Folha de S. Paulo
Assim como crime de Bolsonaro, ataque ao
Orçamento não causa mais escândalo
O dinheiro escondidinho das emendas
parlamentares de "relator" já deu em pelo menos um escândalo, até com pacote
de dinheiro filmado pela polícia. Mas o escândalo não causou escândalo
(leia mais adiante).
A mumunha do direcionamento anônimo de
verbas do Orçamento federal para feudos eleitorais de deputados e senadores, o
"Orçamento secreto", é muito maior, mas não sabemos da extensão do
rolo. Não há investigação ampla. Menos ainda haverá, claro, atitude do Congresso do
centrão, que se lambuza com o Bolsolão, a troca de emendas pela sobrevivência
política de Jair
Bolsonaro.
O assanhamento moralista santarrão que
contribuiu para a derrubada de Dilma
Roussef e a eleição da extrema direita está dopado. "Indignação
seletiva", como dizia o lugar comum. O país está dopado, estupidificado.
Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade em pencas, mas não é incomodado. Os inquéritos das rachadinhas da família se desfazem em chicanas. Não se sabe em que pé estão os inquéritos das "fake news" e dos comícios golpistas. A CPI da Covid vai dar no quê? Em um inquérito arquivado, sei lá, em 2032? Essa gente que ora ocupa o Planalto pode passar o governo inteiro cometendo crimes, à vontade.
No caso do Bolsolão do centrão, o nome que
se dê, a Polícia Federal tem imagens de leva e traz de pacotes de dinheiro,
conversas gravadas da mutreta e muito mais. Um deputado federal do Maranhão,
governista, conseguiu emendas para bancar obras em cidades do seu feudo
eleitoral. Empresas contratadas para executar o serviço desviavam parte do
dinheiro para o deputado, segundo as investigações, reveladas pela revista
Crusoé e por esta Folha.
Não dá nem para repetir o clichê sempiterno
da República, que vem desde o primeiro comentário sobre a inauguração do
regime: o povo assistia a tudo bestificado. Quem está vendo alguma coisa? O
show da corrupção está suspenso.
A ministra Rosa Weber, do Supremo, havia
decidido interromper o pagamento dessas "emendas de relator",
pois queria transparência, que estivesse claro quem indicou a remessa para tal
lugar. Na verdade, o buraco é mais profundo, pois na prática não há
fiscalização adequada do uso desse dinheiro, nem a despesa é orientada por
critérios de política pública.
Depois da decisão do Supremo, o Congresso
aprovou uma gambiarra para que a distribuição de dinheiro continue; Rosa
Weber acabou, pois, com a suspensão.
É assim que o esquema de poder do centrão
funciona. Nada de novo, apenas mais obscuro e com mais dinheiro (um extra de
cerca de 1% da despesa federal. Note-se que cerca de 95% da despesa federal é
obrigatória. Apenas 5% tem uso livre, "discricionário"). Destinar
dinheiro por meio de emendas não é roubo nem ilegal, em si mesmo, apesar do uso
à matroca dos recursos, sem critérios de prioridade, equidade, publicidade e
eficiência. O método da nova mumunha, porém, favorece escândalos periódicos com
o Orçamento.
Por falar nisso, o Congresso centrão está
dedicando as últimas semanas do ano a garantir outro pacotaço de emendas de
relator para 2022, assim como arrumar um fundo eleitoral gordo, de mais de R$ 5
bilhões. São dinheiros para barrar a concorrência político-eleitoral, para favorecer
a reeleição de quem tem poder de presentear emendas, para manter o centrão e
seus métodos no comando.
O que fazer? Somos reféns. A maioria está
quieta. Os fariseus da "luta contra a corrupção" estão quietos. Outra
parte do gado está feliz com Bolsonaro. As porteiras estão abertas para a
roubança e para o governo do crime de responsabilidade contínuo, o que garante
que também prossiga o restante da obra de destruição do país.
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