Qual a possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva voltar a ser o candidato do PT à Presidência da República, desta vez no pleito sucessório do próximo ano? Tem sido essa a mais recorrente pergunta nos corredores da política, instigada pela acentuada queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff na esteira da avalanche de manifestações que vêm sacudindo o País. A resposta está condicionada a outra questão: é possível a mandatária recuperar a avaliação das classes sociais que tinha no início deste ano, a mais positiva entre os chefes de Executivo da contemporaneidade? A resposta não é tão simples, pois agrega um conjunto de fatores, alguns imponderáveis, a começar pelo desempenho da economia nos próximos meses.
A ser pífio o desempenho econômico, com efeitos na inflação, particularmente na área de alimentos, a presidente se defrontará com dois grandes riscos: a perda de controle sobre o processo político-administrativo, com a governabilidade caindo abaixo do ponto crítico; e a perda de capacidade de reverter o processo de desacumulação de força. Sob essas duas situações-limite, é razoável crer na hipótese de que o PT, para preservar seu projeto de poder, convença seu comandante em chefe a voltar à liça. A recíproca é verdadeira. Se a economia correr bem nos trilhos, o controle do poder político será resgatado e a boa imagem, reconquistada.
O vetor de peso de um governante, é bom lembrar, equivale ao de um balanço. A princípio, ele sobe, depois desce, mantendo-se em nível baixo por bastante tempo, até juntar forças para recuperar a posição anterior. O perigo é quando o mandatário atinge o ponto de quebra, aproximando-se do extremo do arco da estabilidade: nesse caso não haverá condições para segurar a queda e acampar o governo em terreno seguro.
Um exemplo clássico de recuperação, segundo o cientista social chileno Carlos Matus, foi o do último governo do presidente Paz Estenssoro, da Bolívia, que empreendeu forte programa de ajuste macroeconômico, sob a condução do ministro do Planejamento Sánchez de Losada. A inflação de 30.000% ao ano destruíra as forças do presidente e de seu partido. A eficácia do programa reduziu a alta dos preços a 30% ao ano, o que deu a Losada, em 1993, a maior votação das eleições presidenciais daquele país. Foi uma típica demonstração da teoria do balanço. Não há comparação, claro, com a atual situação brasileira. Nossa inflação não chega nem a dois dígitos. O exemplo serve para ilustrar a imagem da gangorra, como a que vemos por aqui. Com os preços de alimentos subindo a uma taxa anual entre 14% e 19%, conforme escreveu o economista José Roberto Mendonça de Barros no Estado (A economia está parando, 7/7, B4), é possível prever forte pressão sobre os orçamentos familiares e, se isso ocorrer, expansão da insatisfação social Nesse caso o cenário de queda se manteria.
João Santana, o responsável pelo marketing do governo federal, estipula em quatro meses o tempo para a presidente recuperar o patamar de prestígio. É possível? A resposta vai depender do axioma "quem é dono da flauta dá o tom". A dona é a maestrina da orquestra e é chamada de economia. A lábia do marqueteiro aponta, portanto, para as cartas econômicas que serão embaralhadas para o jogo de 2014.
É evidente que, a par de eventuais trunfos a serem obtidos na mesa da economia, há mais dois cinturões do governo para ajustar, sob pena de irreversível débâcle da imagem presidencial: o político e o de serviços públicos. Se fechar a torneira para as demandas políticas, a presidente ficará sob ameaça de mais derrotas no Parlamento. Caso tampe os ouvidos para o forte clamor das massas nas ruas, arrisca-se a cair no despenhadeiro da rejeição social. Hoje se mostra atenta à onda popular, abrindo um conjunto de iniciativas, como a proposição da reforma política e a implantação de programas, alguns polêmicos, como a importação de médicos e a extensão dos cursos de medicina de seis para oito anos.
Caso não consiga ajustar os cinturões da governança aos corpos econômico, político e de serviços sociais, a candidata à reeleição poderá ser induzida a ceder o lugar ao antecessor, plano B com que trabalha parcela da máquina petista. Daí a inevitável pergunta: a volta de Lula seria a solução para o PT prolongar seu projeto de poder?
O horizonte é nebuloso. Mas algumas hipóteses são razoáveis. A primeira delas é a de que voltar é uma forma de retroceder. O percurso liderado pela primeira mulher presidente seria interrompido para propiciar o reingresso em cena do nome maior do PT. O que não evitaria a sensação de insucesso da estratégia petista.
Outra observação: nem o Brasil nem Luiz Inácio são os mesmos de ontem, o que nos remete à máxima de Heráclito de Éfeso: "Um homem não passa duas vezes no mesmo rio". As águas sempre se renovam. O Sol é novo a cada dia. As duas vezes que Lula atravessou as águas nacionais formaram e fecharam um ciclo, caracterizado pelo aprofundamento das coalizões partidárias (que resultaram no mensalão), por um compadrio patrimonialista entre sindicalismo e Estado, pelo acesso das massas à mesa do consumo e por um estilo populista de governar, que multiplicou contatos com as massas. Atualmente Luiz Inácio se agasalha no conforto de palestras internacionais, sob o manto do carisma e do perfil com maior cacife eleitoral. E tem de cuidar bem da saúde, mesmo exibindo passaporte de seus médicos para voltar a freqüentar palanques.
Navegar no Brasil de hoje é, para os políticos, um exercício de reaprendizagem. A pororoca que se espraia pelo País exige um mergulho profundo nas águas que inundam ruas, becos e vielas. Lula é um navegante. Mas o rio está mudando o curso. Pegar uma canoa em direção ao amanhã, apenas com um "baú recheado de coisas de ontem"... pode dar com os burros n"água.
Jornalista, professor titular da USP
Fonte: O Estado de S. Paulo
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