- O Estado de S. Paulo
Os três promotores de São Paulo que pediram a prisão preventiva do ex-presidente Lula – ainda sujeita a decisão judicial – atravessaram o samba e conseguiram um efeito oposto ao que provavelmente imaginavam: enfraqueceram a Lava Jato e fortaleceram o discurso da vitimização de Lula. Foi um desserviço ao processo de tirar o País a limpo e eles alegaram a necessidade de “manter a ordem”, evitar que Lula destrua provas e obstrua a Justiça. Pode uma coisa dessas?!
Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo argumentam que o inquérito deles é sobre a Bancoop e já há testemunhas e provas suficientes de que o tríplex do Guarujá era de Lula. Logo, a cooperativa deu um calote em milhares de filiados e favoreceu caciques do PT, a começar de Lula e do ex-tesoureiro João Vaccari Neto.
Há aí uma falta de “timing” e uma falta de “simancol”. Conserino parece sério e pode ter as melhores das intenções, mas é a pessoa errada, na hora errada, para confrontar Lula. Tornou-se alvo fácil ao avisar previamente a imprensa que denunciaria Lula por ocultação de patrimônio, personifica a “prova” que o PT queria de uma “perseguição” contra o ex-presidente e dividiu até o Conselho Nacional do Ministério Público.
A Lava Jato cruzou oceanos, não perdoou diretores da Petrobrás, doleiros e marqueteiros, atingiu os maiores empreiteiros do País e está fechando o cerco em torno de Lula. Mas tudo isso é um processo, tem regras, rituais, prazos. Quando um promotor estadual atropela esse processo, abre um flanco para questionamentos, divisões internas na Lava Jato, exaltação de ânimos dos militantes e dúvidas na opinião pública.
Enquanto o MP-SP entra na contramão em alta velocidade, o MP nacional, a PF e a Receita tentam manter o ritmo e o foco que, neste momento, está em novas e eletrizantes delações premiadas, particularmente as de Marcelo Odebrecht e de Delcídio Amaral.
Marcelo, disciplinado e determinado, usa seu tempo na cadeia para exercícios físicos diários, certo de que seriam suficientes para livrá-lo do mal e da tentação de delatar. O tempo, a cela, a pressão do pai e uma primeira pena de 19 anos de quatro meses de prisão (1/6 em regime fechado) arrefecem a certeza e a determinação. Como ele é réu numa segunda ação e investigado em mais duas, pode pegar ao final nove anos em regime fechado. Não mais no conforto da PF, mas “no sistema”, de macacão, comendo quentinha, bem longe de Paris, Londres, Nova York, Waldorf Astoria, Armani, os melhores restaurantes do mundo.
Marcelo tem de pesar tudo isso e decidir o quanto antes, porque a força-tarefa não é boba. Tem a história bem amarrada e lembra que delação só vale e só abranda a pena se apresentar fatos novos e relevantes. Quanto mais o tempo passa, ele tem menos a dizer. A Andrade Gutierrez já está fechando a delação, a OAS caminha para isso, os funcionários da Odebrecht foram liberados, até a secretária, que sabe de detalhes picantes, está prestes a abrir o bico e a Suíça autorizou o envio dos dados bancários da empreiteira para o Brasil. Corre, Marcelo!
Quanto a Delcídio, ele é considerado na Lava Jato o “delator dos delatores”, porque foi ministro de Itamar, diretor da Petrobrás no governo FHC e senador do PT com Lula e Dilma. Sabe a cronologia, o papel de cada personagem, a evolução e as mutações da maior roubalheira brasileira. O problema, dizem os investigadores, é que Delcídio não é confiável. Exemplo: contou detalhes da reunião de Dilma, Lewandowski e José Eduardo Cardozo em Portugal, mas não estava lá. Algum deles lhe contaria uma eventual trama escusa?
É esse processo e são essas dúvidas que o MP-SP atropela e fere com a extemporânea e mal justificada prisão de um ex-presidente da República.
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