O Estado de S. Paulo
Esquerda tem de parar de pensar que responsabilidade fiscal é uma questão de direita
Ampliar gastos com transferências sociais
deixou de ser uma bandeira exclusiva da esquerda brasileira. O Congresso, com
políticos posicionados em todo o espectro ideológico, criou o auxílio
emergencial no começo da crise sanitária. Este foi
posteriormente apropriado pelo governo Bolsonaro na forma do Auxílio
Brasil. O gasto com programas sociais saiu de R$ 33 bilhões com
o Bolsa Família para
R$ 150 bilhões estimados para 2023 – dos quais, R$ 105 bilhões estão orçados.
Isso seria inimaginável há alguns anos. A ampliação de programas sociais era recebida com resistência por diversos setores políticos e econômicos. A pandemia, portanto, normalizou o gasto com o social, um desejo latente da esquerda.
A PEC da Transição, no entanto, foi
desenhada para criar um espaço fiscal que vai além. Ao excluir o programa que
volta a ser o Bolsa Família e investimentos do teto de gastos, cria-se espaço
de R$ 105 bilhões para novas despesas. A discussão do mérito de quais despesas
preencheriam esse espaço ficou em aberto. A PEC, como desenhada hoje, não se
justifica por um aumento dos gastos sociais. Esse recurso será usado com qual
finalidade?
Os colegas Cláudio Frischtak, Marco Bonomo
e Paulo Ribeiro mostram no artigo “Os limites do possível”, no jornal O
Globo, que, caso os gastos cresçam no limite do espaço deixado pela nova PEC, a
dívida brasileira teria trajetória explosiva. Os autores propõem uma excelente
alternativa que permitiria o cumprimento de promessas de campanha e uma
trajetória estável da dívida brasileira.
Além da incerteza fiscal, perde-se também a
oportunidade de se discutir mecanismos inovadores de combate à desigualdade.
Progressividade tributária, educação na primeira infância, sistema de
seguridade social para mães solo são exemplos de políticas adicionais.
Ficamos parados em um debate antiquado. A
discussão se mantém em querer expandir gastos e flexibilizar regras
orçamentárias, sem desenhar os mecanismos de atuação de novas políticas
públicas. O presidente chileno, Gabriel Boric,
parece ter entendido. Em entrevista ao jornal argentino Clarín, ele
foi categórico: “Na esquerda, temos de parar de pensar que responsabilidade
fiscal é uma questão de direita”.
A maior parte dos economistas hoje não
acredita mais que é preciso fazer o bolo crescer para, então, dividir. A
miséria, além de uma restrição ao exercício mínimo de direitos humanos, é vista
como um impeditivo ao crescimento econômico. A campanha acabou, e a realidade
se impõe. O que a esquerda que está voltando ao poder com o apoio de uma frente
ampla tem a contribuir no debate do combate à desigualdade para além daquilo
que já se tornou o status quo?
*Professora do Insper, Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook
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