Folha de S. Paulo
O maior erro de Dilma foi impedir que a sociedade se deparasse com a restrição de recursos.
O chefe do Executivo em nosso presidencialismo tem inúmeras atribuições. Uma delas é liderar a sociedade e o Congresso Nacional na construção de um equilíbrio político que seja, simultaneamente, um equilíbrio econômico virtuoso.
Após a arrumação da casa fiscal no segundo mandato de FHC, tivemos um período em que a taxa de crescimento da receita foi o dobro da taxa de crescimento da economia. Apesar do crescimento real da despesa na casa de 7% ao ano, o superavit primário manteve-se elevado, em torno de três pontos percentuais do PIB ao ano, por um longo período.
A hora da verdade chegou em 2011, quando a receita passou a crescer na mesma velocidade do crescimento da economia. Quatro anos de comportamento normal da receita -além, é forçoso reconhecer, de inúmeros erros de política econômica- transformaram um superavit recorrente de 2,5% do PIB em um deficit recorrente de 1,5% em 2014, já descontando os efeitos das pedaladas. A enorme incerteza de uma sociedade que não consegue resolver seu conflito distributivo de forma civilizada causou a queda do investimento já em 2014, fato que está na raiz do agravamento da crise a partir do 2º semestre de 2014 até hoje.
Quando a dinâmica da receita se inverteu, Dilma tinha a função de liderar a sociedade na construção de um Estado que fosse solvente no longo prazo. Poderia ser por criação de mais impostos, por meio de reformas que reduzissem o gasto, como a da Previdência, entre tantas outras, ou ainda poderia ser por meio de medidas que tornassem o Estado mais eficaz. Provavelmente por um pouco de todas essas três e outras tantas.
Em vez de ser estadista e liderar a sociedade nesse processo, Dilma escolheu esconder o problema. Omissa, atacou o problema fiscal com expedientes temporários: seguidos programas de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis), contabilidade criativa e pedaladas fiscais. Escondeu da sociedade os problemas.
Quando acordou para o problema, em seguida ao maior estelionato eleitoral, não teve condições políticas de enfrentá-lo.
Dois fatores contribuíram para a estratégia de avestruz. Primeiro, pesou o fato de a presidente ser formada em uma tradição do pensamento econômico que minimiza a restrição de recursos e considera que quase sempre a economia brasileira opera com elevada ociosidade.
Evidentemente essa crença tem dificuldade de explicar a persistência da inflação e dos juros reais elevados entre nós. Para essa visão, uma piora do deficit público aumenta o crescimento e, com ele, a receita do governo, em uma forma de moto perpétuo.
Em segundo lugar, o PT, partido bem mais à esquerda do que o Congresso, prefere, e é natural que assim seja, que o problema fiscal seja solucionado por meio de nova rodada de aumento da carga tributária, preferencialmente sobre os mais ricos, em vez de reformas e medidas que reduzam o gasto público e aumentem a eficiência da máquina pública. Tudo legítimo.
O PT, no entanto, tem dificuldade de conviver com um Congresso muito mais à direita. Tem dificuldade de entender que a construção legislativa refletirá o poder de barganha dos grupos, ou classes sociais, do Congresso.
Ao perceber que não tinha hegemonia para fazer o ajuste fiscal segundo a sua preferência, preferiu nos jogar no abismo da crise fiscal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário