O Globo
O problema está justamente no vale-tudo, tudo
mesmo, em que prevalece a mistura de interesses pessoais e partidários
Claro que é prerrogativa do presidente da
República indicar nomes para o Supremo Tribunal Federal. Está na letra da lei.
Mas o espírito da lei pede mais. O indicado, além do notório saber jurídico e
da reputação ilibada, deve ser capaz de exercer a neutralidade e a
independência para julgar até o próprio presidente que o indicou. Ingenuidade,
dirão — e com razão, quando se observa a prática política de hoje. O problema
está justamente aí, nesse vale-tudo — tudo mesmo — em que prevalece a mistura
de interesses pessoais e partidários.
O presidente Lula exerce sua prerrogativa quando indica Jorge Messias, advogado-geral da União, a uma vaga no Supremo. Mas qual a principal credencial do indicado? Ser próximo do presidente, um quadro de sua confiança — como admitem abertamente seus colaboradores. Messias não é um estranho no mundo jurídico. Mas é, antes de tudo, um quadro do PT — tendo participado de várias gestões petistas e assessorado parlamentares do partido.
O presidente do Senado não tem a prerrogativa
de indicar nomes ao Supremo. Pode sugerir, como fez, mas não pode reclamar ou
ficar irritado quando “seu” nome não é contemplado. Sua função constitucional
é, ao contrário, garantir que o indicado do presidente passe por uma sabatina
justa e criteriosa, de modo que os senadores possam formar um juízo
independente sobre o indicado.
Ingenuidade de novo, dirão. Mas esse é o
espírito que forjou as instituições republicanas. E que passa muito longe de
práticas como acelerar ou atrasar a sabatina, em meio a barganhas — perdão,
negociações. Além disso, se o indicado é um quadro do PT, por que o presidente
do Senado não poderia brigar por um quadro do Senado, um nome mais próximo a
ele?
E assim estamos hoje: a quilômetros de
distância dos critérios de independência e competência acima de qualquer
dúvida. Não é esse o único momento em que a República e o interesse público são
maltratados.
Ainda na semana passada, depois de meses de
enrolação, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026.
Garante o pagamento de 65% das emendas parlamentares no primeiro semestre. É
descarado: os atuais deputados e senadores terão milhões à disposição
justamente a tempo de irrigar suas campanhas eleitorais. Lula disse que, com as
emendas, os parlamentares sequestraram o Orçamento. Tem razão. Mas o governo
também não respeita o Orçamento.
Para aprovar a LDO, os governistas trocaram
as emendas por “espaço fiscal” — dinheiro para gastar fora da meta. A meta para
2026 é um superávit de R$ 34 bilhões. Mas, se der zero, o governo a terá
legalmente cumprido, pois o Orçamento oferece uma margem de tolerância. Na
verdade, a mágica vai além: se fizer um déficit de uns R$ 10 bilhões, cumprirá
a meta de superávit. É que alguns gastos não entram na contabilidade oficial,
como os R$ 10 bilhões que podem ser alocados para tentar salvar os Correios.
O governo gasta o dinheiro efetivamente,
gasta mais que arrecada, toma emprestado e, ainda assim, cumpre meta de
superávit. Se o Orçamento é assim desmoralizado, por que os parlamentares se
preocupariam com isso de equilíbrio fiscal?
No Rio, toda a política foi mais uma vez
desmoralizada, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo
Bacellar. O que ele fazia com R$ 90 mil em dinheiro vivo, que guardava numa
mochila?
Para coroar a semana, na sexta passada, na
surdina, o Senado aprovou um reajuste salarial para servidores do Tribunal de
Contas da União. A remuneração pode chegar a R$ 64 mil mensais, bem acima do
teto constitucional de R$ 46.366,19. Esse extrateto, como no caso de milhares
de juízes e outros funcionários, é isento de IR. Em 2026, o governo cobrará
mais IR dos contribuintes que ganham mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil ao
mês), para compensar a isenção dos que ganham até R$ 5 mil. Justiça tributária,
explicam. Mas não para todos.

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