O Globo
É perigosa a ideia de que o caminho é
contar com uma Esplanada dos Ministérios inchada e com uma gastança desenfreada
O Brasil precisará ser reconstruído a
partir de escombros deixados pelo período Jair Bolsonaro em praticamente todas
as áreas da administração pública, nas relações entre os Poderes e nos marcos
básicos civilizatórios que pautam a convivência entre os diferentes na
sociedade. Mas, para isso, é ilusória e perigosa a ideia de que o caminho é
contar com uma Esplanada dos Ministérios inchada e com uma gastança desenfreada
que não se preocupe em cortar gastos e mostrar de onde virão as receitas. Esses
são dois vetores preocupantes da transição até aqui.
É muito difícil encontrar propósito técnico
nas 300 nomeações para uma passagem de bastão de 60 dias, dos quais quase 20
foram gastos só com listas de nomes que não terminam jamais.
Garantir representatividade, diversidade e pluralismo de ideias é uma meta desejável em se tratando da formação do futuro governo. Mas é uma tarefa espinhosa, que requer liderança e autoridade para dizer muitos “nãos” e desagradar interesses conflitantes.
Se é sabido que a transição é um período de
coletar dados de um governo opaco e tragado por ideologia e ineficiência
operacional, de que adianta formar grupos balofos que perderão semanas só
montando a própria sistemática de trabalho e reuniões?
Seria muito mais eficaz designar três ou
quatro técnicos de cada área, que fossem bater nas portas dos ministérios de
Bolsonaro já sabendo que informações precisam extrair em termos de programas,
verbas, contratos e organograma, aquilo que será necessário para que o time que
entra saiba que incêndios precisará apagar, que botões precisará apertar para a
máquina andar e que cavalos de pau precisará dar para desmontar sigilos de cem
anos, decretos obscurantistas, privilégios a grupos específicos ou apagões
orçamentários legados pelo bolsonarismo.
Geraldo Alckmin, cujo papel é central para
fazer o meio de campo com os militares — a ausência do grupo da Defesa nessa
transição para lá de inchada mostra a dificuldade dessa interlocução —,
apaziguar os ânimos na Economia e conciliar os diferentes partidos que
disputarão poder na Esplanada, está sobrecarregado com listas de nomes que, ao
final do dia, provavelmente não terão (ao menos não todos) espaço no governo
Lula 3. Então para quê?
Se o grupo de transição vai ganhando
contornos de diretório acadêmico, a sinalização dada pela negociação das novas
diretrizes orçamentárias também preocupa.
Ao mesmo tempo que pedem de um Congresso
que está de saída aval para deixar R$ 175 bilhões fora do teto por quatro anos,
os representantes do governo eleito acham que é bobagem clarear o horizonte de
médio e longo prazo sobre que diretriz fiscal norteará as ações do governo.
Não deveria ser novidade para Lula a
necessidade de ser transparente para com os agentes econômicos, e essa tentava
de infantilizar a discussão pintando o mercado como bicho-papão que é contra
matar a fome do povo não condiz com o histórico de alguém que foi sufragado
para ocupar a Presidência pela terceira vez.
É até possível que, com transparência e
articulação política, o futuro governo consiga pactuar com a política e com os
setores financeiro, produtivo e a sociedade a ideia de que os gastos sociais
têm de ser excetuados da regra fiscal para que o país dê o salto prometido na
campanha em termos de segurança alimentar e desenvolvimento humano.
Mas algo precisa ser colocado no lugar em
termos de compromisso com a austeridade. Pedir um waiver social e ao mesmo
tempo querer dar um salto no investimento público para R$ 100 milhões já na
largada carece de uma explicação a respeito de que gastos serão cortados e de
onde virá a receita. Nada disso está colocado na pauta de uma transição até
aqui refém da fogueira das vaidades e pouco dedicada a se debruçar sobre dados,
papéis e números.
Um comentário:
Muita cobrança desnecessária.
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