DEU NO VALOR ECONÔMICO
"Há poucos dias o secretário do Tesouro Arno Augustin declarou que a evolução do salário mínimo no mesmo patamar do PIB, além de perfeitamente sustentável, é a base do crescimento do consumo e tem que ser mantida. Isso colide de frente com o que Bernard Appy acabou de dizer aqui". Com a provocação, feita num seminário na Fundação Getúlio Vargas, o economista do Ipea, Mansueto de Almeida, lançou mais provocações ao debate eleitoral do que o festival de evasivas que tem pautado os pronunciamentos dos candidatos sobre o futuro da política econômica.
Appy, que foi secretário de política econômica na gestão Antônio Palocci no Ministério da Fazenda e hoje ocupa uma diretoria da Bovespa, acabara de fazer uma preleção sobre os riscos de o crescimento econômico diminuir a pressão sobre a escalada de gastos correntes do governo, como a Previdência. E lançou mão de uma sucessão de gráficos para defender a tese de que a taxa de crescimento do consumo num patamar superior ao do PIB, como vem acontecendo desde 2005, não é sustentável.
Ao confrontar Appy e Augustin, dois ex-colegas de governo petista, Mansueto indagava-se sobre as escolhas do próximo presidente para fazer os investimentos sem os quais o país um dia vai parar de crescer. Se o investimento público permanecerá no patamar de 1% do PIB - menos da metade dos anos 1970 - enquanto a carga tributária, depois de mais de duas décadas na faixa de 25% (1968-92), ultrapassará os atuais 36% da riqueza nacional.
O economista do Ipea não aposta em redução da carga tributária no próximo governo. Primeiro porque com o crescimento e a formalização, a arrecadação acaba subindo ainda mais. Depois, porque o discurso de nenhum dos candidatos sinaliza redução de gastos correntes.
Muitas planilhas depois, Mansueto desmonta a tese oposicionista de que é possível se obter redução de gasto com choque de gestão. Sustenta que a eficiência do Estado o leva a gastar mais. Além disso, entre as despesas que a bravata política costuma mirar, a rubrica que inclui passagens aéreas, gasolina, xerox e cafezinho até diminuiu nos últimos dez anos. E a de pessoal, apesar dos generosos aumentos do funcionalismo - entre os quais lista o seu próprio no Ipea - teve um aumento de 0,2 pontos percentuais ao longo do governo Luiz Inácio Lula da Silva. E o que aumentou? As transferências sociais e os empréstimos do tesouro para os bancos públicos.
Do outro lado da mesa, veio a explicação por que os gastos sociais dificilmente terão como ser reduzidos. Professor de ciência política da casa, Fernando Abrucio jogou o debate fiscal para o meio do Largo 13, em São Paulo, numa manhã de sábado. Não vê como a desigualdade possa deixar o eixo da política e diz que, junto com a classe C, cresce uma demanda cada vez maior pelos serviços do Estado. De 2006 para cá, o peso do salário como problema dos brasileiros diminuiu pela metade. Os problemas mais graves medidos pelas sondagens são, pela ordem, saúde, segurança e as drogas.
Para contrabalancear as concessões à elite do funcionalismo, cita as escolas técnicas federais, como as principais demandantes de concursos públicos este ano. Pela simples razão de que quase não existiam e serão entregues às carradas no segundo semestre. Ao presidente eleito não restará outra alternativa senão preencher as vagas.
Appy acha que tem espaço para cortar sem, como diz, recorrer a maldades. Avalia que dá para manter os gastos em educação e saúde. O foco, insiste, tem que ser na contenção do consumo. Acusa a insensibilidade dos políticos à gravidade do problema, como se fosse fácil baixar o som de uma festa que acabou de começar.
Na toada do gasto a ser contido, Mansueto sugere que a conta seja cobrada em outra freguesia. Com a planilha dos créditos concedidos a bancos oficiais em tela, mostra que o valor passou de zero em 2007 para 217 bilhões em 2010. Vê muito mais vigilância da opinião pública em relação às condicionalidades do Bolsa Família, que consome 0,4% do PIB, do que sobre a relação muito mais onerosa entre o Tesouro e o BNDES.
Mansueto elogia o programa pelo qual o BNDES subsidia as taxas de juros cobradas pelos bancos para o setor produtivo (PSI) lançado durante a crise econômica. Mas não entende por que a medida provisória que aumentou esses subsídios em R$ 80 bilhões não informou as condições da subvenção. Diz que poderia até vir a concordar com a política industrial do governo, desde que tivesse informações sobre as condições de seus empréstimos. Dos R$ 10 bilhões que JBS e Bertin receberam do BNDES, por exemplo, não tem como saber se está sendo bem gasto.
Questiona por que os empresários que cobram corte de custeio e redução na carga tributária são os mesmos que pressionam por mais crédito subsidiado. E por que o mesmo governo que enfia goela abaixo do Congresso uma bilionária medida provisória de juro subsidiado para grandes empresas assiste ao Banco Central, dois dias depois, aumentar a Selic. Como se estivessem governo e BC em lados opostos do planeta.
O debate se encerra sem resposta, mas a indignação da professora Maria Celina de Araújo no início da preleção ainda ecoa. Numa crítica do atual governo, a professora disse que, ao contrário dos liberais que veem o Estado como um mal necessário, a esquerda brasileira o idolatra e atribui aos maus políticos sua corrupção. José Serra diria a mesma coisa dias depois na convenção de seu partido.
Das planilhas sobre as despesas governamentais ali apresentadas o que se conclui é que não está fácil encontrar liberais no Brasil. O Estado necessário está em toda parte. O mal talvez se esconda debaixo dos viadutos.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
"Há poucos dias o secretário do Tesouro Arno Augustin declarou que a evolução do salário mínimo no mesmo patamar do PIB, além de perfeitamente sustentável, é a base do crescimento do consumo e tem que ser mantida. Isso colide de frente com o que Bernard Appy acabou de dizer aqui". Com a provocação, feita num seminário na Fundação Getúlio Vargas, o economista do Ipea, Mansueto de Almeida, lançou mais provocações ao debate eleitoral do que o festival de evasivas que tem pautado os pronunciamentos dos candidatos sobre o futuro da política econômica.
Appy, que foi secretário de política econômica na gestão Antônio Palocci no Ministério da Fazenda e hoje ocupa uma diretoria da Bovespa, acabara de fazer uma preleção sobre os riscos de o crescimento econômico diminuir a pressão sobre a escalada de gastos correntes do governo, como a Previdência. E lançou mão de uma sucessão de gráficos para defender a tese de que a taxa de crescimento do consumo num patamar superior ao do PIB, como vem acontecendo desde 2005, não é sustentável.
Ao confrontar Appy e Augustin, dois ex-colegas de governo petista, Mansueto indagava-se sobre as escolhas do próximo presidente para fazer os investimentos sem os quais o país um dia vai parar de crescer. Se o investimento público permanecerá no patamar de 1% do PIB - menos da metade dos anos 1970 - enquanto a carga tributária, depois de mais de duas décadas na faixa de 25% (1968-92), ultrapassará os atuais 36% da riqueza nacional.
O economista do Ipea não aposta em redução da carga tributária no próximo governo. Primeiro porque com o crescimento e a formalização, a arrecadação acaba subindo ainda mais. Depois, porque o discurso de nenhum dos candidatos sinaliza redução de gastos correntes.
Muitas planilhas depois, Mansueto desmonta a tese oposicionista de que é possível se obter redução de gasto com choque de gestão. Sustenta que a eficiência do Estado o leva a gastar mais. Além disso, entre as despesas que a bravata política costuma mirar, a rubrica que inclui passagens aéreas, gasolina, xerox e cafezinho até diminuiu nos últimos dez anos. E a de pessoal, apesar dos generosos aumentos do funcionalismo - entre os quais lista o seu próprio no Ipea - teve um aumento de 0,2 pontos percentuais ao longo do governo Luiz Inácio Lula da Silva. E o que aumentou? As transferências sociais e os empréstimos do tesouro para os bancos públicos.
Do outro lado da mesa, veio a explicação por que os gastos sociais dificilmente terão como ser reduzidos. Professor de ciência política da casa, Fernando Abrucio jogou o debate fiscal para o meio do Largo 13, em São Paulo, numa manhã de sábado. Não vê como a desigualdade possa deixar o eixo da política e diz que, junto com a classe C, cresce uma demanda cada vez maior pelos serviços do Estado. De 2006 para cá, o peso do salário como problema dos brasileiros diminuiu pela metade. Os problemas mais graves medidos pelas sondagens são, pela ordem, saúde, segurança e as drogas.
Para contrabalancear as concessões à elite do funcionalismo, cita as escolas técnicas federais, como as principais demandantes de concursos públicos este ano. Pela simples razão de que quase não existiam e serão entregues às carradas no segundo semestre. Ao presidente eleito não restará outra alternativa senão preencher as vagas.
Appy acha que tem espaço para cortar sem, como diz, recorrer a maldades. Avalia que dá para manter os gastos em educação e saúde. O foco, insiste, tem que ser na contenção do consumo. Acusa a insensibilidade dos políticos à gravidade do problema, como se fosse fácil baixar o som de uma festa que acabou de começar.
Na toada do gasto a ser contido, Mansueto sugere que a conta seja cobrada em outra freguesia. Com a planilha dos créditos concedidos a bancos oficiais em tela, mostra que o valor passou de zero em 2007 para 217 bilhões em 2010. Vê muito mais vigilância da opinião pública em relação às condicionalidades do Bolsa Família, que consome 0,4% do PIB, do que sobre a relação muito mais onerosa entre o Tesouro e o BNDES.
Mansueto elogia o programa pelo qual o BNDES subsidia as taxas de juros cobradas pelos bancos para o setor produtivo (PSI) lançado durante a crise econômica. Mas não entende por que a medida provisória que aumentou esses subsídios em R$ 80 bilhões não informou as condições da subvenção. Diz que poderia até vir a concordar com a política industrial do governo, desde que tivesse informações sobre as condições de seus empréstimos. Dos R$ 10 bilhões que JBS e Bertin receberam do BNDES, por exemplo, não tem como saber se está sendo bem gasto.
Questiona por que os empresários que cobram corte de custeio e redução na carga tributária são os mesmos que pressionam por mais crédito subsidiado. E por que o mesmo governo que enfia goela abaixo do Congresso uma bilionária medida provisória de juro subsidiado para grandes empresas assiste ao Banco Central, dois dias depois, aumentar a Selic. Como se estivessem governo e BC em lados opostos do planeta.
O debate se encerra sem resposta, mas a indignação da professora Maria Celina de Araújo no início da preleção ainda ecoa. Numa crítica do atual governo, a professora disse que, ao contrário dos liberais que veem o Estado como um mal necessário, a esquerda brasileira o idolatra e atribui aos maus políticos sua corrupção. José Serra diria a mesma coisa dias depois na convenção de seu partido.
Das planilhas sobre as despesas governamentais ali apresentadas o que se conclui é que não está fácil encontrar liberais no Brasil. O Estado necessário está em toda parte. O mal talvez se esconda debaixo dos viadutos.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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