O Globo
O país sempre foi território hostil às
pessoas do sexo feminino, mas a brutalidade alcançou patamar inaceitável neste
2025
A despeito do esforço dos homens dos Poderes em buscar holofotes para o permanente estado de crise entre Executivo, Legislativo e Judiciário, não há nada mais urgente no Brasil do que a epidemia de violência contra mulheres. O país sempre foi território hostil às pessoas do sexo feminino, mas a brutalidade alcançou patamar inaceitável neste 2025, em que agressões e assassinatos, em vias públicas, são filmados e exibidos em looping sem que Lulas, Alcolumbres, Mottas e Gilmares interrompam as picuinhas de Brasília em socorro ao grupo populacional que é maioria na população, no eleitorado e no comando das famílias. O Ministério da Justiça registra quatro feminicídios, sete homicídios, 196 meninas e mulheres vítimas de estupro a cada dia. E o país segue funcionando como se violentadas elas não fossem.
Faz uma semana que duas servidoras do Cefet,
escola federal no Rio de Janeiro, foram mortas no local de trabalho por um
funcionário que, na sequência, deu fim à própria vida. Com a arma que adquiriu
legalmente como CAC, João Antônio Miranda Tello Ramos Gonçalves atirou em
Allane de Souza Pedrotti Mattos, de 41 anos, e Layse Costa Pinheiro, 41, por
que não suportava ser chefiado por alguém do sexo oposto. Tinha ódio de
mulheres que ascendiam, numa nação em que filhas e netas da primeira geração de
feministas ganham 79,3% do rendimento médio deles; e não chega a 40% a
proporção de estabelecimentos com políticas para promovê-las a postos de
gerência e direção. A remuneração é menor, as oportunidades são escassas. E
mulheres correm risco de morrer ao se destacar, como aconteceu com a vereadora
Marielle Franco, executada aos 38 anos, em 2018; com a pedagoga Allane e a
psicóloga Layse; com Antônia Ferreira dos Santos, 53, e Marly Viana Barroso,
71, integrantes do movimento das quebradeiras de coco babaçu, brutalmente
assassinadas no Pará, às vésperas da COP30.
As que não morrem sobrevivem sob o peso das
agressões. A quinta edição da pesquisa sobre violência contra mulheres,
assinada por Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Datafolha, mostrou
crescimento em praticamente todos os tipos investigados. Ao todo, 21,5 milhões
de brasileiras de 16 anos ou mais sofreram alguma violência nos 12 meses
anteriores. As ofensas verbais, expressas por insulto, xingamento ou
humilhação, saltaram de 23,1% para 31,4% num par de anos; ameaças, de 12,4%
para 16,1% das entrevistadas, entre 2023 e 2025; perseguição, de 13,5% para
16,1%; tapa, empurrão ou chute, de 6,3% para 11,6%; abuso sexual, de 5,4% para
9%; ferimentos provocados por objetos arremessados, de 4,2% para 8,9%.
— Os índices não param de crescer. Em 2025,
as formas graves de violência descolaram totalmente. Estamos tentando entender
o que está acontecendo, talvez um descolamento de atitudes entre meninos e meninas.
Eles se radicalizando de um lado; elas, de outro, mais progressistas — diz
Samira Bueno, diretora executiva do FBSP.
A referência aos homens não é gratuita. São
eles os autores de oito em cada dez registros de violência contra elas. O Atlas
da Violência 2025 atestou que mulheres enfrentam violência “durante toda a
trajetória de vida”. Quando meninas, padecem por negligência; a partir dos 10
anos, predomina a violência sexual; dos 15 em diante, as agressões físicas.
Pretas e pardas são as mais vulneráveis. A residência ainda é o ambiente de
maior risco: 71,6% das notificações ocorreram dentro de casa, tornada espaço de
dominação e imposição do poder masculino, informa relatório do Ministério das
Mulheres. Habitualmente intensos nos ambientes privados, são cada vez mais
frequentes os episódios violentos, de espancamento a assassinato, em espaços
públicos. Criminosos atacam sem temer filmagem nem testemunhas. Tainara Souza
Santos, de 31 anos, mãe de dois filhos, teve as duas pernas amputadas após ser
atropelada e arrastada por 1 quilômetro na Marginal Tietê, em São Paulo, por
Douglas Alves da Silva, de 26. Também na capital paulista, Bruno Lopes
Fernandes Barreto atirou seis vezes, com duas pistolas, contra a ex, Evelin de
Souza Saraiva, 38, na pastelaria em que ela trabalhava.
Em Juiz de Fora (MG), um agressor de 53 anos
foi indiciado por, entre outras agressões, morder, arrancar e engolir parte do
lábio da companheira, de 46. Em Várzea Paulista (SP), uma mulher perdeu 100% do
movimento do tendão da mão direita, depois de um amigo arremessar um tacho
contra ela. A professora Catarina Kasten, 31, foi estuprada e assassinada numa
trilha na Praia da Armação, em Florianópolis (SC), a caminho da aula de
natação. Brutal, o crime foi citado pelo ministro Edson Fachin, presidente do
Supremo Tribunal Federal, num discurso contra a violência de gênero na abertura
da sessão plenária, na quarta-feira passada:
— Os dados alarmantes demonstram que mulheres
e meninas têm medo de sair de casa e não voltar, enquanto outras têm medo de
ser agredidas em seus locais de trabalho ou de permanecer em seus lares, o
local onde mais sofrem agressões. O Poder Judiciário conclama toda a sociedade
brasileira: a proteção da vida e da dignidade das mulheres não é um tema
opcional. É um dever constitucional, um imperativo moral e uma responsabilidade
indeclinável de todos.
Assino.

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