- O Globo – Segundo Caderno
Outro dia, encontrei um amigo na rua e perguntei: "Tudo bem?" "Tudo", respondeu. "Comigo, tudo, mas o país, você sabe ..." Aquilo não me pareceu estranho. Era como me sentia. Tudo bem no âmbito pessoal, um certo desencanto com o Brasil. Vejo agora que isso acontece em escala maior. Pesquisas indicam que estamos otimistas com nossas vidas e bastante céticos quanto à política nacional.
Quando é que essas linhas vão convergir? É uma das perguntas que faço. Até que ponto as peripécias políticas vão envenenar nosso cotidiano? Ou até que ponto nosso otimismo pessoal acabará transbordando no universo político?
No meu caso, o sucessivo aumento do dólar dificulta os sonhos de acompanhar uma indústria que se move com uma velocidade vertiginosa.
As câmeras servem para reproduzir a realidade. Quanto mais modernas, mais capazes de transmitir uma decapitação no deserto, o massacre de crianças pelo Talibã, o pouso de um robô num meteoro. Elas registram tudo com uma frieza algorítmica.
Em outras palavras, o progresso técnico apenas revela também o lado tenebroso da Humanidade. O filme americano "Blade Runner" foi uma boa antevisão disso tudo. Progresso e barbárie andaram juntos em 2014.
Não há razão para desespero. No Brasil, a operação Lava-Jato lançou luz sobre o escândalo do Petrolão. O próprio juiz Sérgio Moro chamou a atenção para a existência das mesmas práticas em outros setores, além do petróleo.
Um dos ex-diretores da Petrobras, Paulo Roberto Costa, foi mais longe e disse que a corrupção estava presente em todas as dimensões da atividade pública.
Não demorou muito, o jovem prefeito de Itaguaí, Luciano Mota (PSDB), confirmou essa tese: usava uma Ferrari amarela para se deslocar na cidade, tinha televisões com telas gigantescas, esbanjava dinheiro. Possivelmente, royalties do petróleo.
O juiz Sérgio Moro colocou a possibilidade de combater esse processo e reduzi-lo, radicalmente. Mas juízes e procuradores não resolvem sozinhos. Será preciso um esforço nacional.
Depois de uma Copa do Mundo e de eleições presidenciais, o país parece estar um pouco inseguro sobre sua identidade. Ainda ecoam os gritos de gol da Alemanha, naquele célebre 7 a 1.
Eo processo político foi pós-moderno. A palavra-chave era desconstrução. E a teoria vitoriosa, a de que não existe verdade, apenas versões.
Os eleitores de Dilma cobram coerência. Gente da oposição, também. Mas o curso da campanha avisava com muita nitidez: não há coerência, apenas táticas para vencer.
Gostaria de analisar outros discursos, outras retóricas. Mas Dilma é a presidente do Brasil. Ela declarou solenemente: alguns diretores da Petrobras foram colhidos pelo combate à corrupção.
Interessante como ela transforma o processo num fenômeno quase natural. Choveu, e algumas casas foram derrubadas. Passou um bonde contra a corrupção e acabou levando alguns diretores da empresa.
Sabemos que não é bem assim. Havia um esquema político manipulando os diretores da Petrobras. Quando uma gerente quis denunciar o processo de superfaturamento, Paulo Roberto Costa, mostrando o retrato de Lula e a sala de José Sergio Gabrielli: "Você quer derrubar tudo?"
Com dados abundantes, a Operação Lava-Jato demonstra uma corrupção sistêmica. No discurso de Dilma, tentados pela fortuna, alguns dirigentes da Petrobras foram colhidos pelo combate à corrupção. Um fato isolado, o Brasil não vive uma crise ética, conforme ela mesma declarou a jornais latinos.
No momento em que o mundo dá suas voltas, isso só faz atrasar nosso passo. Parece que fomos condenados a cantarolar indefinidamente: "Mentira, foi tanta mentira que você contou".
Se assumissem sua responsabilidade, poderíamos discutir coisas mais sérias. Como sair dessa enrascada, por exemplo?
A queda de 77% nos títulos de empresas brasileiras no exterior mostra como a economia nacional foi atingida pelo escândalo da Petrobras.
Estamos felizes, crianças crescendo, os amigos, a vida familiar em paz, um trabalho. Mas até que ponto uma parte dos brasileiros estaria mais feliz ainda se pudesse contar com um sistema que ela ajuda a sustentar?
Com a aspereza de uma crise econômica e eclosão de um grande escândalo, não sei como vai se desdobrar nossa equação de felicidade.
Da minha parte, sobretudo neste momento do ano, desejo toda a felicidade do Butão, aquele pequeno país asiático que tem a felicidade, e não o PIB, como alvo de crescimento.
Em termos de crescimento econômico, não espero tanto do Brasil em 2015. A brecha para se aumentar a felicidade é desvendar, punir e reformar um sistema de corrupção que os brasileiros já não aceitam.
Um ano novo não rompe simplesmente. Ele precisa ser construído. Desatar o nó da corrupção sistêmica é dificílimo. Ainda bem que estamos felizes. Por que não tentar?
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