Folha de S. Paulo
Desfaçatez do Senado atingiu nível tão abjeto
que conseguiu reunir oposição mais ampla do que o esperado
Em tempos de radicalização e divisão
política, é raro ver alguma pauta que una políticos de esquerda e direita.
Mesmo dentro do chamado campo progressista ou democrático, há conflitos que
parecem irreconciliáveis.
A defesa
do meio ambiente é prova disso. As disputas são tantas e tão
desafiadoras que atravessam a própria esquerda e seu maior representante
partidário, o PT. Um dos exemplos mais recentes nesse sentido é a decisão sobre
a exploração
de petróleo na Foz do Amazonas.
No entanto, a desfaçatez do Senado em
relação ao meio ambiente atingiu
um nível tão abjeto que conseguiu reunir uma oposição muito mais ampla do que o
esperado.
As primeiras denúncias vieram de
ambientalistas e lideranças indígenas, como Txai Suruí, colunista
da Folha, que encontraram a melhor descrição para o projeto
de lei aprovado no Senado: PL da Devastação.
O apelido não é hiperbólico. Como bem aponta
Txai, o PL
2.159/2021 anuncia o maior retrocesso legislativo ambiental dos
últimos 40 anos. Um verdadeiro desmonte do licenciamento ambiental no país que
foi qualificado pela ministra
Marina Silva como "golpe de morte".
Tais vozes, porém, pouco importam para quem
pensa como a senadora Tereza
Cristina (PP-MS),
ex-ministra do governo Bolsonaro e relatora do projeto de lei junto com
Confúcio Moura (MDB-RO).
Em defesa do PL, Tereza
Cristina disse em entrevista à Folha que "simplificar é
andar mais rápido. (...) Não tem cabimento dez anos para licenciar um
empreendimento".
Para fazer frente à ignorância e miopia da
senadora em relação ao tamanho do impacto negativo que o projeto de lei irá
impor ao país, foi preciso que sete
ex-ministros do Meio Ambiente, que atuaram em governos tão diferentes como os
de Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, se pronunciassem conjuntamente.
Em uma carta coletiva contra o projeto de
lei, publicada no dia 5 de junho, além de apontarem a gravidade do desmonte do
licenciamento ambiental no país, sobretudo no ano de COP30, eles
salientam seu impacto econômico para o Brasil.
Os sete ex-ministros argumentam que há 20
anos o país vem tentando efetivar o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e
a União Europeia e que finalmente avançamos nesse sentido ao superar uma série
de obstáculos.
Contudo ressaltam que ainda há resistências
protecionistas. Na visão dos europeus, os países do Mercosul possuem legislação
ambiental menos rigorosa que permite conseguir custos mais baixos e produtos
mais competitivos no mercado europeu. Assim, enfraquecer a legislação ambiental
é justamente oferecer argumentos nesse sentido e criar novos obstáculos.
E hoje o cenário é ainda mais desafiador.
Como apontam os ex-ministros, "com a política de Trump de desmonte dos
mecanismos de livre comércio em nível mundial, tanto o Brasil e o Mercosul como
a União Europeia precisam mais ainda desse acordo de livre comércio. Portanto,
fragilizá-lo, colocá-lo em risco nesse momento é tudo aquilo que a economia
brasileira não precisa".
Ou seja, a devastação que anuncia o projeto
de lei aprovado pelo Senado é dupla: do meio ambiente e da economia brasileira.
Agora resta saber se, ainda assim, o Congresso vai insistir em tamanho prejuízo
ao Brasil.
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