sexta-feira, 18 de junho de 2010

Crise na UE começa a ser enfrentada ::Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O tratamento recessivo, e não há outro à disposição, vai criar uma nova fonte de problemas para a Europa

A economia mundial vive os efeitos de uma segunda onda de choque criada pela crise bancária iniciada nos Estados Unidos. Ainda circunscrita ao espaço comum europeu, os mesmos temores e ansiedades do mercado financeiro em 2008 e 2009 estão de volta. Queda expressiva das Bolsas de Valores, volatilidade das taxas de câmbio de várias moedas e, como sempre, novos e velhos profetas do Apocalipse a pregar o fim dos tempos.

Com a economia mundial ainda vivendo uma lenta e insegura recuperação, esse novo foco de instabilidade pode criar as condições para uma recaída recessiva a nível global. Afinal, a Europa representa hoje mais de um quarto da economia mundial.

Caso ocorra uma nova recessão econômica, os instrumentos que foram utilizados para enfrentar -até agora com sucesso- a primeira crise não estarão mais disponíveis. O endividamento da maioria dos países do G7 já está em níveis críticos e qualquer novo pacote fiscal de estímulos à economia pode detonar uma crise de confiança generalizada. Da mesma forma, a política monetária aproxima-se de seu limite, com os juros de intervenção da autoridade monetária próximos de zero.

Talvez por essa razão os governos dos maiores países europeus, depois de um triste período de desencontros, resolveram agir de forma coordenada para enfrentar esse novo período de incertezas. São várias as fontes de inquietação dos mercados que precisam ser enfrentadas nos próximos meses.

A primeira é o desequilíbrio nos orçamentos da grande maioria dos países da Europa. Para combater a recessão criada pela crise do "subprime", os governos aumentaram os gastos públicos via programas sociais e redução de impostos.

Embora existisse no Tratado de Maastricht a restrição formal de um deficit fiscal limite de 3% do PIB, a gravidade da situação enfrentada após a crise do banco Lehman Brothers fez com que todos fechassem os olhos para essa quebra de compromisso.

Mesmo a Alemanha, que havia exigido esse limite de desequilíbrio fiscal para aderir ao euro, em 1999, tem hoje um deficit da ordem de 5% do PIB. Os países agora terão que implementar programas multianuais de redução dos deficit e a obedecer a regras mais rígidas de seu controle.

Mas, ao trilhar esse caminho de redução dos desequilíbrios em seus Orçamentos, os países europeus vão impor às economias nacionais um choque recessivo. Um corte da demanda pública, em uma situação ainda muito frágil, vai levar a uma nova rodada de crescimento negativo nas economias mais frágeis da zona do euro. Em economias como a alemã, a francesa e a italiana, a desvalorização do euro deve criar, via aumento das exportações, uma força expansionista da demanda privada que pode compensar a retração do setor público.

Mas, nas economias como a grega, que não tem uma indústria competitiva, a resultante final desse ajuste será um aumento da recessão e da pressão por mais cortes de gastos e aumento de impostos.

Esse tratamento recessivo -e não existe outro à disposição dos governos europeus- vai criar uma nova fonte de problemas para a Europa. Os bancos vão sofrer uma nova deterioração na qualidade de seus ativos e, em seguida, terão que reforçar sua estrutura de capital para se manter solventes. Além dessa pressão vinda do lado privado, outra fonte de problemas para os bancos europeus é a perda de valor dos bônus soberanos dos países menos sólidos, como Grécia, Portugal e agora Espanha.

Também no front político começa a se desenhar um cenário de dificuldades. Com vários países tendo que aprofundar e manter a recessão por um período mais longo, a possibilidade de uma crise vir a desestabilizar a implantação dos programas de estabilização deve crescer. Essa contaminação da política pela economia já começa a ocorrer mesmo na Alemanha, país que deve sofrer menos com a austeridade fiscal. Já são claros os sinais de dificuldades do governo de Angela Merkel.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.

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