- O Estado de S. Paulo
Em trecho de “Como matar a Borboleta-Azul”, escrevo: “A mente humana não gosta de narrativas inacabadas. É preciso ter um fim, uma conclusão. Chegar a algum lugar, ao menos para que as peças se encaixem e possamos dizer ‘Ah, agora faz algum sentido’, mesmo que insatisfatório ou inaceitável”.
Você gosta de desafios? Entende opiniões contrárias às suas? Sabe navegar ambiguidades? Tem a capacidade de apreender posições políticas diferentes das suas, visões de mundo que divergem de seus princípios? Note os verbos empregados nas perguntas: “entender” e “apreender” não significam “aceitar”, ou mudar aquilo que você pensa estar mais próximo da sua verdade pessoal. “Entender” significa transcender os seus preconceitos e certezas, ainda que por breve instante.
Incerteza. Todos nós já esbarramos nela, todos nós esbarraremos nela incontáveis vezes ao longo da vida. Incerteza não é risco, incerteza não se mede. Não há como atribuir probabilidades às incertezas, elas são os unknown unknowns, tudo aquilo que não sabemos que não sabemos. Conto uma história pessoal. Há muitos e muitos anos, quando era ainda adolescente, meu pai, forte, saudável, descobriu que dentro de sua cabeça crescia a morte. Estava ela enraizada ali havia meses, bem antes de ser diagnosticada e batizada com intragável nome: glioblastoma multiforme, o tumor do cérebro mais agressivo e cujas causas são absolutamente desconhecidas. Tinha ele 48 anos. Faleceu seis meses após a descoberta.
Assisti inúmeras vezes o vídeo do psicólogo Arie Kruglanski (“The Price of Certainty”, http://www.nytimes.com/video/opinion/100000004740462/the-price-of-certainty.html), em que discorre de forma brilhante sobre a “necessidade cognitiva de encerramento” (“need for cognitive closure”) e a relação entre esse viés de comportamento e o aumento da polarização em momentos de grande turbulência e incerteza. Convidei meus dois filhos para assisti-lo comigo. Conversamos sobre incerteza e sobre as zonas de desconforto. Falamos sobre ambiguidade e sobre a necessidade de questionar certezas.
O vídeo de sete minutos, e a leitura dos artigos de Arie Kruglanski ajudam a entender um pouco a ascensão da intolerância, do discurso nativista, da misoginia, do autoritarismo – os glioblastomas multiformes enraizados mundo afora. O conceito de encerramento cognitivo permite dar conta daquilo que parece surreal, e, que, por isso, nos remete à negação da realidade, o “não é possível que a democracia mais longeva do planeta possa eleger Donald Trump”. É possível. É possível desde que o número de pessoas que porventura sucumbam à necessidade cognitiva de encerramento supere o daquelas que veem em Trump ameaça aos seus princípios e valores. O que não é possível é julgar as pessoas que sucumbem à necessidade cognitiva de encerramento, pois como salienta Kruglanski, o repúdio à incerteza é parte da natureza humana. Alguns o têm em menor grau do que outros, só isso.
Odeio o glioblastoma multiforme, mas sou grata a ele por alguns valiosos ensinamentos. Sobretudo, a resistência e a teimosia de não ceder à necessidade de encerrar questões com facilidade, de não sucumbir à tentação das certezas fáceis.
Convido-os a refletir sobre o glioblastoma multiforme.
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