quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS 

Prática e discurso

Folha de S. Paulo

Bolsonaro age contra ômicron, sem deixar mistificação sobre passaporte da vacina

Ao fim e ao cabo, o governo do presidente Jair Bolsonaro acabou por acatar recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a entrada no país de visitantes estrangeiros durante a pandemia de Covid-19.

Viajantes deverão apresentar, além de teste PCR negativo feito às vésperas do embarque, um certificado de vacinação —ou manter-se em quarentena por um período de cinco dias. É um conjunto de exigências que não discrepa tanto dos adotados em países com histórico de competência muito superior ao nosso no trato da moléstia.

Teria sido obviamente preferível tornar a imunização a exigência padrão, abrindo exceção apenas para crianças, indivíduos que, por razões médicas, não possam tomar a vacina e outros casos especiais.

Não temos, afinal, nenhuma estrutura para verificar se o isolamento será efetivamente cumprido. Há também o risco de que a possibilidade de vir ao Brasil sem imunização, aliada à desvalorização do real, acabe gerando um tipo de seleção adversa, que torne o país um destino dourado para negacionistas internacionais.

Especialmente agora —com as incertezas da variante ômicron— essa é uma situação a evitar.

O fato de Bolsonaro não ter contrariado a recomendação da Anvisa não significa que ele tenha passado a atuar com responsabilidade e equilíbrio. No afã de agradar a seus apoiadores mais aloprados, o presidente simulou que desafiaria o parecer dos técnicos.

Tentou passar a impressão de que o governo rejeitaria o chamado passaporte da vacina, que qualificou como "coleira que querem colocar no povo brasileiro".

Em seu teatro, não hesitou em recorrer a mentiras. Disse que a Anvisa pretendia fechar o espaço aéreo brasileiro, algo que a agência nem sequer cogitou fazer.

No cômputo geral, porém, o governo aceitará os certificados internacionais de vacinação e imporá aos não imunizados regras mais restritivas do que aos vacinados.

Nessa novela de desencontros, foi particularmente assustador ver o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga —alguém que deveria, em virtude do cargo e do diploma de medicina, estar comprometido com a ciência e os objetivos do sanitarismo— ecoar as perfídias do chefe.

"Essa questão da vacinação tem dado certo porque respeitamos as liberdades individuais. O presidente falou há pouco: às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade", disse o ministro, durante o anúncio das mudanças de regras sobre as fronteiras.

A vacinação é bem-sucedida, isso sim, porque a população ignorou a propaganda contrária liderada por Bolsonaro —com colaboração ou omissão de seus acólitos.

Avanço chileno

Folha de S. Paulo

País aprova o casamento gay, tema sobre o qual o Congresso brasileiro se omitiu

O Chile, nação com cerca de 70% de católicos, mais que no Brasil, ultrapassou-nos no avanço representado pelo reconhecimento em lei de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. É o oitavo país latino-americano a dar o passo, num subcontinente em que predominava o conservadorismo religioso.

O Senado chileno aprovou o matrimônio homoafetivo e a adoção de filhos por casais do mesmo sexo por 21 votos, com apenas 8 contrários e 3 abstenções. Modificado, o projeto retornou à Câmara, onde recebeu 82 sufrágios favoráveis, 20 contrários e 2 abstenções.

Os senadores haviam alterado o texto dos deputados para explicitar pontos vagos, como a limitação do número de pais a dois. Houve entendimento de que a redação anterior permitiria a adoção de crianças por grupos de pessoas.

No mesmo diapasão, pronunciando-se sobre o caso de filhos gerados por técnicas de reprodução assistida, parlamentares limitaram a condição de paternidade legal àqueles participantes do procedimento. A chamada barriga de aluguel permanece proibida.

Tais restrições talvez venham a ser superadas um dia, assim como as que ora se esvaem, conforme evolua e se amplie ainda mais o conceito de família. Nesse caminho não parece haver volta, e importa registrar que se extingue uma forma flagrante de discriminação com base na orientação sexual.

O presidente Sebastián Piñera não apoiou a mudança de legislação em seu primeiro mandato, de 2010 a 2014. Agora, declara-se favorável à modificação da lei e deverá sancioná-la, a meras duas semanas da eleição do sucessor.

Os candidatos à frente nas pesquisas têm posições opostas a respeito. Gabriel Boric, de esquerda, votou a favor. Antonio Kast, da direita radical, pronunciou-se contrário e costuma denunciar suposto "lobby gay" na imprensa.

No Brasil a união estável e o casamento de pessoas do mesmo sexo podem ser registradas em cartório, mas somente com fundamento em decisão do Supremo Tribunal Federal e resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não existe lei para tanto.

Essa pauta central do movimento LGBTQIA+ não avança no Congresso muito em razão da pressão religiosa, evangélica ou católica. Para tais grupos o casamento só pode unir homem e mulher. Falta ao Parlamento brasileiro reconhecer que não cabe ao Estado interferir nos laços entre pessoas.

Almas gêmeas

O Estado de S. Paulo

Escandalosamente conivente com o governo Bolsonaro, o PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente pelos seus atos. Lula precisa de Bolsonaro desimpedido

Não é raro ouvir o discurso de que o presidente Jair Bolsonaro tem sido ineficaz na promoção de suas promessas de campanha – em especial, das reformas econômicas – em razão da forte oposição que supostamente encontrou nos partidos de esquerda. O PT e seus satélites não teriam dado nenhuma trégua àquele que os bolsonaristas radicais dizem ser o primeiro governo “realmente de direita” do País.

É interessante que essa narrativa não é repetida apenas pelo bolsonarismo. O PT tenta se apresentar como contundente oposição contra o governo Bolsonaro. No entanto, apesar de servir a interesses de petistas e bolsonaristas, esse discurso não tem nenhum apoio na realidade. Os fatos mostram que o PT tem sido escandalosamente conivente com o governo federal.

Basta ver a atuação do partido de Luiz Inácio Lula da Silva na aprovação do nome de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). O mesmo que foi visto antes, com Kassio Nunes Marques, ocorreu agora. Apesar de colocar-se como oposição nas redes sociais, o PT apoiou os escolhidos de Jair Bolsonaro.

É preciso que fique devidamente registrado para a posteridade. Os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo contaram com o aval do PT. Ou seja, os erros do bolsonarismo em relação ao STF, cujos efeitos serão sentidos pelo País por muitos anos, não tiveram oposição do lulopetismo.

Ademais, é notória a falta de vontade do PT em pressionar pelo impeachment de Jair Bolsonaro. O partido de Lula não mobilizou sua militância. Em alguns momentos, quando se tornou constrangedor demais não fazer nada diante da pressão popular, o PT ainda ensaiou um jogo de cena, mas nada além disso, seja no Congresso, seja nas ruas.

Diante do histórico petista, tão raivoso contra os governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, sabotados de todas as maneiras pelo partido de Lula, é acintoso o atual comportamento do demiurgo de Garanhuns e de seus correligionários, tão compassivos com as demandas de Jair Bolsonaro.

Eis a verdade inconveniente. Apesar de o País dispor de meios constitucionais para tirar um presidente da República que atua de forma incompatível com o cargo, os brasileiros tiveram de suportar Jair Bolsonaro por quatro anos em razão, entre outros fatores, do interesse de Lula de que Jair Bolsonaro continuasse elegível em 2022.

O PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente da República pelos seus atos. Essa frouxidão foi vista também na participação, um tanto acanhada, do partido de Lula na CPI da Covid. Não se viu nenhum vislumbre da antiga combatividade dos petistas em governos anteriores.

Fosse adiante o impeachment, Jair Bolsonaro não estaria no páreo eleitoral do ano que vem, o que certamente dificultaria os interesses eleitorais de Lula. Sem o nome do atual presidente na urna, todos os outros possíveis adversários do líder petista seriam desde já muito mais competitivos. Lula, portanto, precisa de Bolsonaro.

E, estranha ironia, Bolsonaro também precisa de Lula. Sem propostas, sem plano de governo e sem realizações a mostrar, o ex-capitão tem uma única bandeira: apresentar-se como o candidato mais radicalmente antipetista. 

Recentemente, o ex-juiz Sérgio Moro falou sobre a reação de Bolsonaro com a saída de Lula da cadeia. “A gente sabia que o Planalto, o presidente comemorou quando o Lula foi solto, em 2019, porque ele (Bolsonaro) entendia que aquilo o beneficiava literalmente”, disse o pré-candidato a presidente, em entrevista à Rádio Jovem Pan Paraná.

Um e outro, Bolsonaro e Lula, ambos com enorme passivo de malfeitos, demagogia e irresponsabilidade, precisam de um inimigo terrível para mobilizar o País – Lula, amigo de ditadores esquerdistas da América Latina, se apresenta como herói da democracia contra Bolsonaro; já o presidente, empenhado em reduzir o Estado a um despachante de seus interesses privados, brada que é o único capaz de impedir que o lulopetismo volte a controlar o Estado. Um e outro são, assim, associados na empulhação e no atraso.

Desculpa esfarrapada

O Estado de S. Paulo

Falta de transparência na distribuição de recursos do Orçamento permanece para evitar que parlamentares descubram que se venderam por pouco

Um ofício enviado ao governo pelo relator-geral do Orçamento de 2020, Domingos Neto (PSD-CE), escancarou a farsa com que as discussões relacionadas à transparência das emendas de relator têm sido conduzidas. Publicado pelo Estadão, o documento mostrou aquilo que até as pedras sabem: é evidente que é possível revelar os autores dos pedidos de transferências realizadas por meio das chamadas RP-9. Quem diz o contrário e quem compactua com a situação o faz por outras razões.

Não se esperava nada diferente vindo do deputado responsável pelo parecer do Orçamento do ano passado. Dentro da política de compra de votos em que as emendas se transformaram, o relator tem sido usado como figura de fachada entre parlamentares e Ministérios, mas é claro que também tinha acesso às tabelas.

Na peça de 2020, foram executados R$ 20 bilhões em emendas do tipo RP-9 – dos quais R$ 5,4 bilhões alocados ao Ministério do Desenvolvimento Regional foram solicitados por congressistas à Secretaria de Governo da Presidência da República, responsável pela articulação política. O Estadão conseguiu rastrear quase R$ 4 bilhões, ou 13% dos R$ 29 bilhões empenhados pelo Executivo entre 2020 e 2021 por meio da rubrica, mas a maior parte dos recursos permanece sob segredo.

Com o documento, cai por terra a explicação dada à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pelos presidentes da Câmara, Arthur

Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo eles, seria impossível cumprir de imediato a decisão que cobrava publicidade sobre os nomes dos parlamentares envolvidos para retomar os repasses do Orçamento deste ano, relatado pelo senador Marcio Bittar (PSL-AC).

A justificativa é a de que não havia como identificar os responsáveis de forma retroativa, mas apenas daqui para a frente. Para convencer a ministra de suas boas intenções, Lira e Pacheco articularam a aprovação de um ato em que o Legislativo se compromete a ser transparente – isto é, a cumprir a Constituição – só no futuro.

Se Rosa Weber acreditou ou não na explicação dada por Lira e Pacheco e no esforço que será feito pelo Legislativo a partir de agora, pouco importa. O fato é que ela liberou a execução das emendas e deu 90 dias ao Congresso para que dê transparência a elas. Em sua decisão, ela mencionou potencial risco à continuidade de serviços públicos essenciais à população, principalmente na saúde, que fica com metade dos valores. Pacheco, por sua vez, disse que fará o “possível” para cumprir o prazo.

Assim, mantém-se a brecha para o descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que proíbe a destinação de recursos por orientação política sem a observância de critérios socioeconômicos, bem como os princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade e publicidade. A nova resolução das RP-9 ignora ainda critérios que exigem execução equitativa para a distribuição de outras emendas, individuais e de bancada. Fato consumado, o País terá que aceitar o meio-termo, tudo para que os parlamentares não sejam expostos ao vexame de descobrir que podem ter vendido seu apoio aos péssimos projetos do governo por um valor muito menor do que o pago a seus correligionários, ruindo a base de Jair Bolsonaro.

Para o Orçamento de 2022, relatado pelo deputado Hugo Leal (PSDRJ), as emendas RP-9 podem chegar a R$ 16,2 bilhões. Coincidentemente, o valor seria suficiente para zerar a fila de candidatos ao Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. Estimativas atualizadas apontam que 21,6 milhões de famílias estariam aptas a receber o benefício, mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios abriu espaço para contemplar somente 17,9 milhões. Vale lembrar que a permanência das filas de miseráveis contou com o aval do governo. Outra empulhação se revela: socorrer os mais pobres não era justamente a desculpa para abrir o rombo de R$ 106,1 bilhões no teto e acabar com pilares macroeconômicos e de responsabilidade fiscal?

Congresso precisa ser ágil e aprovar PL das Fake News

O Globo

É feliz, oportuno e necessário o texto do Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido por PL das Fake News, que vai a plenário na Câmara. Os deputados, em particular o relator Orlando Silva (PCdoB-SP), trataram com cuidado e rigor a redação original recebida do Senado. Promoveram aperfeiçoamentos derivados de mais de 30 audiências públicas com 150 especialistas. O resultado, ainda que possa estar sujeito a controvérsias pontuais num ou noutro artigo, traz um avanço inegável ao ambiente de comunicação brasileiro às vésperas do ano eleitoral.

Seria um equívoco sem tamanho acreditar que o projeto tenta apenas coibir a desinformação e as notícias fraudulentas, como o apelido sugere. O nome oficial — Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet — transmite de modo mais preciso seu teor. O texto cria regras e limites para defender o cidadão e a democracia num terreno hoje sob controle das grandes empresas de tecnologia: redes sociais como Facebook, Instagram ou Twitter; serviços de mensagens como WhatsApp ou Telegram; ferramentas de busca como Google.

O desafio dessa regulação é mediar dois valores essenciais da democracia. Primeiro, a liberdade de expressão. Segundo, a responsabilização dos que dela abusam para cometer crimes como injúria, calúnia, difamação, racismo, homofobia, discursos de ódio, campanhas mentirosas contra a saúde pública ou instituições democráticas. O relator criou mecanismos que tentam coibir abusos sem cercear liberdades.

As plataformas digitais precisarão ter regras públicas de uso e moderação de conteúdo, além de publicar relatórios periódicos com transparência. Haverá medidas contra robôs e conteúdo tido como “inautêntico”, com identificação dos usuários em caso de violação. Serão impostas restrições ao encaminhamento múltiplo de mensagens. A inclusão em grupos estará sujeita à anuência do usuário, de modo que serviços como o WhatsApp sejam usados para comunicação individual em vez do disparo em massa de propaganda.

Na moderação, terão direito a defesa os usuários cujos perfis ou conteúdos forem limitados, rotulados ou banidos. Haverá regras para funcionários públicos e perfis oficiais de autoridades, que não poderão bloquear cidadãos. A imunidade parlamentar será resguardada nos mesmos termos da Constituição. Haverá uma instituição criada pelas próprias plataformas digitais para receber denúncias e tomar as medidas cabíveis com agilidade. A fiscalização ficará a cargo do Comitê Gestor da Internet.

As plataformas terão de identificar com clareza publicidade e conteúdos que pagarem por “impulsionamento”. Empresas com sede fora do Brasil e mais de 10 milhões de usuários aqui deverão ter representantes legais no país para vender publicidade a brasileiros. Todo anunciante deverá poder ser identificado às autoridades. Por fim, o texto estabelece que as plataformas deverão remunerar empresas jornalísticas pelo uso de conteúdo, como já ocorre na Austrália, França e Alemanha.

A votação na Câmara depende do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Uma vez aprovado lá, o projeto deverá passar por nova votação no Senado, pois houve alterações no conteúdo. Para o bom funcionamento da democracia brasileira, a versão da Câmara deveria ser aprovada com urgência e, depois, mantida no Senado, a tempo de o país ter mecanismos eficazes de combate à desinformação no ano eleitoral.

Governo erra ao contrariar Anvisa e permitir entrada de não vacinados

O Globo

Ao contrariar recomendação da Anvisa e permitir a entrada no Brasil de viajantes não vacinados, mediante quarentena de cinco dias, o governo federal mais uma vez erra na gestão da pandemia. A medida, tomada sob o argumento de evitar a exigência de um passaporte sanitário, é contraditória, pois não dispensa a apresentação de comprovação da vacina para quem quiser evitar a quarentena. E tem efeito duvidoso, pois não se sabe como será o controle e a fiscalização. Tudo isso enquanto a esquiva variante Ômicron se espalha pelo mundo.

Na prática, tem sido pífia a vigilância fronteiriça. Em maio, quando a variante Delta se espalhava, um brasileiro desembarcou em Guarulhos, viajou para o Rio, depois foi para Campos, no Norte Fluminense, onde se hospedou em dois hotéis antes de voltar à capital. Quando exames do Instituto Adolfo Lutz constataram que ele estava infectado com a cepa indiana, ele já tivera contato com dezenas de pessoas. Rastreamento zero. O caso é típico.

Todos sabem que Bolsonaro é contra a vacinação obrigatória. E que seus ministros da Saúde não têm autonomia. Na segunda-feira, estava marcada uma reunião com a Casa Civil e os ministérios de Justiça, Saúde e Infraestrutura para tratar da nota técnica da Anvisa que recomendava a exigência do passaporte sanitário para entrar no Brasil. A intenção da agência era evitar que o país se transformasse em reduto para não vacinados, facilitando a evolução de novas cepas e pondo em risco a saúde pública. A reunião foi desmarcada em cima da hora depois de Bolsonaro esculhambar a orientação da Anvisa.

Na terça-feira, antes mesmo de o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciar a permissão para entrada de não vacinados, Bolsonaro já deixara clara a posição do governo. O presidente mentiu ao dizer que a Anvisa queria fechar o espaço aéreo brasileiro. Chegou ao cúmulo de comparar o passaporte sanitário a uma coleira. “Por que essa coleira que querem colocar no povo brasileiro? Cadê nossa liberdade? Prefiro morrer a perder minha liberdade”. Mais tarde, Queiroga repetiu o disparate, dizendo que “às vezes, é melhor perder a vida do que a liberdade”.

O passaporte sanitário é adotado no mundo inteiro como forma de estimular a vacinação e de aumentar a segurança da população. Na Itália, passou a ser exigido nos transportes públicos. Nova York, nos EUA, tornou a vacinação obrigatória para funcionários de empresas privadas. A Alemanha impôs lockdown para não vacinados. No Brasil, várias cidades e instituições exigem comprovante de vacinação.

Países ricos puxam expansão global e China desacelera

Valor Econômico

China deve crescer menos por alguns anos - mas não tanto a ponto de criar problemas políticos para um presidente que se pretende vitalício

A China terá o menor crescimento em décadas em 2022 e as economias desenvolvidas terão um papel quase igual ao dos países emergentes em garantir um crescimento global estimado em 4,9%, o que também é inédito na história recente. Os chineses são os maiores compradores de commodities do Brasil e, salvo mudanças inesperadas na oferta e nos estoques, seus preços deverão ser menos atraentes do que foram em 2021. O passo firme da economia americana e a recuperação europeia abrem algum espaço para reanimar as exportações brasileiras de manufaturas, há muito tempo sem um desempenho significativo.

A evolução da covid-19 e sua mais recente variante, a ômicron, e a reversão dos enormes estímulos monetários e fiscais nos países desenvolvidos determinarão a dinâmica do crescimento global. Reincidências violentas do coronavírus e um erro no ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos poderão levar o mundo a crescer bem menos do que o previsto. Ambos são possíveis, mas não compõem o cenário mais provável.

Os problemas dos Estados Unidos são mais suaves do que os da China, as duas maiores economias do mundo. A inflação americana é a mais alta entre as nações desenvolvidas, enquanto a da China é baixa e está sob controle (perto de 3%). O Federal Reserve mudou o tom de sua orientação e deve acelerar a retirada dos estímulos extraordinários executados para enfrentar a pandemia, que começou em novembro e que deve ter seu passo adiantado decidido na reunião do banco central em dezembro. Mesmo na pior hipótese levantada pelos analistas - três altas de 0,25 ponto percentual dos fed funds em 2022 - a política monetária ainda será estimulativa.

Deflacionado pelo PCE, o índice de inflação preferido do Fed (5,1% em outubro), a taxa real de juros é negativa em 5%. O título do Tesouro de 10 anos, com a alta da inflação, paga juro de -3,5%, um recorde de baixa (Oxford Economics). Mas o aperto das condições financeiras que isto sinalizaria pode ter efeitos muito maiores do que os de um aumento de 0,75 ponto percentual nos fed funds. O risco é o Fed errar na calibragem dos juros e a economia esfriar mais do que o necessário. A política fiscal será contracionista, pois a retirada dos estímulos, que já ocorreu em boa parte, terá mais impacto que os pacotes multianuais aprovados do governo de Joe Biden.

As dificuldades da economia chinesa são de outra natureza. Bolhas de crédito acumuladas por anos estouraram na forma de colapso da Evergrande, a maior incorporadora imobiliária do país, seguida ontem pela Kaisa, a segunda tomadora de empréstimos no exterior, que não quitou débitos que venciam, além de dezenas de outras empresas desse mercado. O governo chinês tenta mais uma vez desarmar a bomba do endividamento sem derrubar muito o crescimento. Após apertar a regulação e o crédito, o BC chinês reduziu o compulsório dos bancos, enquanto os veículos financeiros dos governos locais aumentaram a compra de terras de incorporadores em dificuldades.

Quase um quarto do PIB chinês gira em torno dos imóveis e essa é uma tremenda encrenca imediata. Há outras: surtos de covid-19 em várias regiões acionaram o tratamento de choque padrão das autoridades, isolando cidades ou bairros inteiros para controlá-los, com diminuição das atividades econômicas. Dificuldades no abastecimento da energia levaram Pequim a ressuscitar em massa o carvão como combustível das térmicas.

A disputa com os Estados Unidos e o aperto político interno decretado por Xi como reação a ela - maior controle dos dados, freio regulatório e de conteúdo das gigantescas empresas de TI, intervenção no sistema privado de apoio ao ensino - têm efeito negativo sobre a economia. Xi intensificou o rumo da China em direção ao mercado interno, em uma transição problemática que deve significar crescimento menor por alguns anos - mas não tão menor a ponto de criar problemas políticos para um presidente que se pretende vitalício. Por outro lado, a guerra comercial com os EUA desviou parte das compras americanas da China para Vietnã, México, Tailândia etc.

Os países emergentes da Ásia, às voltas com virulência da covid-19 no terceiro trimestre, não sofrem surtos inflacionários e devem voltar a crescer bem em 2022. Não é o caso dos emergentes latino-americanos, como o Brasil, que já estão apertando sua política monetária e possivelmente terão de continuar a fazê-lo depois que o Fed começar a elevar a taxa de juros. O Brasil terá crescimento próximo de zero ou recessão.

 

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