Folha de S. Paulo
Transição verde e conjuntura mundial são
estradas abertas; dívida ilimitada é desastre
Luiz Inácio
Lula da Silva fez grande sucesso de público na COP27, a
conferência do clima da ONU. Também pode fazer grande sucesso de crítica.
A mudança
necessária para conter o desastre climático é uma rara
oportunidade para o Brasil embarcar em um trem avançado da economia mundial.
Por acasos da conjuntura internacional, há outras estradas abertas, no comércio
e no investimento.
Para começar, o mero fato de dar cabo da
era de trevas (2019-2022) pode trazer de volta investimentos que estavam
travados porque empresas interessadas têm, por qualquer motivo,
compromissos ambientais. A coisa vai além.
Um programa bem pensado de "transição verde" pode ser um plano de progresso social e tecnológico. Do que se trata?
No mais óbvio, desmatamento zero, mais
energia limpa, reforma do setor elétrico, uso racional do solo pela
agropecuária, uso adequado da água, tributação de danos ambientais
("externalidades negativas", ganhos dos envolvidos do negócio com
impacto negativo e perdas para a sociedade em geral).
Mais ainda, pode ser um plano de pesquisa
tecnológica para aproveitar as vantagens naturais e comparadas do Brasil em
energia e ambiente (como a Embrapa o fez na agricultura, mal comparando). Esse
plano verde, aliás, estava no programa do
candidato Lula.
Acasos ou desdobramentos da conjuntura
mundial podem favorecer o Brasil. A guerra na Ucrânia, o conflito entre EUA e
China e o risco de fragmentação do mundo em blocos sugerem que um fornecedor
seguro, de commodities ou mais, pacífico e de boas relações em geral, pode
ganhar como destino de compras e investimentos.
Mais imediatamente, a situação econômica
mundial precária faz com que o Brasil não pareça um lugar tão ruim, em
particular entre países ditos emergentes. Começou a combater a inflação mais
cedo (em tese, pode baixar a taxa básica de juros mais cedo) e conteve o
aumento da dívida no pós-pandemia, com um tanto de sorte e problemas sob o
tapete (como esse Orçamento infame para 2023). A alta de juros, enorme, não
vai, por si, jogar o país em recessão. O patinho fica menos feio no ambiente
mundial degradado.
A situação fiscal (déficits e dívida) é
horrível, mas controlável. Um tanto surpreendente, não houve deterioração
financeira extra por causa da eleição (o problema vinha de 2021).
Favor prestar atenção, ora não se
discute CORTE de
gastos, mas AUMENTO, para uma despesa recorde, fora o 2020 da
epidemia. Embora isso não saia de graça, estava dado que seria preciso engordar
o Bolsa Família, por exemplo. Note-se que o Bolsa Família levou, em média,
0,43% do PIB de 2012 a 2019 (antes, era menos); em 2023, deve ficar com 1,65%
do PIB (quase quadruplica).
Para fazê-lo e cuidar de outras
necessidades sociais urgentes, não é preciso aumentar o déficit primário dos
0,6% do PIB previstos para 2,2% em 2023, como quer o governo de transição, e
talvez durante Lula 3 inteiro, o que seria um problema sério (ou um desastre).
A situação fiscal horrível pode ser
atenuada por uma regra crível de contenção da dívida e mudanças que acelerem o
crescimento (reforma tributária, facilitação e incentivo de investimento
privado, parcerias público-privadas em estados e cidades). Por ora, dado o
estrago de uma década, é o que temos para o gasto público: arroz com feijão,
com o bife duro de alguma alta de impostos.
Pode ser um prato suficiente para alimentar
um círculo virtuoso: juros em baixa, mais investimento, crescimento e
arrecadação. Dizer "dane-se" para a alta dos juros e do dólar é uma
ignorância que conduz ao círculo vicioso dos infernos e desperdiça
oportunidades que batem à porta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário