- Valor Econômico
A rigor, o início do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff não acrescenta nenhum fato novo à conjuntura. O jogo apenas saiu dos bastidores e os atletas entraram em campo. Disputa às claras. O início do processo não acrescenta nada de novo porque há um ano o Palácio do Planalto tem como pauta quase que exclusiva o impedimento da presidente.
Primeiro, como forma de constranger a oposição, que saiu fortalecida das eleições de outubro de 2014. Depois como instrumento de um embate, nada grandioso, entre a presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que se tornaram verdadeiros irmãos siameses na defesa de seus mandatos.
O perigo real e imediato do início do processo é o agravamento da paralisia que já tomava conta do governo (vide casos como o da zica e o rompimento de uma barragem em Minas Gerais) e do Congresso.
Cabe ao governo criar as condições para liderar o Congresso e aprovar as pautas de seu interesse. O Legislativo, ao menos, aprovou o ajuste, está resolvendo o problema do déficit orçamentário e botou no Orçamento a CPMF. Já o governo passou o tempo inteiro obcecado com a história do impeachment.
O tempo agora corre contra a presidente da República. Quanto mais rápido tramitar na Câmara o pedido de impeachment de seu mandato, menos difícil será para o Palácio do Planalto reunir os 171 votos necessários para que ela permaneça no comando do governo.
Quanto mais demorar o processo, mais tempo ganha a oposição para articular uma alternativa de poder no Congresso, alimentado pelo pior inimigo da presidente no momento: o aprofundamento da crise econômica e suas manifestações mais perversas, como a recessão, o desemprego ultrapassando a casa dos 10% já no mês que vem, e uma inflação renitente que não cede mesmo às políticas monetárias mais radicais.
A economia e não a política é a maior ameaça ao mandato da presidente da República, neste momento do jogo. Mas neste aspecto, tudo sinaliza para o pior. Há também o risco de um novo rebaixamento. A política piorou o que já estava ruim e não terá o socorro de boas novas na economia. Essa é a equação.
Tecnicamente, os prazos do impeachment na Câmara não são longos. Para se ter uma ideia, uma vez lido e publicado o despacho de acolhimento da denúncia, cria-se a Comissão Especial. Os prazos mais importantes são: dez sessões para a presidente oferecer a defesa, contadas a partir da notificação, e mais cinco sessões para a Comissão Especial proferir o parecer.
Após as 48 horas da publicação do parecer, segundo as contas do eficiente Mozart Viana de Paiva, aposentado da Secretaria Geral da Câmara, o parecer é incluído na ordem do dia de plenário para discussão e votação. Em seguida, remessa ao Senado dentro de duas sessões. "O que pode atrasar são os eventuais questionamentos e recursos. Mas mesmo assim nem tanto", explica Mozart Viana.
A história é outra no Senado, a quem cabe efetivamente julgar a presidente. Na Casa presidida por Renan Calheiros (PMDB-AL), cuja cadeira será ocupada pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, o prazo é de 180 dias. Se a Casa não votar nesse período, a presidente volta ao cargo automaticamente.
A questão aqui é outra: se o processo chegar às mãos dos senadores, é porque terá sido autorizado por dois terços da Câmara. O presidente então é afastado do cargo e já chega às barras do Senado politicamente liquidado. Aí o relógio passa a ser político e não mais regimental. Então corre rápido. Por isso todo o esforço inicial do PT é evitar a instalação da comissão com recursos onde eles couberem: Supremo Tribunal Federal, Comissão de Constituição e Justiça e plenário da Câmara dos Deputados.
É uma estratégia arriscada porque dá tempo para a oposição se organizar. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, certa vez, explicando porque o PSDB não apoiou o impeachment de Luiz Inácio Lula da Silva disse que duas condições eram necessárias para a concretização do impedimento: votos no Congresso e o povo nas ruas.
A oposição não tinha nenhuma das duas. Agora pode ter. As mobilizações contra Dilma pelas redes sociais, no momento decrescentes, podem voltar ao volume de 8 de março, quando juntou mais de 2 milhões de pessoas em todo o país? Ou a força dos panelaços, que já se insinuaram na manifestação pública de Dilma, ontem à noite, contra a decisão de Eduardo Cunha. Nesse cabo de guerra, o maior de todos os perigos está na radicalização do processo, com os dois lados na rua. CUT, os "soldados de Stédile" e outros movimentos sociais já anunciaram que ocuparão as avenidas em defensa do mandato de Dilma. O confronto não interessa a ninguém. É só olhar para o que acontece atualmente na vizinha Venezuela.
Neste particular merece atenção o comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de muito tentar fazer Dilma mudar de comportamento, o ex-presidente aparentemente lavou as mãos, quando o PT decidiu votar contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara contrariando interesse do Palácio do Planalto. Uma raposa política com acesso aos meandros do jogo do impeachment, no entanto, diz que Lula não lavou as mãos, ele apenas mudou de pia. Pelo menos no início, o PT deve se unir em defesa de Dilma.
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