sexta-feira, 18 de junho de 2010

Reflexão do dia – Marcos Guterman


Um espectro ronda o século 21: o esquecimento. O fenômeno se manifesta pela redução do significado do passado recente e pela disseminada sensação de que o presente representa uma espécie de “marco zero” moral. Despreza-se assim o processo histórico do século anterior, congelado em rótulos tão negativos quanto convenientes – fala-se de “totalitarismo”, “globalização” e “neoliberalismo” como se fala de futebol. A história do século 20, segundo essa retórica, é apenas uma coleção de monumentos para os quais devemos olhar como forma de “lições”, e não como contexto duradouro e complexo que não se encerra em si e que está longe de uma apreensão completa. É quase como se não houvesse história, mas um memorial sobre erros que não devem ser repetidos, à esquerda e à direita. Esvazia-se o sentido dos embates políticos e dos dilemas morais violentos do século passado, cujos efeitos ainda são evidentes e mal compreendidos. Mas a estratégia é justamente essa: fazer dos herdeiros do século 20 homens sem passado, presas fáceis do messianismo político amoral disfarçado de pragmatismo, em troca de absolvição e redenção.


(Marcos Guterman, no artigo “Uma época em busca do esquecimento”, sábado (12/6/2010), em O Estado de S. Paulo/sabático)

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