• O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção
- Folha de S. Paulo
Esta é a última coluna do ano. Bom momento para olhar o que se passou em 2014 e divisar 2015.
Há um ano prevíamos para 2014 crescimento de 1,8%, com inflação na casa de 6,0% e investimento em alta de 2,5%. Esse cenário foi construído com Selic (taxa básica de juros, fixada pelo BC) em 10,5%, câmbio médio ao longo de 2014 de R$ 2,40 reais/dólar e superavit fiscal primário (que exclui receitas e despesas financeiras) de 0,5% do PIB, excluindo também as receitas extraordinárias e as deduções permitidas em lei para cumprimento da meta. Finalmente esperávamos que o déficit externo seria de 3,4% do PIB.
O ano fechará com crescimento de 0,1%, inflação de 6,4%, o investimento recuará 7,5%, a Selic média e o câmbio médio foram de respectivamente 10,9% e R$ 2,35, o resultado primário será um deficit de 0,5% do PIB e o deficit externo será de 4,0% do PIB.
Os dois maiores erros de previsão foram no crescimento, 0,1% ante 1,8%, e no crescimento do investimento, 2,5% ante -7,5%. O erro no investimento explica todo o erro no crescimento. (O investimento é da ordem de 18% do PIB e o erro de previsão do investimento foi de 10 pontos percentuais, que gera um impacto sobre a taxa de crescimento de -1,8%.)
A péssima notícia foi que, apesar do desempenho muito ruim da atividade, a inflação elevou-se. Crescimento menor do que o esperado e inflação maior do que a esperada sugerem que ocorreu algum processo de desorganização da economia. Se o baixo crescimento resultasse de recuo da demanda, a inflação teria que surpreender para baixo. Não foi o caso como não tem sido o caso nos últimos anos.
O forte recuo do investimento deveu-se à enorme incerteza com o processo eleitoral e o reconhecimento das pessoas de que a política econômica é não sustentável e, portanto, requererá ajustes à frente. A dificuldade de prever a natureza dos ajustes produziu o forte recuo do investimento.
A inconsistência entre a necessidade de dobrar a aposta na política econômica não sustentável para produzir o resultado eleitoral desejável e a necessidade de indicar algum caminho de ajustamento para dar horizonte ao cálculo empresarial acabou comprometendo o investimento.
Tudo sugere que o governo decidiu ajustar a política econômica. Mas não estão claros a extensão e o comprometimento do ajuste. E essas duas dúvidas têm aumentado nos últimos dias. O cenário que desenharei para 2015 supõe que o comprometimento com o ajuste é forte e, igualmente importante, de que a presidente e o grupo político há 12 anos à frente do Executivo nacional terão habilidade política melhor do que a que demonstraram até hoje para costurar a base de sustentação no Congresso e aprovar as medidas necessárias para arrumar a casa.
Sob essas hipóteses, é possível divisar a economia crescendo 0,5% em 2015. O setor de serviços responderá por 2/3 deste crescimento e a agropecuária pelo terço restante. A indústria continuará estagnada. Pela ótica da demanda agregada, o crescimento de 0,5% virá 2/3 do consumo e 1/3 do setor externo. O investimento não crescerá em 2015. A inflação fechará provavelmente acima da meta, na casa de 6,7%, em função do fortíssimo ajustamento dos preços controlados, de quase 9%. Mas a inflação de preços livres ficará em 6,0%. O câmbio deve fechar em R$ 2,8 reais por dólar e a Selic em 12,75%.
Uma das hipóteses para esse cenário é que a política fiscal melhore muito e tenhamos um superavit recorrente das contas públicas mais próximo de 1% do PIB.
A arrumação da casa fiscal retirará da agenda a possibilidade de rebaixamento da nota de crédito do país e alargará o horizonte do cálculo empresarial que, conjuntamente com o ganho de produtividade resultante da reversão das medidas da nova matriz econômica, pavimentará o caminho para a retomada do crescimento em 2016.
O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção. Na falta de um dos dois não me atrevo a desenhar o que virá pela frente.
Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
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