quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Cristiano Romero - Pedaladas clássicas e ilegais

Valor Econômico

Manobras são para mostrar situação fiscal “melhorada”

Defensores de Dilma Rousseff sempre alegarão que a ex-presidente perdeu o mandato devido a um golpe promovido pela oposição. Na verdade, a história conta que a manobra política que levou ao seu impeachment foi liderada por seus aliados tanto na eleição para o primeiro mandato (2011-2014) quanto para o segundo (2015-2018), este interrompido em maio de 2016 com o afastamento aprovado pela Câmara dos Deputados.

Alvo de dezenas de pedidos de impeachment, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso explicou certa vez que esses são iniciados pela Câmara apenas depois de cumpridas três condições: técnica, isto é, quando o mandatário descumpre alguma lei; política, quando há o "clamor das ruas" - manifestações populares constantes, a revelar insatisfação com o governo -; e parlamentar, quando se reúne maioria no Congresso para aprovar o impeachment.

No caso de Dilma, as três condições estavam preenchidas com folga no fim de 2015, quando se encerrou o primeiro ano de seu segundo mandato. Diz-se que o processo de impedimento é político, uma decisão soberana do Parlamento. Apenas esse argumento já justificaria o impeachment, afinal, estamos numa democracia. Ocorre que o governo da ex-presidente infringiu leis fiscais. Ainda assim, seus correligionários no PT sustentam a tese do golpe.

Mas, afinal, que ilegalidades o então governo Dilma cometeu e qual é a gravidade dos delitos? Ela incorreu no que ficou conhecido como "pedalada fiscal".

Como explica Antonio Carlos Costa d’Ávila Carvalho Júnior, consultor de Orçamento da Câmara e um dos maiores especialistas do assunto em Brasília, o resultado primário - conceito das contas públicas que exclui a despesa com juros da dívida pública- considerado oficial para fins de verificação do alcance das metas fiscais é publicado mensalmente pelo Banco Central (BC). Este apura a variação do saldo da dívida líquida do setor público (DLSP), descontando os juros apropriados pelo regime de competência.

“Apenas as obrigações e os ativos financeiros registrados junto a entidades do sistema financeiro, ou que tenham se originado de operações por elas sancionadas ou intermediadas, integram o montante da dívida líquida. Referido escopo determina, indiretamente, o regime contábil da apuração: o momento do financiamento", observa Costa d'Ávila, que, antes de se tornar consultor da Câmara, foi auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), analista do BC e funcionário do Banco do Brasil.

As pedaladas fiscais surgem justamente do interesse das autoridades de mostrar situação fiscal melhor que a real. Trata-se de uma maneira de postergar o registro da despesa primária. A pedalada “clássica” não significa descumprir leis porque usa regras da metodologia oficial.

“Nesse caso, sabedor de que o atraso no pagamento de determinada obrigação não provocará aumento da DLSP, uma vez que, por não atender aos critérios metodológicos, o passivo respectivo não será captado pela estatística fiscal, o governo posterga para outro mês o desembolso dos recursos, adiando o cômputo da variação primária deficitária pelo BC", explica o especialista. São exemplos de pedaladas "clássicas" o parcelamento de precatórios e os atrasos nos repasses de recursos de royalties e do salário educação a Estados e municípios. "Estes últimos, identificados em 2014 pelo TCU), no processo das 'pedaladas'."

As pedaladas ilegais são as que, além de descumprirem regras ditadas pela contabilidade oficial, envolvem a realização de operações que são contrárias, vedadas ou praticadas com inobservância de outras normas. Pouco antes da eleição de 2014, lembra Costa d'Ávila, o governo viu-se sem espaço fiscal para honrar o pagamento de várias despesas.

“Nos casos de seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família, atrasar o pagamento dessas obrigações seria uma pedalada ‘clássica’ (dívidas junto a pessoas físicas não são captadas pela estatística), mas traria elevado ônus político. A solução, nada ortodoxa, adotada foi utilizar recursos da Caixa para honrar os dispêndios em nome da União (operação vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal e passível de enquadramento no artigo 359-A do Código Penal); deixar de registrar, na DLSP, a dívida junto à Caixa (contrariando a metodologia); e executar os dispêndios à margem do Orçamento (ato tipificado pelo artigo 359-D do Código Penal), para que outras despesas de significativa exposição e bônus político, inseridas no processo orçamentário, não precisassem ser contigenciadas", diz o consultor, deixando claro o tamanho da ilegalidade cometida pelo governo Dilma Rousseff.

Outro tipo de pedalada "fora da lei" identificada em 2014 foi praticada no âmbito do PSI/BNDES/Finame. De acordo com a lei que rege o programa, ao fim de cada semestre (período de equalização), a União deveria pagar "equalizações de juros" ao BNDES/Finame, para repor à instituição financeira recursos que esta deixava de receber em razão da concessão de crédito subsidiado. Do ponto de vista das regras da contabilidade oficial, pagar as equalizações - em dia ou não - representaria incorrer em despesa primária, fosse pela redução do saldo da Conta Única do Tesouro, fosse pelo aumento do estoque de obrigações, respectivamente.

“Optou-se por não realizar os pagamentos e por não registrar as dívidas na contabilidade oficial. Além disso, o extinto Ministério da Fazenda passou a editar portarias que, ao arrepio da lei, estabeleciam o lapso de 24 meses para pagamento das equalizações e os juros que passariam a ser devidos em razão desse prazo. Funcionavam como verdadeiros contratos unilaterais, por meio dos quais a União obrigava a instituição financeira a financiá-la, em afronta à vedação trazida pelo artigo 36 da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Não fosse o bastante, ao fim dos dois anos, a dívida (principal e juros) não era paga nem registrada pelas estatísticas fiscais”, explica Costa d'Ávila.

Tem mais. No âmbito do Minha Casa Minha Vida, atrasar o pagamento de subvenções representaria postergar o registro da despesa primária, mas afetaria a execução da política pública. Então, por lei, o FGTS foi autorizado a honrar os pagamentos da União junto a cada mutuário. “Uma das pedaladas ‘fora da lei’, no caso, consistia em não registrar nas estatísticas o passivo oriundo da concessão do crédito, omitindo, assim, o cômputo da despesa.”

 

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