• Presidente afastada não anda mais de bicicleta todos os dias; agora, prepara livro e quer se tornar a “consciência crítica” da gestão Temer
Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Desde que deixou o Palácio do Planalto, há dez dias, Dilma Rousseff montou o gabinete virtual da “pronta resposta” para despachar. É ali, em sua página no Facebook e no Twitter, que a presidente afastada rebate os anúncios e medidas tomadas por ministros da gestão de Michel Temer, chamada por ela apenas de “governo provisório”.
Tudo funciona no Palácio da Alvorada, transformado em sede da resistência ao impeachment, a seis quilômetros do Planalto. A estratégia é coordenada pelo ex-ministro da Secretaria de Governo Ricardo Berzoini, que faz a “ponte” entre o PT, Dilma e seu padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois de tomar café na “dimensão humana” do Alvorada, como batizou a parte superior do Palácio, a presidente afastada despacha na biblioteca, no térreo. “Desço, subo, desço”, conta ela, quando explica por que o Alvorada, apesar da bela arquitetura de Oscar Niemeyer, não é aconchegante.
No gabinete virtual, Dilma atua como uma espécie de “consciência crítica” do governo Temer, respondendo até a perguntas de internautas. Auxiliares dizem que ela está mais “leve” e implica menos com o barulho das emas. Vive só com a mãe, Dilma Jane, de 92 anos, e sente saudade da filha Paula e dos dois netos, que moram em Porto Alegre. “Meninos são sempre mais ingênuos, coitadinhos. As meninas são vivas, maquiavélicas”, diz.
À noite, gosta de escrever. Faz registros sobre sua rotina e já avisou aos mais próximos que vai preparar um livro. “Sou uma escrevinhadora”, brinca Dilma, aos 68 anos.
Na terça-feira, após receber o jornalista americano Glenn Greenwald para uma entrevista, ela foi surpreendida por um pedido de abraço de uma integrante da equipe que, ao se aproximar, chorou. “Não chora não, menina! Ainda não acabou. Nós vamos lutar. Quando eu saí da cadeia, achei que tinha parado de lutar, mas olha aí...”, comentou a presidente afastada.
Caminhada. Seguidora da dieta Ravenna, Dilma chegou a emagrecer 17 quilos, mas já engordou dois. Não anda mais todo dia de bicicleta e até emprestou uma delas ao ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) José Eduardo Cardozo. No lugar das pedaladas – não fiscais –, faz 45 minutos de caminhada bem cedo, dentro do Alvorada.
“Agora sou eu que vou e volto do Alvorada de bicicleta”, afirmou Cardozo, hoje advogado da petista. O ex-ministro, que também foi titular da Justiça, disse ter ficado “espantado” quando viu seu sucessor na AGU, Fábio Medina Osório, declarar que vai apurar possível “desvio de finalidade” cometido por ele ao classificar o impeachment como “golpe”. “Cercear a liberdade do advogado na condução da defesa é algo que não vi nem na ditadura militar.”
Pouco depois de sair do Planalto, ao lado de Lula, Dilma já queria saber como a imprensa internacional abordava o impeachment. Considerou a repercussão favorável e ficou emocionada quando, na terça-feira, a equipe do filme brasileiro Aquarius – com a atriz Sônia Braga à frente – protestou, no Festival de Cannes, durante a sessão de gala que exibiu o longa-metragem. Os atores seguraram cartazes com dizeres como “Um golpe está acontecendo no Brasil”, “54 milhões de votos foram queimados” e “O Brasil não é mais uma democracia”, escritos em inglês e francês.
“Fiquei com a alma lavada”, resumiu ela, em conversa com políticos que a visitaram, semana passada. Na lista estava o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Dilma criticou as “trapalhadas” de Temer. “E agora vão dizer que há um rombo muito maior nas contas”, previu. Ela repetiu o discurso em encontro com blogueiros, na sexta-feira, em Belo Horizonte, depois que o novo governo anunciou um vermelho de R$ 170,5 bilhões. “Vou lutar no Senado e no Judiciário para me defender. Não vou ficar presa dentro do Alvorada”, disse a presidente que um dia quis ser bailarina.
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