Entre o que deve fazer, mas não quer, e o que quer fazer, mas não deve, o presidente venezuelano Nicolás Maduro ganha tempo para tentar permanecer no poder enquanto coleciona inimigos. Diante da situação terminal da economia, assolada pela hiperinflação e escassez de alimentos, Maduro recebeu um plano da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) para gradativamente livrar o país da enrascada em que o chavismo o meteu. E Maduro assumiu por conta própria a Presidência pro tempore do Mercosul, sem que o cargo lhe tenha sido transmitido, com a oposição expressa de Brasil e Paraguai.
A Venezuela tem déficit fiscal de 21% do PIB, inflação a caminho de 700% e baixas reservas cambiais, inferiores a US$ 20 bilhões, insuficientes para uma nação que importa mais de dois terços do que consome. A estatização arbitrária e um sistema cambial amalucado - no qual a diferença entre a cotação oficial mais baixa e a do câmbio negra é de mais de 70 vezes - mostraram toda sua fragilidade quando o preço do petróleo desabou. Os militares tomaram conta do abastecimento e dos portos para impedir que a onda crescente de saques prossiga (FT, 1 de agosto).
Para deter a ruína da Venezuela, a Unasul delineou um plano que prevê realinhamento cambial com alguma proteção social contra a inflação que decorreria da maxidesvalorização. Os economistas da entidade sugeriram a criação de um programa nos moldes do Bolsa Família, que poderia inicialmente atingir 4 milhões de pessoas e que substituiria o subsídio dado pela cotação mais baixa, de 13 bolívares por dólar, usada para converter a importação de remédios, alimentos e outros bens de primeira necessidade.
O realismo cambial se estenderia às tarifas, com a elevação dos preços ridiculamente baixos cobrados pela gasolina. Pelos cálculos da Unasul, isso melhoraria a situação fiscal e elevaria os recursos para programas sociais. Se os preços internos do combustíveis fossem igualados aos internacionais, o país arrecadaria mais US$ 7 bilhões. A liberalização comercial poderia trazer de volta os bens essenciais que escassearam nas prateleiras dos supermercados. O governo raciona pagamentos em dólares há um bom tempo, prejudicando consumidores e importadores, que, diante da incerteza de pagamento, são obrigados a pagar as compras à vista.
Para colocar em pé as medidas, a Unasul estima que o país precisaria de um colchão de US$ 11 bilhões, e não se sabe se ele existirá, diante da baixa quantidade de dólares em caixa e de compromissos de pagamentos de US$ 10 bilhões até meados de 2017. A esse obstáculo sério se soma divergências dos chavistas na corte de Maduro.
Maduro tenta fazer o que pode para impedir que a oposição, que tem maioria no Congresso, consiga as assinaturas de 4 milhões de pessoas (20% do eleitorado) e possa convocar um referendo revogatório. A Comissão Eleitoral e a Justiça têm pregado sucessivas peças nos oposicionistas, que podem ganhar e não levar. Se o referendo ocorrer após 10 de janeiro e Maduro for derrotado, assume em seu lugar o vice, igualmente chavista.
Com o cargo sob risco, Maduro decidiu que poderia assumir a Presidência do Mercosul. É a vez da Venezuela, mas as manobras políticas antidemocráticas do governo e o não cumprimento das obrigações com as quais concordou para se tornar membro integrante do bloco há 4 anos acentuaram a animosidade do Paraguai e do governo interino do Brasil, com o apoio cauteloso da Argentina. O Uruguai transmitiu a ninguém o comando do bloco e o vácuo de poder desmoralizante foi preenchido por um mandatário de baixíssima popularidade, ameaçado de deposição e que lidera um país em escombros.
A Venezuela não tinha condições de ser membro do Mercosul e foi cativada por governos do PT. Em 2012, após exclusão temporária do Paraguai, foi efetivada. A diplomacia petista esperava com isso influenciar os chavistas e moderá-los. Não aconteceu. A diplomacia brasileira agora parece ter optado pelo confronto, pois a Venezuela já assumira a Presidência antes. Maduro reagiu como se esperava: não só tomou para si o cargo como emitiu comunicado muito violento, que equivale a uma ruptura. Acusou a "Tríplice Aliança" de Argentina, Paraguai e Brasil, comparou a ação dos países vizinhos à "Operação Condor", de caça à esquerda pelas ditaduras sul-americanas, e atacou a união de "forças retrógradas". Casual ou planejada, uma crise aberta eclodiu no Mercosul.
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