Luiz Zanin Oricchio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
No entanto, há pouca informação sobre o personagem
Em Um Homem de Moral, Ricardo Dias faz uma opção. Privilegia a parte musical de Paulo Vanzolini em detrimento da sua biografia. Quer dizer, fez um filme que aposta muito na música, o que tem sua virtude, em especial para quem gosta de samba - e quem não gosta? A pouca informação biográfica talvez não perturbe quem já conhece o compositor. Outros podem ficar em dúvida. Quem será esse velhinho engraçado que conta as histórias das suas músicas?
Se falta informação, os sucessos de Vanzolini aparecem de maneira completa no filme, registros feitos durante as gravações de Acerto de Contas, a caixa de quatro CDs em sua homenagem lançada em 2003. Traz suas composições nas vozes de Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Miúcha e Paulinho Nogueira entre outros. Sucessos como Ronda e Volta por Cima convivem com composições menos conhecidas. Em seguida, o próprio autor conta a história das músicas, o que é interessante sob o ponto de vista da genealogia artística.
Por exemplo, a mais popular de todas, Ronda, nasce quando ele estava no Exército e patrulhava o centro de São Paulo. Nas ruas do baixo meretrício, via sempre mulheres que passavam em frente dos bares e olhavam longamente para dentro como procurando alguém. O resto da história, ele podia imaginar, ou a criava: a mulher da vida atrás do seu homem, possivelmente um malandro, etc. E a música ficou do jeito que se conhece: "De noite eu rondo a cidade/a te procurar/sem te encontrar/ Por entre olhares espio/ em todos os bares, você não está/ Volto pra casa abatida..."
Um Homem de Moral vale-se desse personagem inestimável. Vanzolini é um raro, talvez caso único de cientista, cujo trabalho com répteis é reconhecido no exterior, mas que, em sua terra, torna-se famoso como compositor, de sambas principalmente, embora tenha incursionado por outros gêneros. Foi também boêmio e, do conhecimento da noite, tirou profundo amor pelo semelhante (que se esconde atrás de um mau humor proverbial). Tudo isso passa por suas letras, muito inspiradas. Vanzolini, como os grandes compositores populares, tem ouvido privilegiado para a fala coloquial, uma maneira de apreender o som das ruas, na longa tradição brasileira que vem de Noel Rosa, o gênio nacional nessa matéria.
Dessas conversas com Vanzolini saem revelações interessantes. Suas composições, ele conta, começam sempre com uma frase que lhe vem à cabeça, com a linha melódica. O restante é trabalho de encaixar versos, prestando atenção nos tempos fortes e fracos, no ritmo das palavras. Poesia é isso. Inspiração e transpiração.
Um Homem de Moral é um filme afetivo e engraçado. Fala de uma São Paulo antiga, que já não existe. Cidade de uma boemia mais confortável, do Bar Jogral, da Galeria Metrópole. Pode despertar a nostalgia em quem a viveu. Como repercutirá na sensibilidade contemporânea, nos jovens? É uma pergunta, a ser respondida nas salas.
Serviço
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
No entanto, há pouca informação sobre o personagem
Em Um Homem de Moral, Ricardo Dias faz uma opção. Privilegia a parte musical de Paulo Vanzolini em detrimento da sua biografia. Quer dizer, fez um filme que aposta muito na música, o que tem sua virtude, em especial para quem gosta de samba - e quem não gosta? A pouca informação biográfica talvez não perturbe quem já conhece o compositor. Outros podem ficar em dúvida. Quem será esse velhinho engraçado que conta as histórias das suas músicas?
Se falta informação, os sucessos de Vanzolini aparecem de maneira completa no filme, registros feitos durante as gravações de Acerto de Contas, a caixa de quatro CDs em sua homenagem lançada em 2003. Traz suas composições nas vozes de Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Miúcha e Paulinho Nogueira entre outros. Sucessos como Ronda e Volta por Cima convivem com composições menos conhecidas. Em seguida, o próprio autor conta a história das músicas, o que é interessante sob o ponto de vista da genealogia artística.
Por exemplo, a mais popular de todas, Ronda, nasce quando ele estava no Exército e patrulhava o centro de São Paulo. Nas ruas do baixo meretrício, via sempre mulheres que passavam em frente dos bares e olhavam longamente para dentro como procurando alguém. O resto da história, ele podia imaginar, ou a criava: a mulher da vida atrás do seu homem, possivelmente um malandro, etc. E a música ficou do jeito que se conhece: "De noite eu rondo a cidade/a te procurar/sem te encontrar/ Por entre olhares espio/ em todos os bares, você não está/ Volto pra casa abatida..."
Um Homem de Moral vale-se desse personagem inestimável. Vanzolini é um raro, talvez caso único de cientista, cujo trabalho com répteis é reconhecido no exterior, mas que, em sua terra, torna-se famoso como compositor, de sambas principalmente, embora tenha incursionado por outros gêneros. Foi também boêmio e, do conhecimento da noite, tirou profundo amor pelo semelhante (que se esconde atrás de um mau humor proverbial). Tudo isso passa por suas letras, muito inspiradas. Vanzolini, como os grandes compositores populares, tem ouvido privilegiado para a fala coloquial, uma maneira de apreender o som das ruas, na longa tradição brasileira que vem de Noel Rosa, o gênio nacional nessa matéria.
Dessas conversas com Vanzolini saem revelações interessantes. Suas composições, ele conta, começam sempre com uma frase que lhe vem à cabeça, com a linha melódica. O restante é trabalho de encaixar versos, prestando atenção nos tempos fortes e fracos, no ritmo das palavras. Poesia é isso. Inspiração e transpiração.
Um Homem de Moral é um filme afetivo e engraçado. Fala de uma São Paulo antiga, que já não existe. Cidade de uma boemia mais confortável, do Bar Jogral, da Galeria Metrópole. Pode despertar a nostalgia em quem a viveu. Como repercutirá na sensibilidade contemporânea, nos jovens? É uma pergunta, a ser respondida nas salas.
Serviço
Um Homem de Moral (Brasil/ 2008, 84 min.) - Documentário. Direção de Ricardo Dias. Livre. Cotação: Bom
Nenhum comentário:
Postar um comentário