• Juros no mundo desenvolvido devem continuar no chão
- Valor Econômico
O esforço do Brasil para colocar as contas públicas em ordem tem contado com um trunfo importante: um cenário externo bastante benigno, o que ajuda a entender a tolerância dos investidores em relação à ausência de medidas mais duras no front fiscal. Os juros no mundo desenvolvido estão em níveis baixíssimos ou mesmo negativos, e a expectativa é que as taxas sigam no chão por um tempo ainda considerável. É um quadro positivo para o Brasil, que deveria aproveitar essa trégua para aprovar medidas mais firmes de ajuste fiscal e tentar reduzir as taxas de juros, ainda na estratosfera.
Nos últimos meses, o temor quanto a uma desaceleração mais forte da China diminuiu substancialmente, depois das medidas de estímulo fiscal adotadas pelas autoridades do país asiático. Já a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) deverá ter impacto limitado sobre o crescimento global, ao mesmo tempo em que tende a fazer os bancos centrais serem mais cautelosos, aumentando ou mantendo o nível atual dos estímulos monetários.
As perspectivas para o crescimento da economia mundial continuam medíocres. Em relatório divulgado ontem, o BNP Paribas manteve a expansão global para 2016 em 3% e reduziu o número para 2017 de 3,4% para 3,3%. "Baixa produtividade, dívida excessiva em muitos países e a percepção de que a política monetária não é o elixir do crescimento contribuíram para o torpor global", resume o economista Paul Mortimer-Lee.
Para ele, há mais riscos de piora do que de melhora desse cenário, que já não é exatamente brilhante. A China pode fracassar em expandir a política fiscal em 2017, fazendo o crescimento derrapar. O impacto do chamado Brexit pode ser maior do que se imagina. As eleições americanas podem afetar a confiança, o investimento e o apetite por risco. Nesse cenário, os bancos centrais devem permanecer prudentes, diz Mortimer-Lee, acrescentando que o rendimento dos títulos de renda fixa tende a seguir contido.
Mortimer-Lee acredita na continuidade do apetite global por risco, num cenário em que o afrouxamento quantitativo (QE, as compras de títulos para manter baixas as taxas de longo prazo) segue à toda na zona do euro e no Japão, o que deve ser seguido pelo Reino Unido.
Para ele, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai elevar os juros apenas uma vez neste ano, provavelmente em setembro, e mantê-los inalterados em 2017. Uma alta solitária das taxas nos EUA não deve ser suficiente para agitar o mercado de bônus globais, segundo ele.
Com um crescimento global fraco, a demanda por produtos brasileiros no exterior não deve ser das mais intensas, o que pode limitar o avanço das exportações. O câmbio um pouco mais valorizado também pode ter algum efeito negativo sobre as vendas externas do país.
Já a perspectiva de que os juros globais ficarão baixos por um bom tempo deve atrair recursos para ativos brasileiros, especialmente se surgirem novidades que melhorem as perspectivas fiscais. É o caso do avanço no Congresso do projeto que limita o crescimento dos gastos da União, assim como da apresentação de uma reforma da Previdência que não tenha regras de transição muito brandas. São maiores as chances de que isso se dê a pós o provável afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência, o que deve ocorrer no fim de agosto ou no começo de setembro.
Com juros nas alturas e uma eventual perspectiva de melhora mais firme nas contas públicas, o Brasil pode receber fluxos expressivos de capitais estrangeiros, interessados em aproveitar a diferença entre taxas externas e internas, valorizando o real.
De uma lista de 31 países monitorados pelo Itaú Unibanco, apenas Brasil e Colômbia têm atualmente uma política monetária contracionista, na avaliação do banco. A continuidade da queda das expectativas de inflação e progressos significativos na agenda fiscal tendem a abrir espaço para o Banco Central (BC) cortar os juros, o que pode ocorrer provavelmente a partir de outubro, na visão do mercado.
Esse período de trégua no cenário externo, porém, pode ser interrompido. Se a economia americana mostrar mais força do que se espera, com aceleração de preços e salários, o Fed pode elevar os juros mais vezes do que supõe o BNP Paribas, por exemplo. Isso tenderia a reduzir em parte a ampla liquidez internacional, afetando o ambiente de busca por ativos mais arriscados.
O Brasil hoje tem uma posição externa bastante confortável, contando com algo como US$ 360 bilhões de reservas internacionais e um déficit em conta corrente em queda forte - o rombo nas transações de bens, serviços e rendas com o exterior deve terminar o ano abaixo de 1% do PIB, depois de bater em 4,5% do PIB em março e abril do ano passado.
O problema, porém, continua na situação delicada das contas públicas. O déficit nominal (que inclui gastos com juros) segue na casa de 10% do PIB e as projeções indicam que a dívida bruta continuará a crescer com força nos próximos anos, mesmo com a aprovação do projeto que limita o crescimento dos gastos não financeiros da União à inflação do ano anterior.
Num ambiente externo com juros muito baixos nos países desenvolvidos, há maior tolerância em relação a eventuais tropeços e hesitações do governo ao enfrentar as fragilidades fiscais. Se houver uma piora nas condições de liquidez internacional, contudo, essa boa vontade tende a diminuir. Para evitar dissabores, o melhor é o governo aproveitar a trégua atual para avançar medidas como a do teto de gastos e não ceder demais na negociação com os Estados.
Além disso, é importante que o governo apresente algumas medidas adicionais de cortes de despesas e de algum aumento de receitas, que ajudem a melhorar as projeções para a trajetória da dívida bruta. Com isso, o Brasil não ficará na berlinda, caso a situação externa tenha alguma piora inesperada, e o BC ganhará espaço para reduzir mais os juros, num momento em que há grande ociosidade de recursos na economia e as expectativas de inflação começaram a cair de modo mais convincente.
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