O Globo
O Banco Central subiu os juros, como se esperava, e deu um
recado duro avisando que o ciclo de aperto monetário pode avançar
“significativamente em território contracionista”. Ou seja, ele alerta que o
país entrará em recessão, mas o comunicado informa que o BC vai “perseverar” na
estratégia para reduzir a inflação e ancorar as expectativas. Não criticou
diretamente a política fiscal, mas ficou implícito quando disse que há dúvidas
sobre os parâmetros fiscais do país. E há. O governo acaba de fazer um rombo no
teto de gastos, travestido de alteração apenas da fórmula de cálculo.
Em nove meses o Banco Central aplicou no país um choque de juros de proporções históricas. A Selic saiu de 2% para 9,25%. No começo do ano, ele já avisou, que vai para 10,75%. Não é fácil para o BC tomar decisão neste momento. O quadro é desanimador. O IPCA de novembro que será divulgado amanhã ficará acima de 1%, de novo, levando o acumulado para próximo de 11%. As vendas do comércio caíram, pelo dado divulgado ontem. É a sexta queda no ano. O mercado de trabalho está repleto de dados preocupantes: a renda recuou dez anos, uma queda de 11%. O país está em recessão técnica. Dos desempregados, quase quatro milhões estão sem trabalho há mais de dois anos, mesmo procurando. É o desemprego de longo prazo batendo recorde.
Normalmente com uma atividade tão fraca não
seria o momento de subir a taxa de juros, mas diante de uma inflação tão
persistente o único remédio é sim elevá-la. As perspectivas são de dois anos de
descumprimento da meta de inflação. A maioria dos economistas acha que o IPCA
cairá no ano que vem, pelo efeito da política monetária, mas não ao ponto de
cumprir a meta.
O dilema do BC está entre combater a
inflação e não derrubar mais ainda a economia em 2022. O banco BTG resumiu
assim a situação: “Se correr com mais juros, o PIB de 2022 tende a se
consolidar no terreno negativo; se ficar no mesmo tom, as expectativas podem
desancorar ainda mais e corroer a autonomia da autoridade monetária”. Só que no
recado dado pelo comunicado divulgado após a reunião ficou claro que eles já
escolheram subir a taxa de juros o quanto for necessário para conter a inflação
que está em níveis preocupantes. O pior que poderia acontecer agora seria
deixá-la continuar elevada.
Felizmente o Banco Central tem autonomia. O
novo status foi aprovado e sancionado no atual governo, mas imagine só o que
deve estar pensando disso, neste momento, o presidente Bolsonaro. Ele interfere
em tudo, a Polícia Federal que o diga. Acaba de vetar o nome escolhido pela
equipe econômica para corregedor da Receita. E mais, o ministro Paulo Guedes
demitiu o diretor da Receita Federal, José Tostes Neto, com uma frase seca e
reveladora: “O presidente quer o seu cargo”. E tudo foi feito pelos piores
motivos, para atender aos interesses dos bolsonaros que querem apagar quaisquer
registros das rachadinhas na Alerj. Paulo Guedes gosta de repetir que a
arrecadação está subindo. Ora, se é isso, o secretário da Receita não deveria
ser demitido. Mas foi, para atender aos interesses da família do presidente. Se
pudesse, Bolsonaro mandaria seu ajudante de ordens na economia, o ministro
Paulo Guedes, requisitar o cargo de presidente do Banco Central. Contudo, ele
não pode mais.
Durante a lambança dos precatórios o que se
viu é que o ministro da Economia não impedirá que se lance mão de qualquer
expediente para dar ao presidente o que ele quer: dinheiro para políticas
populistas, do calote à manipulação do teto de gastos. E no Congresso, os
presidentes das duas Casas, deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco,
estão dispostos a tudo fazer —de mentir para o STF a descumprir acordo com seus
pares — para garantir a existência das emendas de relator e dar ao presidente a
“licença para gastar” pedida por Guedes.
Nesse quadro, cabe à autoridade monetária agir
para que não haja risco de a inflação entrar em espiral. E é isso que o
comunidado do BC ontem deixou claro. A situação internacional está mais
difícil, o mundo também enfrenta inflação, no caso brasileiro, é mais grave. O
país com a história que tem e na conjuntura em que está não pode apostar que a
inflação cairá naturalmente. A expectativa terá que ser construída pela
reputação do Banco Central.
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