fotos
com o presidente nas suas redes não passa despercebido.
O mais curioso do ponto de
vista comparativo é o fato inusitado de que rivais potenciais são da própria
coalizão, cujos partidos ocupam ministérios. O governo nunca foi efetivamente
de coalizão no sentido forte da expressão. Não há acordos programáticos, como
por exemplo na Alemanha, mas sobre a distribuição dos spoils of office, como
mostrei aqui. Funciona como uma estrutura de travas mútuas cruzadas. Como
a literatura sobre patos mancos e governos minoritários
sugere, o resultado só não é calamitoso se os custos da inação política
(gridlock) forem menores do que os riscos de medidas por parte do Executivo.
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