Por Leonardo Cazes
Novo livro do sociólogo espanhol Manuel Castells analisa os movimentos sociais na era da internet e será tema de debate na próxima terça-feira, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, às 19h30m
As manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho provocaram surpresa e perplexidade com as suas múltiplas reivindicações, novas formas horizontais de organização e a comunicação instantânea através de celulares e redes sociais. Com o objetivo de discutir os movimentos sociais na era da internet, o Prosa nas Livrarias — evento promovido pelo GLOBO em parceria com livrarias e editoras — reunirá a antropóloga Karina Kuschnir e o psicanalista Marco Antônio Coutinho Jorge para um debate à luz das ideias do sociólogo espanhol Manuel Castells, cujo livro “Redes de indignação e esperança” está sendo lançado no Brasil pela Zahar. O encontro acontecerá na próxima terça-feira, às 19h30m, na Travessa do Shopping Leblon, com mediação de Pedro Dória, editor-executivo e colunista do GLOBO.
Castells é um dos principais teóricos contemporâneos da sociedade em rede e acompanhou as experiências da Primavera Árabe, do Occupy Wall Street e dos Indignados na Espanha. Estes movimentos são os seus principais objetos de reflexão no livro, em que recupera em detalhes não só a sequência de eventos que os desencadearam, como também procura encontrar pontos de contato entre eles e os resultados conquistados. Há também um posfácio à edição brasileira, em que o espanhol elogia a disposição da presidente Dilma Rousseff para o diálogo com as ruas.
Para o sociólogo, a internet e as redes sociais foram o berço dos movimentos por serem um espaço de autonomia, muito além do controle de empresas e governos. O autor argumenta que primeiro as redes catalisam a indignação coletiva e, depois, se tornam motor da esperança, quando a população vislumbra a possibilidade real de mudança. Superado o medo inicial da reação dos poderes constituídos, invariavelmente violenta, os manifestantes tendem a ocupar o espaço público, como as praças.
Brasil nas ruas
O psicanalista Marco Antônio Coutinho Jorge chama atenção para o fato de que os protestos no mundo árabe foram desencadeados por atos terríveis, como o homem que ateou fogo ao próprio corpo na Tunísia. Em uma avaliação psicanalítica, ele afirma que eventos traumáticos foram a gota d’água para uma situação insustentável. Jorge concorda com a análise desenvolvida por Castells e usa uma experiência pessoal para exemplificar mostrar a importância das redes sociais na mobilização das pessoas.
— Em 2007, fui à missa de sétimo dia do menino João Hélio (que morreu após ser arrastado por várias ruas depois que bandidos roubaram o carro em que estava) e esperava encontrar uma multidão. Foi um caso de grande comoção na época. A Candelária estava cheia, mas creio que se a mesma coisa acontecesse hoje, o número de pessoas presentes seria muito maior. Em 2007, o uso das redes sociais era bem menor do que atualmente — afirma Jorge.
A antropóloga Karina Kuschnir, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), acompanhou o movimento nas ruas. Ela conta que ficou especialmente feliz com o aspecto inesperado das manifestações. Karina cita uma das frases que circulam nas redes e nos protestos: “se você não está confuso, não está bem informado”.
— A capacidade criativa da vida social é dos princípios teóricos que aprendi com vários autores, como Gilberto Velho, Howard Becker e Marshall Sahlins. Na universidade e nas manifestações vejo jovens (e não tão jovens) com ideias muito heterogêneas, mas que se sentem próximos pela valorização de pontos em comum, como a diminuição das desigualdades no acesso à educação, saúde, transporte, moradia e, consequentemente, à justiça, informação e participação. E também na defesa da punição da gigantesca corrupção envolvendo políticos e empresários, que se apropriam dos recursos públicos que deveriam ser investidos nestas áreas — diz a professora.
Para a antropóloga, é importante ressaltar o papel da internet como ferramenta de comunicação que possibilita a circulação de muitas dessas ideias, permitindo que ganhem força. Porém, para entender o fenômeno atual, defende Karina, é importante entender olhar não só para o século XXI, mas também para o passado. No século XVIII já havia um sistema de circulação de informações que se assemelha ao que existe hoje.
— O historiador americano Robert Darnton já descreveu como circulavam oralmente, através desse sistema subterrâneo, boatos, acusações e verdades. E isso foi uma das forças motrizes da Revolução Francesa.
Na sua avaliação dos protestos, Jorge critica a tentativa de dividir os manifestantes entre pacíficos e vândalos. Para o psicanalista, a oposição entre os dois grupos é artificial porque “ambos estão indignados e se insurgem contra a situação nacional”. O ódio é um elemento comum, o que muda é a maneira de manifestá-lo.
— Se a forma da manifestação deles é diversa, isso reside no fato de que os violentos representam o núcleo verdadeiro de todos os manifestantes, o ódio presente neles em relação aos políticos. Os pacíficos também expõem seu ódio nas frases demolidoras dos cartazes — explica o professor da Uerj.
Fonte: Prosa / O Globo
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