BC dos EUA sai do armário, assume meta de inflação e requenta debate sobre política monetária
AS "metas de inflação" têm dado o que falar desde que o Banco Central dos EUA, o Fed, saiu do armário no mês passado e assumiu o objetivo de 2%.
Não se trata de debate lá muito profundo ou novo, mas está na mídia financeira global. É a mesma conversa que ficara mais estridente pouco antes e depois da crise de 2008. Em suma, questiona-se que tipo de estabilidade é essa, a dos BCs e suas metas, que termina em tamanha catástrofe.
Grosso modo, em regimes de meta de inflação, os BCs procuram manter os preços em torno de uma linha (a meta) por meio de mexidas nos juros (o que em tese regula o ritmo da economia) e por meio do convencimento dos mercadores de dinheiro a respeito da estabilidade do preço de sua mercadoria básica.
Os críticos observam, por exemplo, que as catástrofes financeiras dos séculos 20 e 21 foram precedidas de períodos de inflação baixa para o consumidor, de grande expansão do crédito, de especulação estéril, de bolhas e estouros.
Foi assim em 1929 nos EUA, em 1987-89 no Japão, de 1996 a 2006 nos EUA (várias bolhas) etc. A inflação de varejo parecia baixa, mas havia inflação de ativos como ações e imóveis, por exemplo.
Um índice de inflação deveria ser uma "cesta" de preços de tudo (de carros e barbearia a terrenos na lua e derivativos loucos)? Se fosse possível tal índice, os BCs teriam capacidade de influenciar preços?
Os BCs apenas teriam a ilusão de que controlam parte relevante das variações de preços. A baixa na inflação dos 2000 teria sido, em parte, devida à oferta de manufaturas baratas dos países recentemente industrializados, China e cia. Esse seria apenas um exemplo de ilusão do poder dos BCs, dizem os críticos.
Os BCs não teriam controle sobre o efeito final sobre os preços (de bens ou ativos financeiros) provocado pelo aumento ou redução de dinheiro na praça. Os agentes econômicos, a depender de tecnologias financeiras, gostos mutantes, expectativas ou sabe-se lá, reagiriam de modo imprevisível ao relaxamento monetário, causando variações incertas de preços em bens, serviços ou ativos financeiros. Os BCs seriam aprendizes de feiticeiros.
Note-se que essa é uma crítica "liberal": BCs e governos deveriam bulir ainda menos com a economia.
Mas certas querelas sobre metas de inflação devem alegrar os críticos brasileiros "à esquerda". Considere-se o caso de Ben Bernanke (economista-padrão dos mais reputados), presidente do Fed.
No Congresso, foi acusado de inflacionista pela direita alucinada. Respondeu que, apesar do compromisso com a meta e preços estáveis, vez e outra é preciso levar a inflação à meta mais devagarzinho, considerando o estado da economia (tal como faz o "novo BC" de Dilma Rousseff e, aliás, também o fez o de Armínio Fraga, sob FHC).
É o que tem feito o BC do Reino Unido desde 2008. Não era o que vinha fazendo o BC da União Europeia, que sob o comando de Jean-Claude Trichet elevou juros, negou crédito e ajudou a levar a eurozona de volta à recessão e quase ao colapso financeiro, em 2011.
Em suma, há tiros de canhão no concerto já desafinado das metas.
Isto posto, nossa inflação continua alta e dura de matar. Com ou sem canhão.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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